“Antes do Fim” é o vencedor do Festival Aruanda

Por Maria do Rosário Caetano, de João Pessoa (PB)

Júri Oficial, Crítica e Público não coincidiram em suas escolhas na noite de premiação da 12ª edição do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, que entregou seus troféus na noite desta quarta-feira, 6 de dezembro. O júri oficial escolheu o longa paulistano “Antes do Fim”, ficção de Cristiano Burlan, que tem Helena Ignez e Jean-Claude Bernardet como seus protagonistas. A Crítica (Juri Abraccine) preferiu o baiano “Abaixo a Gravidade”, de Edgard Navarro. E o público elegeu “Legalize Já”, de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, sobre a amizade entre Marcelo D2 e Skunk, criadores da banda Planet Hemp.

Na competição de curtas-metragens, a coincidência também não se explicitou de forma plena, como ano passado, quando o curta “Quando Parei de me Preocupar com Canalhas”, de Tiago Vieira, fez a tríplice coroa (foi o escolhido pelos três júris). O júri oficial elegeu o curta carioca “Inocentes”, de Douglas Soares, como o melhor deste ano. A Crítica e o Júri Popular escolheram “Atrito”, do paraibano Diego Lima.

O público presente à maior e mais moderna sala do Complexo Cinépolis Manaíra assistiu, antes da entrega do prêmios, ao longa “Quase Memória”, de Ruy Guerra, o grande homenageado do festival e da noite de encerramento. Para entregar a ele um Troféu Aruanda especial, o fotógrafo e cineasta Walter Carvalho deixou temporariamente o sertão paraibano (Cabaceiras e Lajedo do Pai Mateus) e as gravações de “Onde Nascem os Fortes”, série global de 53 capítulos escrita por George Moura (com estreia prevista para abril).

Walter, responsável pela fotografia de “Veneno da Madrugada”, penúltimo longa de Ruy Guerra, pediu que todas as luzes do imenso cinema fossem apagadas. E entregou o Troféu Aruanda ao cineasta moçambicano-brasileiro na mais completa escuridão. Quando as luzes se acenderam, os dois estavam abraçados e emocionados. O público aplaudiu com vigor.

A entrega de troféus Aruanda começou pela categoria TV Universitária. Os vencedores foram “O Amor Tem Gênero?”, de Flávia Martelli, da TV Unaerp, de Ribeirão Preto, “Tela Rural – Castelo Sítio Novo”, de Érica Lima (TV Universitária do Rio Grande do Norte) e “Programa 3X4″, de um coletivo da TV USP de Bauru-São Paulo.

Entre os curtas, o filme mais premiado foi o paraibano “Atrito”, que somou cinco troféus. Ancorado em dois atores paraibanos (ambos premiados) o filme registra difícil relação entre mãe e filho. Mas o grande vencedor foi “Inocentes”, que recria, com inserção de fotos originais, o olhar homoerótico do fotógrafo Alair Gomes (1921-1992). O júri popular escolheu um filme perturbador: “Deus”, de Vinícius Silva, ambientado em periferia paulistana. Trata-se de documentário observacional. Roseli, uma mulher negra, cria sozinha o filho de seis anos. Um verso do rapper Emicida (“Deus é uma mulher preta”) justifica o sintético título.

O melhor filme da competição de curtas ficou sem nenhum Troféu Aruanda: “Abissal”, do cearense Arthur Leite. Tudo indica que o júri oficial deixou esta produção de lado para não incorrer em redundância. Afinal, “Abissal” venceu, ano passado, o Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade e o Prêmio da Academia Brasileira de Cinema (Troféu Grande Otelo).

Havia oito concorrentes aos prêmios na categoria longa-metragem. O mais premiado da noite foi “Legalize Já!”, produção que mobilizou a segunda maior plateia do festival. A primeira foi mobilizada pelo terror paraibano “Nó do Diabo”, que abarrotou a sala. Havia espectadores sentados em todos os degraus das escadas.

O filme de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, que registra o nascimento da banda de rap rock Planet Hemp, somou cinco prêmios. E derrotou, na escolha do Júri Popular, a prata da casa (“Nó do Diabo”, longa em cinco episódios, nascido como série de TV). “Legalize Já” somou ainda prêmios importantes como melhor ator (Renato Góes, que interpreta Marcelo D2), roteiro, fotografia e figurino. Mas o grande vencedor foi uma poética ficção em preto e branco, dirigida por um ousado documentarista (Cristiano Burlan, de “Mataram meu Irmão”), feita de riscos e improvisações e protagonizada por Helena Ignez e pelo polivalente Jean-Claude Bernardet, coadjuvados por Henrique Zanoni e Ana Carolina Marinho. Jean e Helena (os atores carregam, no filme, os próprios prenomes) vivem juntos. Ele está cansado de sua longa existência e propõe a ela um suicídio a dois. Ela hesita, mas decide ajudá-lo. Mas “Antes do Fim” haverá um grande percurso.

“Abaixo a Gravidade”, o inquieto e perturbador longa-metragem de Edgard Navarro, poderia ter levado o Aruanda de melhor filme. Só foi escolhido pela Crítica. O júri oficial reconheceu sua direção de arte e atribuiu prêmio especial (e póstumo) a Ramón Vane, ator e advogado baiano, um figuraça. Vane morreu em janeiro último, aos 57 anos. O público do festival pensou que ele era um mendigo real, jamais um ator. Afinal, seu personagem, Galego, um atrevido morador das ruas de Salvador, consumidor de crack e desbocado, é composto com tamanha entrega e loucura, que em nós se instala a dúvida: trata-se de um ator possuído ou de um mendigo tirado de seu habitat para aparecer na tela?

