Plataformas de distribuição geram novos negócios para o cinema

A distribuição dos filmes brasileiros nas plataformas digitais está cada vez mais interligada com o próprio processo de produção e desde as primeiras negociações entre as produtoras e as distribuidoras. Os direitos de explorar a obra nas salas de cinema e nos ambientes voltados para os vídeos sob demanda (VOD) já entram na pauta inicial e acabam resultando no licenciamento que será efetivado anos depois, quando o filme já estiver pronto. Em alguns casos, a estreia nos cinemas e no VOD acontece simultaneamente, mas a maioria dos longas-metragens ainda segue o intervalo tradicional das janelas, embora esse período esteja cada vez mais curto. A Revista de CINEMA conversou com alguns produtores e distribuidores para saber a direção que eles estão tomando em meio a tantas transformações.

As primeiras experiências

A O2 Play, braço de distribuição da produtora O2 Filmes, foi criada em 2013 e, desde então, trabalha com as plataformas digitais no lançamento de seus filmes. Naquele mesmo ano, “Cidade Cinza”, de Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, foi a primeira estreia da distribuidora nos cinemas e, logo depois, também no iTunes. No ano seguinte, o passo foi maior, com o projeto transmídia “Latitudes”, de Felipe Braga, e a estreia simultânea, nas salas e em VOD, do filme “Junho – O Mês que Abalou o Brasil”, de João Wainer, sobre as manifestações que ocuparam as ruas de todo o país.

“A experiência de fazer um day-and-date com o documentário foi muito interessante. O filme foi captado em junho de 2013 e lançado em junho de 2014, muito rápido do ponto de vista de produção”, analisa Igor Kupstas, diretor da O2 Play. A estreia concomitante de “Junho” permitiu que o longa-metragem chegasse não apenas aos cinemas das principais capitais, mas também a todas as cidades brasileiras e a mais de 90 países pelo iTunes, com legendas em inglês, espanhol, alemão e francês. As vendas para o exterior, inclusive, foram bem significativas. Segundo Kupstas, um terço do resultado do filme no digital veio de fora do Brasil.

Igor Kupstas (O2 Play): a distribuição digital permitiu alcançar as principais capitais brasileiras e o mercado internacional ao mesmo tempo

Em 2016, a distribuidora segue ampliando o seu catálogo e linhas de atuação. Além de ser uma agregadora do iTunes, entregando os filmes codificados para ficarem acessíveis na plataforma, a O2 Play inaugurou, em abril, o serviço especializado de curadoria, realizada pelo cineasta Fernando Meirelles, apostando na indicação dele para o melhor conteúdo disponível aos usuários. Outra frente nova da empresa são os selos de diretores nacionais no iTunes. O primeiro deles foi sobre a obra de Ugo Giorgetti, com um catálogo de 12 filmes, incluindo o mais recente “Uma Noite em Sampa”, que saiu há poucos meses das salas de cinema. Para este mês de setembro, está previsto o lançamento dos filmes de Toni Venturi, na mesma plataforma, e, mais adiante, a ideia é estender o projeto a diretores estreantes.

Neste ano, o iTunes também ganhou uma nova agregadora brasileira de conteúdo: a Elo Company. Distribuidora de filmes brasileiros e internacionais nas salas de cinema e em outras mídias, a empresa aposta no VOD há muitos anos e vem crescendo nessa disputa pelo espaço digital. Com a distribuição internacional de “O Menino e o Mundo” – animação que ganhou o principal prêmio do Festival de Annecy e foi indicado ao Oscar de Melhor Animação –, a Elo se confirmou como mais uma empresa importante nesse mercado e acredita no VOD como uma janela decisiva para os filmes brasileiros.

“O consumidor brasileiro realmente utiliza as mídias digitais. Além disso, a regulamentação deverá trazer maior segurança jurídica aos players e a entrada de novas empresas no país. Acredito que haverá uma enorme demanda de conteúdo nacional em VOD nos próximos anos, assim como ocorreu com a TV paga após a lei. A demanda será de volume de licenciamento e por obras originais”, aposta Sabrina Nudeliman Wagon, diretora executiva da Elo Company.

Novos modelos de negócios com a produção

Por enquanto, o lançamento de documentários em VOD são mais lucrativos quando comparados ao lançamento dos filmes de ficção, mas ainda “depende do perfil do filme”. E a estreia simultânea ainda não está nos planos imediatos de Sabrina. “Há, sim, uma diminuição de intervalo e a possibilidade de pré-venda em VOD quase simultaneamente ao cinema. Mas, em relação ao simultâneo, a própria Netflix teve dificuldades com este modelo”, compara ela.

O diretor presidente da distribuidora H2O, Sandro Rodrigues, aposta mais alto. Pela sua perspectiva, já em 2017, haverá um crescimento expressivo de estreias de filmes nacionais em salas de cinema e, ao mesmo tempo, em VOD. Ou até mesmo diretamente nas plataformas, principalmente, para os filmes de pequeno orçamento, que ele considera como “de nicho”. “Nós estamos nos planejando para isso e acho que vai mudar o mercado como um todo”, diz Rodrigues. Com isso, o catálogo de filmes nacionais também poderá ser maior na H2O a partir do próximo ano.

