Beth Formaggini vence o Festival de Vitória

Dois nomes femininos triunfaram na 25ª edição do Festival de Vitória do Cinema Brasileiro. A carioca Beth Formaggini venceu a competição na categoria longa-metragem, com o documentário “Pastor Cláudio”, e a paulistana Jéssica Queiroz, na categoria curta, com “Peripatético”. Apenas três outros prêmios foram atribuídos pelo júri oficial de longa-metragem: melhor ator para Markus Konka, por “A Mata Virgem”, e melhor diretor (para Otto Guerra) e roteiro (para Rodrigo John, Laerte Coutinho, Thomas Créus e Otto Guerra), pela animação gaúcha “A Cidade dos Piratas”, inspirada nos quadrinhos “Piratas do Tietê”.

Na categoria curta-metragem, além de “Peripatético”, foram premiados “BR3”, de Bruno Ribeiro (Prêmio Especial do júri), “Esperando Sábado”, de Érica Sansil (melhor direção), “Vaca Profana” (melhor roteiro, de Gabriela Amaral Almeida), “Alma Bandida” (Contribuição Artística) e “Estamos Todos Aqui” (melhor atriz para a transexual Rosa Luz). O júri popular escolheu “Braços Vazios”, de Daiana Rocha.

Os dois grandes vencedores do Festival de Vitória são filmes de alta carga política. Jéssica Queiroz, realizadora negra, oriunda da periferia de São Paulo, constrói densa narrativa inspirada em fatos reais. No pano de fundo, os ataques do PCC (a facção Primeiro Comando da Capital) a postos policiais, em maio de 2006, que resultaram em violenta repressão.

Na linha de frente de “Peripatético”, estão três jovens: Simone, que procura o primeiro emprego, Thiana, que luta por uma vaga no curso de Medicina, e Michel, que ainda não tem clareza sobre que rumo dar à sua vida. Enquanto eles conversam sobre suas pequenas existências, o movimento Mães de Maio, fonte de inspiração do filme, reage à violência que recaíra sobre inúmeros jovens (muitos deles inocentes), assassinados durante o conflito. O filme ganhou o Troféu Candango de melhor roteiro no Festival de Brasília, no ano passado.

“Pastor Cláudio”, o longa documental de Beth Formaggini, dura apenas 76 minutos e retoma tema de seu mais conhecido e premiado curta-metragem, “Uma Família Ilustre” (2015), vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (atribuído pela Academia Brasileira de Cinema) e melhor curta documental no Festival de Cine Lanzarote, na Espanha.

No filme premiado no festival capixaba, a cineasta coloca em cena dois personagens reais. O principal é o Pastor Cláudio, face contemporânea do ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) Cláudio Guerra. Depois de participar da máquina repressiva da Ditadura Militar (1964 a 1984), torturando, matando e incinerando corpos de presos políticos, Guerra buscou a paz numa igreja evangélica e fez-se pastor. Resolveu contar o que se passou nas entranhas do aparelho repressivo do Estado, sem atenuar seus próprios crimes. Para entrevistar o ex-torturador, Beth convocou o psicólogo e defensor dos Direitos Humanos Eduardo Passos, que dirige perguntas ao convertido. Tudo é feito sobre fundo escuro e imagens de época são projetadas num telão.

O ex-torturador, e agora bispo evangélico, aparece também em “Missão 113”, do cineasta Sílvio Da-Rin, longa documental que registra episódio histórico que apavorou o país no começo dos anos 1980: o atentado do RioCentro, planejado por militares (da linha dura) para matar participantes de show de música popular, protagonizado por astros da MPB, entre eles Chico Buarque. Uma das bombas, porém, explodiu no colo de um dos militares-planejadores, num carro Puma, matando-o e ferindo seu colega.

Antes de realizar “Pastor Cláudio”, Beth Formaggini dirigiu mais dois longas-metragens (ambos documentais) “Memória para Uso Diário” (2007), coproduzido pela 4Ventos e Grupo Tortura Nunca Mais, e premiado pelo júri popular do Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, e “Xingu Cariri Caruaru Carioca” (2015), eleito o melhor filme do 8º Festival In-Edit Brasil e no 10º Encontro Nacional de Cinema e Vídeo dos Sertões.

A trajetória da cineasta mineira (nascida em Montes Claros, em 1952, e radicada no Rio de Janeiro, desde 1956), é marcada por múltiplas funções: pesquisadora (atualmente, ela investiga a trajetória do ator Grande Otelo para o filme “Otelo, o Grande”, de Lucas H. Rossi), diretora de produção, produtora-executiva, curadora de exposições e mostras de filmes. Beth formou-se em História, na Universidade Federal Fluminense (UFF), integrou a equipe do Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac-RJ) e fez especialização em “Documentário e Pesquisa Audiovisual”, na Universidade de Roma – La Sapienza.

A 4Ventos, sua produtora audiovisual, soma quase uma centena de trabalhos. Foi produtora-executiva e/ou pesquisadora em três filmes de Eduardo Coutinho (“Peões”, “Edifício Master” e “Babilônia 2000”). Realizou o média-metragem “Apartamento 608 – Coutinho.doc” (2009), sobre o diretor de “Cabra Marcado para Morrer”. Atuou, também, como diretora de produção ou produtora-executiva, em projetos dirigidos por Mário Carneiro (“Joaquim.doc”, sobre Joaquim Pedro de Andrade), Paulo Cezar Saraceni (“Garrincha Uccellino di Dio”, para a RAI), Vincent Carelli (série Vídeo nas Aldeias: “Índios no Brasil”), Sílvio Da-Rin (“Paralelo 10”), Geraldo Sarno (série “A Linguagem do Cinema”) e Ricardo Miranda (“Paixão e Virtude”, “Djalioh” e “Etnografia da Amizade”).

Como diretora, Beth Formaggini assina mais de uma dezena de curtas e médias-metragens. Além do mais premiado deles (“Uma Família Ilustre”), há que se registrar “Angeli 24 Horas” (2010), “Cidades Invisíveis” (2009), “Nós Somos um Poema (2008), “Nobreza Popular” (2003), “Cidadania Ambiental” (2002) e “Conservar para Ser” (2002).

A cineasta mineiro-carioca orgulha-se de ter dirigido, com Luís Felipe Sá, para o Canal Brasil, o documentário “Walter.doc- O Tempo é Sempre Presente” (2000). Preocupada com os Direitos Humanos e com a luta contra a desigualdade, ela realizou série de quatro filmes (“Vida de Criança”/1998) para o Canal Futura, e o média-metragem “Pontos de Vista” (1995) com concepção de Walter Lima Jr., exibido pela TV Manchete.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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