Edgard Navarro lembrou, no movimentado debate de seu terceiro longa-metragem, que “Ramón Vane conquistou o Troféu Candango no Festival de Brasília, poucos anos atrás, por outro papel, o do louco “Prá Frente Brasil”, de “O Homem que Não Dormia”. E acrescentou: “Vane era ator dos melhores e viscerais, também advogado que deixava as drogas e as loucuras, prendia os longos cabelos num rabo de cavalo, colocava uma gravata e ia ao fórum exercer seu ofício de defensor público”. E mais: “Vane me foi recomendado pela atriz Rita Santana, que trabalhara com ele em grupo teatral de Ilhéus. Ela me disse que eu devia testá-lo para o papel do ‘Prá Frente Brasil’. Ao vê-lo, nem precisei fazer teste, senti na hora que era o personagem por mim imaginado”.

O diretor de “Superoutro” lembrou que Ramón Vane tinha os dentes podres e a aparência perfeita de homem que não dormia. A equipe do filme sugeriu que ele arrancasse os dentes e colocasse uma prótese. O que ele fez. Para interpretar Galego, retirou a prótese (dos dentes frontais). Seu trabalho é mediúnico e Vane arrebata em dois momentos muito especiais. Quando enfrenta Bené, o protagonista interpretado por Everaldo Pontes, e, depois, quando confronta um jovem negro e morador de rua, tão atrevido quanto ele. Um filme que merecia maior reconhecimento do juri oficial.

O poético e intimista “Pela Janela”, de Caroline Leone, parceria brasileiro-argentina, fora injustamente ignorado em Gramado. No Fest Aruanda, recebeu os três prêmios que sua realizadora, conforme afirmou em seu agradecimento, mais esperava: o de melhor atriz para Magali Biff, o de melhor ator para Cacá Amaral e o de melhor som (para o argentino Martin Grignaschi).

“Magali Biff e Cacá Amaral são atores exuberantes”, explicou Caroline, mas “eu cobrei deles interpretação contida. Eles foram maravilhosos. Estou feliz com este reconhecimento”. Sobre o melhor som, ela esclareceu: “há quem pense que o som do filme foi todo captado de forma documental, mas não. Martin fez um excelente trabalho criando sons ficcionais”.

O belo documentário sobre o poeta e compositor Torquato Neto recebeu três prêmios: um especial do Júri, montagem e trilha sonora (esta para Torquato Neto, portanto, póstumo). Que as composições do artista piauiense (em parceria com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo etc.) são maravilhosas, ninguém há de negar. Mas dar ao filme o prêmio de trilha sonora é um equívoco. A dupla de realizadores Eduardo Ades e Marcus Fernando, que percorre a trajetória de Torquato até o suicídio (aos 28 anos) com ricas imagens de 43 filmes brasileiros, esbanjou simpatia e inteligência ao receber os troféus Aruanda. Avisaram que o prêmio de trilha sonora seguiria para o memorial de Torquato Neto, em Teresina, e o de montagem iria para as mãos de João Felipe Freitas. Quando receberam o prêmio especial (de melhor documentário ) avisaram felizes: “este é nosso!”.

Só dois longas — os instigantes “Açúcar”, ficção dos pernambucanos Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, e o documentário “Callado”, da carioca Emília Silveira, não foram premiados.

Confira a lista dos vencedores do festival:

LONGA-METRAGEM

. Antes do Fim (SP) – melhor filme, direção (Cristiano Burlan)
. Legalize Já (SP-RJ) – melhor filme pelo júri popular, ator (Renato Góes), roteiro (Felipe Braga), fotografia (Pedro Cardillo), figurino (Joana Ribas)
. Abaixo a Gravidade (BA) – Prêmio da Crítica-Abraccine, direção de arte (Moacyr Gramacho), prêmio especial e póstumo ao ator Ramón Vane
. Pela Janela (SP) – melhor atriz (Magali Biff), ator coadjuvante (Cacá Amaral) e som (Martin Grignaschi)
. Torquato Neto, Todas as Horas do Fim (RJ) – Prêmio Especial de melhor documentário, montagem (João Felipe Freitas), trilha sonora (Torquato Neto, in memoriam)
. Nó do Diabo (PB) – melhor atriz coadjuvante (Isabel Zua), Prêmio Especial “iniciativa dramatúrgica na área do cinema de gênero”

CURTA-METRAGEM

. Inocentes (RJ) – melhor filme, fotografia Guilherme Tostes), trilha sonora
. Atrito (PB) – melhor curta paraibano, Prêmio da Crítica-Abraccine, diretor (DiegoLima), atriz (Susy Borges), ator (Felipe Espíndola)
. Deus (SP) – melhor filme pelo júri popular
. A Rua das Casas Surdas (RS) – melhor roteiro (Flávia Costa e Gabriel Mayer) direção de arte (Victor Flagg).
. Brado Retumbante (SE) – melhor montagem (Gustavo Palma)
. Tentei (PR) – melhor som (Débora Opolski)
. Escolhas (RJ) – melhor figurino
. Peleja no Sertão – Prêmio especial – Animação

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