O Plano Nacional de Cultura e o setor do audiovisual

Após um longo período de arrefecimento da participação direta do Governo Federal na área da Cultura, compreendido entre as décadas de 1980 e 1990, ganhou corpo um movimento político que entendera que o pleno exercício dos direitos culturais estava condicionado à efetiva participação do Estado no setor. Com efeito, reconheceu-se a urgente necessidade da adoção de um planejamento de longo prazo que objetivasse “o desenvolvimento cultural do país, com ações e metas consistentes e eficazes que promovam a defesa e a valorização do patrimônio cultural brasileiro, o incentivo na produção e difusão de bens culturais, a formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, a democratização do acesso aos bens culturais e o reconhecimento de que somos um país multirracial, caracterizado pela diversidade regional e pluralidade étnica marcante.”

É nesse contexto que são aprovadas, no Congresso Nacional, a Emenda Constitucional nº 48, de 2005, prevendo a obrigatoriedade de adoção do planejamento cultural plurianual, e a Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010, instituindo, finalmente, o Plano Nacional de Cultura, com validade decenal.

Este é, essencialmente, uma carta programática, ou seja, ao longo de seus quinze artigos, prevê e estabelece princípios, objetivos, formas de organização burocrática, de financiamento e acompanhamento de resultados, sem definir, de imediato, quais serão as atuações concretas a serem adotadas pelo poder público. Não obstante, a Lei nº 12.343, de 2010, contém um extenso anexo indicativo das diretrizes, estratégias e ações que deverão compor o Plano Nacional de Cultura e é nesse documento que poderemos encontrar as medidas direcionadas, especificamente, para o ramo do cinema e do audiovisual.

Assim sendo, na institucionalização das políticas culturais para o setor, intenta, o Estado: estabelecer programas específicos para o campo do audiovisual; contribuir para a definição dos marcos legais e organizacionais que ordenarão o desenvolvimento tecnológico, a sustentabilidade e a democratização da mídia audiovisual e digital; revisar a legislação tributária aplicada às indústrias da cultura, inclusive, o segmento do audiovisual; instalar espaços de exibição audiovisual nos centros culturais, educativos e comunitários de todo o país; reabilitar cineclubes e cinemas de bairro; atualizar e ampliar a rede de centros técnicos de produção e finalização de produtos culturais; atualizar e ampliar a rede de centros técnicos dedicados à pesquisa, produção e distribuição de obras audiovisuais; fomentar os processos criativos dos segmentos de audiovisual, arte digital, jogos eletrônicos, videoarte, documentários, animações, internet e outros conteúdos para as novas mídias; estimular a criação de programas nacionais, estaduais e municipais de distribuição de conteúdo audiovisual para os meios de comunicação e circuitos comerciais e alternativos de exibição; integrar as políticas nacionais, estaduais e municipais dedicadas a elevar a inserção de conteúdos regionais, populares e independentes nas redes de televisão, rádio, internet, cinema e outras mídias; apoiar os produtores locais do segmento audiovisual e a radiodifusão comunitária no processo de migração da tecnologia analógica para a digital; fomentar a associação entre produtores independentes e emissoras e a implantação de polos regionais de produção e de difusão de documentários e de obras de ficção para rádio, televisão, cinema, internet e outras mídias; realizar programa de prospecção e disseminação de modelos de negócios para o cenário de convergência digital, incluindo os segmentos da animação, audiovisual, videoarte e arte digital; potencializar os equipamentos e espaços culturais, tais como os cinemas.

A despeito das boas ideias e intenções, mesmo aquelas nefelibatas, nota-se que mesmo o Anexo não escapa da intenção programática do Plano Nacional de Cultura – como, na verdade, não poderia deixar de ser. Em outras palavras, ainda que a adoção do planejamento cultural seja deveras importante, pouco sinaliza acerca das futuras políticas culturais do Governo Federal. Por outro lado, as ambiciosas metas, recém-aprovadas, já servem de indicativo para o que se pretende alcançar nos próximos dez anos. Entre elas, podemos citar, a título de exemplo: o lançamento de 150 filmes brasileiros de longa-metragem ao ano em salas de cinema; o aumento para 27% de participação dos filmes brasileiros na quantidade de bilhetes vendidos nas salas de cinema; o acréscimo em 60% no número de instituições culturais, inclusive, cinemas; a criação de núcleos de produção digital audiovisual em 100% das Unidades da Federal (UF); a participação da produção audiovisual independente brasileira na programação dos canais de televisão em 25% nos canais da TV aberta e 20% nos canais da TV por assinatura; dentre tantas outras metas que afetam o setor de maneira indireta.

Em síntese, o Plano Nacional de Cultura é fruto de um longo debate e amadurecimento político, num contexto de aumento da participação do Governo Federal na Cultura. Em seu bojo, estão os princípios, os direitos culturais, os objetivos, as sugestões de superação de entraves, as formas de atuação do Estado, enfim, todo o aparato teórico jurídico necessário para instrumentalizar a promoção do desenvolvimento do campo do audiovisual. Ao fim e ao cabo, decorrida apenas a fase de aprovação das metas, ainda é cedo para identificarmos com precisão quais serão as políticas e ações para alcançá-las, restando, portanto, aguardar e acompanhar as futuras iniciativas.

1MACHADO, Gilmar. SERRANO, Maria. Proposta de Emenda nº 57, de 2003. Número 306, de 29 de novembro de 2000, na Câmara dos Deputados.

 

Por Nichollas de Miranda Alem, advogado do escritório Cesnik, Quintino e Salinas, especializado em entretenimento e terceiro setor.

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