Prêmios Platino consagra “Uma Mulher Fantástica”

Por Maria do Rosário Caetano, de Riviera Maia (México)

 

O filme chileno “Uma Mulher Fantástica”, protagonizado pela atriz e cantora lírica transexual, Daniela Vega, deu ao cineasta Sebastián Lélio, num prazo de cinco anos, a condição de duas vezes vencedor dos Prêmios Platino. Em 2014, ele venceu, no Panamá, a primeira edição dos prêmios dedicados aos melhores do cinema ibero-americano, com o feminino “Glória”.

“Uma Mulher Fantástica”, que em março último conquistou o Oscar de melhor produção estrangeira, ganhou ainda os troféus de melhor direção, atriz (Daniela Vega), roteiro (de Sebastián Lélio e Gonzalo Maza) e montagem (Soledad Salfate). O presidente da Academia de Cinema de Hollywood, John Bailey, assistiu à premiação, realizada no México, num belo complexo turístico situado na Riviera Maya. A Academia que atribui o Asian Pacific Screen Awards também marcou presença. Os ibero-americanos responsáveis pelo Platino querem porque querem encontrar novos parceiros para nossas produções audiovisuais.

O segundo filme mais premiado da caliente noche na Riviera Maya foi “Zama”, que conquistou três láureas técnicas: melhor fotografia para o português Rui Poças, som (Guido Berenblum) e direção de arte, para a pernambucana Renata Pinheiro. Também cineasta, Renata (“Amor, Plástico e Barulho”, “Açúcar”) iniciou seu discurso em espanhol, mas fez questão de conclui-lo em português, para lembrar que no mundo ibero-americano são falados outros idiomas e, de punho erguido e com emoção, bradar “Lula Livre”.

Mas o espaço da língua portuguesa na festa seria mínimo e a noite estava propícia à hegemonia chilena. O ator Alfredo Castro, de papéis memoráveis em filmes de Pablo Larraín, derrotou com um trabalho menor (em “Los Perros”) dois franco-favoritos, o cubano Jorge Martínez, que interpreta um homossexual aidético em “Últimos Dias em Havana”, do mestre Fernando Pérez, e o mexicano Daniel Giménez Cacho, o “Zama” de Lucrécia Martel.

Os prêmios principais foram mesmo para o Chile, mas a Espanha — onde estão sediadas a Egeda e Fipca, instituições audiovisuais promotoras dos Prêmios Platino — não fez feio. Ganhou o prêmio ópera prima (melhor filme de diretor estreante), com o encantador “Verão de 93”, de Carla Simón, o Educacão em Valores, de recorte humanista, com “Handia”, de Aitor Arregi e Jon Gaaño, a melhor série de TV, com “El Ministērio del Tiempo”, e o troféu de melhor atriz de série (Blanca Suárez, por “A Telefonista”). A Espanha conquistou, ainda, o Platino de melhor documentário com “Muitos Filhos, um Macaco e um Castelo”, de Gustavo Salmerón. Este filme tinha no chileno “O Pacto de Adriana”, de Lisette Orozco, vencedor da Mostra Internacional de São Paulo, um forte concorrente. Mas ninguém há de negar qualidades e originalidade ao documentário vencedor, que consumiu conturbados, mas divertidos, 14 anos de vida da família Salmerón. Na categoria animação, na qual o Brasil tinha dois representantes (“História Atrás da História”, do campineiro Wilson Lazaretti, e “Lino, uma Aventura de Sete Vidas”, do paulistano Rafael Ribas), também deu Espanha na cabeça (com “As Aventuras de Tadeo 2”, lançado em 40 países, inclusive no Brasil).

A Argentina, que vinha brilhando em todas as edições do Platino, teve desempenho modesto. O épico existencial de Lucrécia Martel só ganhou prêmios técnicos. “A Cordilheira”, um ‘Darin movie’ (o ator é secundado por astros latino-americanos) só emplacou a melhor trilha sonora (de Alberto Iglesias). O ator Júlio Chávez (pela série “El Maestro”) derrotou o brasileiro Júlio Andrade (de “Um Contra Todos”, de Breno Silveira).

