O cineasta heavy metal

Todo bom cineasta pensa com muito cuidado na trilha sonora de seu filme. Mas nenhum tem tanto cuidado com a atmosfera sonora de sua história quanto o brasiliense André Moraes. Filho do cineasta Geraldo Moraes, André assinou dezenas de trilhas de filmes (“Lisbela e o Prisioneiro”, “Meu Tio Matou um Cara”, “Assalto ao Banco Central”) e é um eterno apaixonado pelo rock e pelo heavy metal, exercitada em parcerias fora das telas com o Sepultura.

Agora, aos 38 anos, e depois de quatro curtas, André prepara essa mesma atmosfera “metal” em seu primeiro longa como diretor. Em “Entrando numa Roubada”, um ator frustrado (Bruno Torres, irmão do diretor) consegue R$ 100 mil para produzir um filme de ação. Para isso, ele chama uma turma de amigos, todos artistas fracassados – entre eles Laura (Deborah Secco), uma ex-apresentadora infantil que quer esquecer sua carreira pregressa. A turma ainda inclui Lúcio Mauro Filho, Júlio Andrade e Ana Carolina Machado.

“Entrando numa Roubada” é uma mistura inusitada de road movie, comédia, ação e violência. André prefere resumi-lo como um filme de humor negro. “Tem um ponto de virada muito bem definido, na linha do ‘Um Drinque no Inferno’, do Robert Rodriguez. É até engraçado no início, mas acontece uma grande m…, e a partir daí não tem mais comédia. A coisa toda vira uma vingança que precisa ser realizada a qualquer custo”.

Spiderman e Iron Maiden

A trilha sonora o acompanhou em todos os momentos da criação. “A música pra mim vem antes, durante e depois da filmagem. Quando tô escrevendo o roteiro, penso nela pra caralho. E quando começo a filmar, penso mais ainda”, explica. Antes de assumir a pegada heavy metal da trilha, André passou por crises. “Teve uma época em que pensei: não vou fazer isso, é exatamente o que as pessoas esperam de mim. Mas no filme tem uma menção muito forte ao Iron Maiden. Primeiro decidi não usar. Mas umas 30 pessoas pra quem eu mostrei o filme disseram que não tinha como encerrar o filme sem Iron Maiden”, conta.

O resultado não poderia ser mais luxuoso: André gravou com uma orquestra de cordas e músicos como Igor Cavalera (Sepultura); o percussionista Guga Machado; o jazzista americano Omar Hakim, que tocou com Miles Davis e com David Bowie na famosa “Let’s Dance”; e uma trupe de músicos que têm no currículo as trilhas de “Spiderman”, “Kill Bill”, “Meu Malvado Favorito” e os filmes de Tim Burton.

Entre registro e finalização, a trilha envolveu gravações no Brasil, em Los Angeles e Nova York – lá, a honra foi usar as instalações do Electric Lady Studios, criado por Jimi Hendrix em 1970. Apesar de toda essa estrutura, a assinatura do trabalho é uma só: a composição é 100% de André. Mas ele garante que o heavy metal não é a única tônica dominante do resultado. “É uma trilha inspirada no universo do western, nos trabalhos do Ennio Morricone, mas com um toque abrasileirado.”

Calor intenso

A principal locação de “Entrando numa Roubada” foi Piracaia, cidade na Serra da Mantiqueira, a 82 km de São Paulo, com paisagens ideais para um road movie. “É um lugar que não tem como saber bem o que é. Poderia ser algum lugar do Centro-Oeste do país”, diz André. Lá, a equipe filmou em novembro de 2013, sob temperaturas escaldantes que tinham tudo a ver com o delírio da história.

“O que eu busco é juntar a minha música com o que gosto de fazer no cinema. Não tenho nenhuma pretensão além disso”, diz, com uma dose de modéstia. Apesar de ter frequentado os sets de filmagem do pai diretor e da mãe produtora, sempre o perseguiu a sensação de não estar pronto para dirigir. Seu método de aprendizado é colar nos diretores para os quais faz trilha: Guel Arraes, Jorge Furtado, Mauricio Farias. Quando foi escalado para o elenco principal de “Os Desafinados” (2008), não desgrudou do pé do diretor Walter Lima Jr. durante toda a filmagem, aprendendo os detalhes aos quais um cineasta deve sempre ficar atento.

Em “Entando numa Roubada”, André mistura road movie, comédia, ação e violência

Inicialmente idealizado como um BO (Baixo Orçamento), “Entrando numa Roubada” conseguiu expandir seu orçamento para dar conta dos efeitos especiais – o filme custou R$ 350 mil. Com distribuição da Europa Filmes e da Paramount, a ideia é lançá-lo com cerca de 200 cópias em todo o país no dia 3 de setembro.

Deborah e os aliens

Um dos orgulhos da carreira de André foi a trilha de “Lisbela e o Prisioneiro” (2003), de Guel Arraes. Ele foi o responsável por resgatar “Você Não me Ensinou a te Esquecer”, sucesso de Fernando Mendes nas rádios AM nos anos 70, e criar um novo arranjo para a voz de Caetano Veloso. Sucesso nas rádios novamente, o CD da trilha vendeu mais de 100 mil cópias.

Sua paixão é a música, mas o cinema e a TV hoje não lhe dão tempo para mais nada. É quase impossível marcar uma entrevista com André – uma mensagem pode levar três a quatro dias para ser respondida. Na semana em que ele finalmente conseguiu um tempo, estava na correria entre Rio e São Paulo aprovando os efeitos especiais de “Entrando numa Roubada” e em reuniões de produção para uma série em 13 episódios que vai escrever e dirigir para o canal Warner. “Manual para se Defender de Alienígenas, Zumbis e Ninjas” é o prolongamento de uma ideia surgida no curta de mesmo nome que ele dirigiu há cinco anos. Os aliens, os zumbis e os ninjas fizeram uma Tríplice Aliança para dominar a Terra. Um escritor cria um manual para defender os terráqueos, e as instruções vão parar nas mãos de três amigos nerds.

O elenco tem Tonico Pereira, Lúcio Mauro Filho e André Arteche, mas a grande sacada do casting foi escalar a protagonista Malena, 20 anos, musa dos “gamers” que ficou famosa postando no YouTube vídeos nos quais comenta suas partidas do jogo “Minecraft”. Segundo André, a série é uma mistura de “Heroes” e “Big Bang Theory”, com uma fotografia inspirada em “American Horror Story”. As filmagens devem começar até julho.

Para o portal Gshow, da Globo, ele desenvolve um projeto de talk show online estrelado por Deborah Secco, sua amiga de longa data. Esperamos aquele toque de “heavy metal” que pode fazer de um simples talk show algo com a cara de André Moraes.

 

Por Thiago Stivaletti

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