Maratona de séries ou binge watch

A maneira como as pessoas consomem as séries mudou e vai também mudar o modo como elas serão criadas e produzidas. O termo binge watch se refere a assistir as séries em forma de maratona, ver os episódios seguidamente como se uma temporada fosse um longa de muitas horas de duração.

Isso não é novidade para o mercado, que já explorou esse tipo de fã com os lançamentos das caixas de DVD das séries. Mas com o streaming foi possível medir a quantidade e a compulsão do espectador. O Netflix divulgou seu estudo de mais de 100 séries nos 190 países que atua. Interessante é que nessa escala de “vício” os gêneros influenciam muito. As séries que os espectadores assistem mais horas por dia em ordem decrescente são: thriller, seguido de terror, sci-fi, ação-aventura, comédia dramática, policial, super-herói, drama histórico, político e, por último, a comédia irreverente.

A pergunta é: você como realizador ou produtor prefere qual tipo de consumo de seu seriado? Como deve planejar sua distribuição? Semanal ou disponibilizada em conjunto?

Para entender isso, temos que compreender que o sonho de todo showrunner é conseguir “viciar” seu público. Isso é o básico. Nesse sentido, a exibição semanal aumentaria o período que seu “usuário” (mais do que espectador, ele é um usuário ativo) está fidelizado a seu universo.

Todo sinal de mudança provoca pensamentos prós e contras

Recentemente, Gordon Howard, produtor de séries como “Arquivo X”, “Homeland” e “24 Horas”, esteve no RioContentMarket e mostrou-se contrário a esse tipo de comportamento em relação às séries. Ele defende que assistir um episódio por semana dá assunto e encoraja as pessoas a verem TV juntas.

Do ponto de vista do produtor, ele está mais do que certo. Um episódio por semana, rende muito mais para o produtor, além da possibilidade de ações multimídias, alimenta muita mídia, debates. Um público que fica uma semana esperando continua vivenciando seu universo por meses. Os personagens da série, nesse caso, realmente ficam na mente do público. O público assim fidelizado poderá consumir mais coisas do universo, ler revistas sobre ele, livros, spin off, e dependendo do universo comprar bonecos ou outros subprodutos. Além de manter a assinatura mensal de strea­ming por mais tempo.

O problema é que, por contraditório que possa parecer, é mais fácil conseguir um público que te assista em seguida, do que fidelizar alguém a ponto de esperar uma semana por um novo episódio. Acreditar que alguém vai esperar uma semana para ver um novo episódio é uma aposta alta.

Como espectador, a única coisa que importa é se o universo é fascinante o suficiente. Por isso, até hoje vemos séries sendo resgatadas para novas temporadas depois de terem sido canceladas; “24 Horas”, “Arquivo X”, “The Killing” são alguns desses exemplos de que o importante é o universo criado.

Para quem é criador, a temporada lançada em bloco determina que a criação seja de uma obra fechada. A obra fechada é aquela que o criador escreve inteira, a aberta é a que ele vai escrevendo em diálogo com o público (como são as telenovelas e as séries). Qual a melhor? Cada uma tem suas vantagens e desvantagens.

Obras fechadas permitem maior controle autoral, links entre capítulos melhores construídos etc. Por outro lado, obras abertas permitem mais feedback com o público, algo que a TV brasileira é especialista e que todo criador adora saber. Aziz Ansari, criador da série “Master of None” para o Netflix, decidiu adiar a estreia da segunda temporada para poder analisar o que o público achou da primeira temporada. Mas esse retorno foi apenas entre uma temporada e outra. Não entre um episódio e o seguinte.

Hoje, praticamente, toda produção de séries para plataformas de streaming é de obras fechadas. Abre-se, portanto, um espaço para obras abertas, que sejam exibidas semanalmente e criadas toda semana. Isso, é claro, exige um novo modelo de produção. Na verdade, exige o antigo modelo de produção, que mantinha estúdios fixos para gravar semanalmente. A TV aberta brasileira (a Globo, em especial) é onde ainda se fazem obras desse tipo há décadas. Esse know-how pode e deve ser aproveitado. A grande diferença viria da temática e da forma como elas são abordadas. As séries para streaming se diferenciaram pela temática adulta e pela qualidade cinematográfica em relação às novelas e às séries das TVs abertas. Teria que garantir isso. Mas pode ser aberta. Ou seja, há uma brecha para seriados produzidos de forma aberta e com temática adulta e tratamento mais cinematográfico. A Globo já tem investido nesse modelo em suas séries das 23 horas, mesmo sendo obras abertas. Esse é um ótimo caminho para a emissora, na disputa atual pelo mundo digital.

Indo mais além, a interatividade pode ir mais longe. As empresas de strea­ming poderiam criar um canal aberto do público com os produtores, podendo opinar no rumo das histórias. Como os grupos de opinião que a Globo realiza para as suas novelas, mas aqui com um grande diferencial: capacidade para se ouvir um grupo bem maior de espectadores formado pelo seu público-alvo e que estão acostumados e gostam de participar de comunidades e grupos de discussão em torno dessas séries. Exercendo uma futurologia, o Netflix, ou os outros portais como o que a Globo vai lançar, provavelmente, criarão uma espécie de fórum (maneira simplificada de prever a ferramenta a ser criada) para seu público interagir entre si e avaliar as suas séries e poder influenciar nas tramas.

 

Por Newton Cannito e Marcos Takeda, roteiristas

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