Erlon Chaves retorna em documentário envenenado

Na Semana da Consciência Negra, nada mais apropriado que a exibição, pelo Canal Curta!, do longa documental sobre o pianista, maestro e compositor Erlon Chaves (1933-1974). Haverá várias sessões. Nesta terça-feira, dia 20 de novembro, o filme será mostrado às 16h35. Amanhã, dia 21, às 10h35, no sábado (24), 22h00, e no domingo (25), 11h00. Em dezembro, haverá outras exibições.

O astro negro, que andava esquecido pelos brasileiros, tem sua história recuperada pelo cineasta Alessandro Gamo, no filme “Erlon Chaves, o Maestro do Veneno”, cheio de bossa e suingue. O pianista-maestro, que morreu antes de completar 41 anos, colocou, durante o V FIC – Festival Internacional da Canção/1970, um Maracanãzinho inteiro e lotado, para cantar com ele e sua Banda Veneno, um dos maiores hits do sambalanço, “Eu Também Quero Mocotó”.

Erlon Vieira Chaves, paulistano que viveu o auge de sua carreira no Rio de Janeiro, era um negão bonito, elegante e excelente músico. Namorou lindas mulheres, sendo Vera Fischer, ex-Miss Brasil e atriz iniciante, a mais notável. E, ao atrever-se a beijar na boca várias mulheres, todas louríssimas, em transmissão ao vivo, pela TV Globo, pagou caro. Os “afrontosos” beijos foram assistidos por milhões de brasileiros (entre eles, o então presidente da República, General Emílio Garrastazzu Médici). Pela ousadia, Erlon foi parar atrás das grades, devidamente conduzido num camburão por agentes da polícia de costumes e outras “transgressões” (a lista era abundante naquele que foi o período mais duro da ditadura militar).

O diretor Alessandro Gamo, professor de cinema na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), consumiu anos em pesquisa e busca de materiais para relembrar a vida do “Maestro Veneno”. Conseguiu imagens formidáveis. Em seu sintético e delicioso documentário, vai direto ao assunto ao abrir sua narrativa com a perseguição racista e moralista ao sambalançante líder dos 40 integrantes da Banda Veneno.

Por sorte, o cineasta não ficou obcecado só pelo trágico momento da prisão de Erlon Chaves. Deu a ela o destaque merecido, mas empenhou-se, especialmente, em resgatar a a hiper-produtiva trajetória do artista, que, embora tenha morrido cedo (vítima de ataque cardíaco e no auge da fama), trabalhou febril e incansavelmente.

Vinte e cinco nomes black white foram mobilizados para relembrar o talento, a ginga e o veneno do pianista-maestro-compositor. O mais destacado, pois trabalharam juntos em diversos momentos, é José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Outro que aparece muito é Flávio Cavalcanti Jr., que também manteve significativa convivência com o astro black is beautiful. Max de Castro, filho de Wilson Simonal, amigo do peito de Erlon Chaves, não podia ficar de fora. E não ficou.

É muita gente falando: Zuza Homem de Mello, Raul de Souza, Alaíde Costa, Eliana Pittman, Wilson das Neves, Zeca do Trombone, Márcia, Laércio de Freitas, Roberto Menescal, Hector Costita, Gerson King Combo, André Midani, Armando Pittigliani, Marco Mazzola, Luis Carlos Maciel, Ivan Conti (Mamão), Zé Carlos, Maestro Georges Henry, Adilson Godoy, Mário Fanucchi, Dj Nuts e Leopoldo Teixeira Leite. Por sorte, o filme não se transforma em cansativa soma de “cabeças falantes”. E por que? Porque os depoimentos são curtos, às vezes celebratórios, mas gostosos de ouvir e fartamente ilustrados (como era multicolorido o Brasil daqueles tempos de movimento hippie, tropicalismo, contracultura e sambalanço!).