O Platino de Honor, pelo conjunto da obra, foi entregue à atriz mexicana Adriana Barraza, de “Amores Perros” e “Babel”, ambos dirigidos por Alejandro Gonzalez Iñarritu. Ela foi aplaudida de pé pelo imenso público que lotava o anfiteatro do complexo cultural Gran Tlachco Xcaret e pronunciou discurso emocionado. Lembrou que, além de atriz de cinema, teatro e TV, recebia o Platino por sua “função de mestra de novas gerações de atores”. E, “sendo professora, não poderia deixar de lembrar os três estudantes de cinema”, que confundidos com traficantes de gangue rival, foram assasinados e tiveram seus corpos incineradas, em Guadalajara, há poucas semanas. Barraza pediu que seu “amado país, o México”, não permita a repetição de casos tão trágicos quanto o dos 43 normalistas, ocorridos poucos anos atrás, e agora a morte dos estudantes de cinema. “Estudantes que, em breve, poderiam estar concorrendo, com seus filmes, aos Prêmios Platino”.

A presença do Brasil e de Portugal foi realmente muito pequena na festa, que a Riviera Maya mexicana organizou com requinte, alegria e algum exotismo. A banda Maná foi a principal das atrações musicais e fez a plateia cantar com entusiasmo seus maiores sucessos. Portugal marcou presença com o ator Joaquim de Almeida, que entregou prêmio, e com Rui Poças, o melhor fotógrafo (como ele está trabalhando, fez-se representar pela produtora brasileira Vânia Catani). O Brasil foi lembrado com imagens de poucos de nossos filmes que chegaram à condição de finalistas, com uma série de fotos de Sebastião Salgado, que introduziu a categoria “melhor documentário”, e com a presença de Renata Pinheiro no palco para receber o seu Platino.

Na festa de confraternização que se seguiu à cerimônia de premiação, o presidente em exercício da Academia Brasileira de Cinema, Jorge Peregrino, mostrou otimismo para as futuras edições do Platino. “O caminho” — apontou — “são as coproduções com países ibérico-americanos”. Afinal, arrematou, “onde acertamos? Na parceria com a Argentina na produção de Zama”.

Steve Solot, que foi representante da Motion Pictures no Brasil, e hoje dirige a Latin American Trade Center e a Rio Film Comission, lamentou a pequena participação de nossos filmes e séries na competição. Nos bastidores, duas ausências brasileiras se fizeram notar: a da ficção “Gabriel e a Montanha”, de Felippe Barbosa, e o documentário “No Intenso Agora”, ambos com forte apelo internacional. Solot lamentou, também, a ausência de músicos brasileiros entre as atrações sonoras da noite festiva. Ele soube que houve entendimentos para trazer Anitta à festa dos Platinos. Mas a operação não se materializou. No palco, Renata Pinheiro lembrou que, em todos os dias de sua estada na Riviera Maya, ouviu música brasileira nos ambientes que frequentou. E concluiu que, com algum esforço, hispano-hablantes e luso-falantes se entendem muito bem.

O cinema ibero-americano abrirá em breve o Festival de Cannes com filme (“Todos lo Saben”) protagonizado por três dos maiores astros de fala castelhana (Javier Bardem, Penelope Cruz e Ricardo Darín). Rodado na Espanha e falado em espanhol e inglês, o filme é uma produção espanhola, em parceria com França e Itália. E tem direção do iraniano Asghar Farhadi. O Brasil, país de dimensões continentais, segue isolado até de seus vizinhos mais próximos e de fala castelhana. Conseguirá, algum dia, sair de seu isolamento e aprofundar, para valer, suas relações com o mundo ibérico? Eis a questão. Por enquanto, foram realizadas apenas cinco edições do Platino. O Brasil não se ofereceu para sediar nenhuma delas.

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