Sandro Rodrigues (H2O): a expectativa é que haverá um crescimento de estreia de filmes nacionais por VOD, em 2017

“O lançamento em VOD, principalmente de documentários, diminui muito o risco. A gente consegue lançar filmes que antes não eram possíveis, porque o P&A [custos com a produção de cópias e materiais promocionais e de propaganda] acaba sendo muito menor”. Para filmes de grande orçamento, o cenário continuará no perfil mais tradicional, segundo Rodrigues. Como o investimento em blockbusters é muito maior, ainda é “fundamental o lançamento nas salas de cinema” e o desempenho desses filmes na tela grande também continuará decisivo para o sucesso ou o fracasso nas vendas transacionais nas plataformas, como no iTunes, Google Play, Net Now.

A H2O surgiu em 2012 e, desde então, diversifica o seu catálogo nacional com filmes de todos os tamanhos. O mais recente é a comédia “Vai que Cola”, dirigido por César Rodrigues e estrelado por Paulo Gustavo. Nos cinemas, o filme vendeu 3.307.837 de ingressos, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine). Também em 2015, a distribuidora lançou o documentário “Cássia Eller”, de Paulo Henrique Fontenelle, que levou 75.133 pessoas aos cinemas, o que é um ótimo público quando comparado a outros filmes de ficção e documentário também lançados no circuito, inclusive pela própria H2O: “Hoje” (2014), de Tata Amaral e estrelado por Denise Fraga e César Trancoso, teve 7.525 espectadores.

“‘Cássia Eller’ também foi muito bem no VOD. O que só comprova que os filmes de nicho, menores, são os que acabam tendo um rendimento maior nas plataformas, que tem uma cauda longa e onde nós encontramos o público”, diz Rodrigues.

Lucrativo para os produtores

Rodrigo Letier, da produtora TV Zero, concorda com Rodrigues e reforça a importância do VOD para o escoamento dos seus filmes, principalmente os menores. O primeiro caso de sucesso e que chamou a atenção da produtora para o rendimento nas plataformas foi de “Serra Pelada – A Lenda da Montanha de Ouro”, documentário de Victor Lopes. O filme estreou nas salas de cinema quando a série da TV Globo, “Serra Pelada”, adaptada do filme de Heitor Dhalia, estava justamente sendo exibida. “O documentário ficou pouquinho no cinema e logo depois entrou no Canal Brasil, no Net Now e no iTunes. Foi um baita sucesso, vendeu muito e a gente ganhou um bom dinheiro. Havia um interesse das pessoas que estavam vendo a ficção na TV Globo e elas começaram a se interessar também pelo nosso filme. Percebemos que o VOD era um nicho interessante para circular os nossos filmes”, relata Letier.

Para os filmes menores, especialmente documentários, a própria TV Zero acaba disponibilizando nas plataformas, inclusive no seu próprio site. Mas quando o filme é maior e tem uma distribuidora grande atuando em conjunto, o processo é mais tradicional. Em meados de agosto, o longa de ficção “Nise – O Coração da Loucura”, de Roberto Berliner, ainda estava em cartaz em raras sessões nos cinemas de São Paulo, mas também já estava disponibilizado no iTunes, Google Play e Net Now, e acabou aproveitando o boca-a-boca positivo do filme para conquistar esse novo público.

Para o produtor, a receita em plataformas transacionais (TVOD) acaba sendo a última que sobra, assim como ocorre no cinema, depois de pagar a porcentagem de todos os agentes envolvidos. Ou seja, a cada venda ou aluguel do filme, o valor é dividido entre a plataforma, o distribuidor e o produtor. Quanto mais plataformas o filme estiver disponível, simultaneamente, melhor para o produtor. No caso de plataformas por assinatura, conhecidas como SVOD, a exemplo do Netflix, o valor de pré-venda é fixo e concede o direito de exibição para a empresa em um determinado período e território de exploração.

No futuro, Letier não descarta lançar documentários e longas de ficção diretamente em VOD. “Sempre pensamos no VOD com carinho e continuaremos pensando. É um dos lugares que, dependendo do filme, é onde é mais visto”.

Paula Cosenza (Bossa Nova Films): afirma que o VOD vem somar com as receitas das salas de cinema

A produtora Paula Cosenza, da Bossa Nova Films, também é entusiasta das plataformas digitais, mas não vê uma transformação tão radical do mercado. “Muitas vezes, você tem melhores números no VOD do que com o cinema”, conta ela, porém não é uma regra e “depende do conteúdo”.

“Tem pessoas que vão ao cinema e tem pessoas que não vão. Um filme sempre pode ser visto numa sala de cinema. É como se fossem públicos diferentes, não quer dizer que aquele filme vai para o VOD porque ele não é bom para o cinema. É o público que varia, não é o filme”. Para Paula, o aconselhável é que o intervalo entre as janelas seja encurtado, mas não que um vá substituir o outro, ou que a produtora abrirá mão de lançar os filmes nas salas. Até porque um gera o burburinho para o outro.

“Você não precisa necessariamente recuperar o P&A do distribuidor só no cinema, você recupera em todas as janelas. O VOD soma e, definitivamente, é uma receita bastante importante para nós também. É uma das maiores receitas dentre as várias janelas do filme”, conclui ela.

 

Por Belisa Figueiró

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