E o que contam tantas vozes? Que Erlon Chaves surgiu num tempo em que havia poucos (raros) arranjadores orquestrais no Brasil. E os poucos eram hegemonicamente brancos. Ele foi o primeiro negro a ganhar imenso destaque neste terreno. Uma espécie de “Simonetti black”. Foi, também, garoto prodígio num tempo em que o rádio era um veículo poderoso.

Sua carreira teve início quando ele contava apenas quatro anos (estreou como radioator mirim na Difusora de São Paulo). Trabalhou com Walter Avancini, Luís Carlos Miéle e Hebe Camargo no “Programa Clube do Papai Noel”. Foi incorporado ao cast musical da TV Tupi, Rede Associada, juntando-se ao time de fundadores da TV brasileira (é a atriz, pioneira das pioneiras, Vida Alves, quem confirma a presença do jovem Erlon no time desbravador). Para a emissora do poderoso Chatô, ele criou, em 1951, o jingle “Já é hora de dormir”, em parceria com Mario Fanucchi. O sucesso de tal jingle foi tamanho, que Boni, depois da devida compra de direitos autorais, o utilizou como trilha sonora propagandística dos Cobertores Parahyba. Naqueles anos, Erlon Chaves gravaria os primeiros de seus muitos discos.

Em 1957, com apenas 23 anos, ele assumiu a regência de Orquestra da TV Tupi, e começou a criar arranjos para diversos artistas, tornando-se nome dos mais expressivos e requisitados da indústria fonográfica. Primeiro, fez arranjos para Dóris Monteiro, Noite Ilustrada e Maysa. Depois, já nos anos 1960, para Agostinho dos Santos, Nara Leão, Elis Regina, Geraldo Vandré e Wilson Simonal. Sua amizade com o cantor de “Sá Marina” era tão grande, que há quem insinue que Erlon morreu de desgosto ao ver a tragédia que se abatera sobre o amigo. Simonal, há que se lembrar, foi encarcerado por solicitar a agentes da repressão que dessem um corretivo (ou seja, que espancassem/torturassem) um contador que, supostamente, lhe causara prejuízos financeiros.

Outra amiga e parceira importante de Erlon Chaves foi Elis Regina. Além de criar arranjos para ela, o maestro a acompanhou em turnê pela Europa, cujo ponto culminante teve o Olympia, de Paris como palco.

Foi o suingue de Erlon Chaves que o transformou em um dos arranjadores mais festejados do rádio e da TV brasileiros. Com sua vistosa Banda Veneno, influenciou a música brasileira do samba-jazz ao samba-rock. O maestro (e cantor) participou ativamente da ‘Era dos Festivais’, seja como diretor musical do I Festival Internacional da Canção (para o qual compôs o “Hino dos Festivais”, parceria com Ronaldo Boscoli), seja como intérprete ou arranjador. Compôs, também, trilhas sonoras para 23 filmes e foi um dos precursores do Movimento Black Rio.

Entre as ótimas imagens compiladas por Alessandro Gamo em seu documentário, algumas foram trazidas do filme “É Simonal” (Domingos Oliveira, 1970). Até porque coube ao maestro Erlon Chaves assinar a trilha sonora deste longa-metragem ficcional protagonizado pelo amigo-cantor, então vivendo seus dias de glória e pilantragem.

Filmografia de Alessandro Gamo

2018 – “Erlon Chaves, o Maestro do Veneno” (76’)
2011 – “República” (23’)
2005 – “Descobrindo Waltel” (15’)
2004 – “O Galante Rei da Boca” (52’)
1999 – “O Catedrático do Samba” (23’)

Erlon Chaves, o Maestro do Veneno
Brasil, 76 minutos, 2018
Direção: Alessandro Gamo
Nesta terça-feira, dia 20, 16h35, na quarta (21), 10h35, no sábado (24), 22h00, no domingo (25), 11h00.

Por Maria do Rosário Caetano

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