Aníbal Massaíni promete recolocar “Amor Estranho Amor” na TV e no streaming

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta e produtor Aníbal Massaíni, de 73 anos, vem dedicando tempo integral a duas tarefas. A primeira envolve negociações com emissoras de TV e streaming para recolocar “Amor Estranho Amor”, de Walter Hugo Khouri, em circulação, depois de ausência de quase duas décadas. A segunda tem lhe tomado dias inteiros: finalizar série de doze capítulos (de uma hora cada) sobre a trajetória de seu pai, o produtor Oswaldo Massaíni. O tempo corre, pois no dia 3 de abril de 2020, se vivo fosse, o produtor de “O Pagador de Promessas” (Anselmo Duarte, Palma de Ouro em Cannes de 1962) faria cem anos.

“Amor Estranho Amor” saiu de circulação por razões judiciais. A apresentadora Xuxa Meneghell conseguiu impedir que o décimo-nono longa-metragem de Walter Hugo Khouri (1929-2003) fosse apresentado em vídeo (e depois em DVD), suporte que, da década de 1980 até os dias atuais, garantia a sobrevivência de um filme junto ao público.

Como era apresentadora de programas infantis, Xuxa entendeu como inadequada e incômoda a exibição de “Amor Estranho Amor”, drama histórico de apelo erótico-refinado, no qual interpretava ambiciosa e desejada prestadora de serviços sexuais a frequentadores de bordel de luxo. A trama, ambientada na capital paulista às vésperas do golpe que implantou o Estado Novo getulista (1937), saiu da fértil imaginação do diretor-roteirista.

O que, na verdade, mais incomodou a dona do “Xou da Xuxa” foi sequência em que ela seduzia Hugo (Marcelo Ribeiro), pré-adolescente escondido pela mãe no sótão da sofisticada casa de tolerância. Aparecer num filme como provável “iniciadora de um garoto” nas práticas do sexo fez com que Xuxa Meneghell, ancorada em sua então empresária Marlene Mattos, recorresse à Justiça e vencesse em primeira e segunda instância. O argumento que deu vitória a ela se apegava à ausência, no contrato de trabalho, de cláusula que previsse o lançamento do filme em home-vídeo.

“Nosso filme” – relembra Massaíni – “é uma obra elegante, com roteiro elaborado de Walter Hugo Khouri, grandes atores e que recebeu censura de 14 anos”. Enfático, ele repete, “14 anos”.

O produtor puxa pela memória e lembra que Pelé, seu amigo e tema de seu longa documental “Pelé Eterno”, fez a ponte entre Xuxa Meneghell e a equipe de produção e realização do filme. “Recentemente”, conta, “Xuxa apareceu na mídia culpando Pelé por tê-la levado a atuar neste filme”. O que – assegura – “é uma injustiça, pois temos fotos dela, ao lado do mesmo Pelé, acompanhando, com entusiasmo, a montagem do filme na moviola”. Quando ‘Amor Estranho Amor’ chegou aos cinemas, Xuxa estava feliz com o resultado”. Participou, “inclusive, de gravações do trecho do making off promocional do filme intitulado ‘Nasce uma Estrela’”.

Massaíni, que, além de produtor, é diretor de cinema, faz questão de lembrar que “‘Amor Estranho Amor’ é um longa-metragem que tem em seus créditos atores reconhecidos como Tarcísio Meira, Vera Fischer, Mauro Mendonça e Walter Foster, contando ainda com participações da Traditional Jazz Band, de Rubens Ewald Filho e Jairo Arco e Flexa”. A trilha sonora “é de Rogério Duprat”.

Feita a defesa do drama erótico-sofisticado de Khouri, morto aos 74 anos (se vivo fosse, ele estaria festejando 90 anos), Massaíni lembra que agora está “livre para relançar ‘Amor Estranho Amor’” na TV (aberta e por assinatura) e no streaming. “O acordo de nossa produtora com Xuxa Meneghell se referia ao home-video, que não “estaria explicitado” como mecanismo de ampliação do alcance do filme. Quando o magistrado Luiz Roberto Fux deu ganho de causa à apresentadora, “não nos restou outra solução que estabelecer acordo com ela”. O embargo ao filme “se deu em 15 de abril de 1991, portanto, há 16 anos”. Não exibir o filme na TV aberta deve ter sido cláusula do pacote concertado entre as partes, pois desde 1991, nenhuma emissora exibiu “Amor Estranho Amor”.

“Agora” – comemora Massaíni – “estamos livres para colocar o filme em circulação, pois nosso acordo com Xuxa Meneghell venceu e ela não recorreu no prazo devido”. O produtor cita a data na qual, se continuasse com o propósito de embargar a circulação do filme em novos suportes, os advogados de Xuxa deveriam ter recorrido (outubro de 2018).

A apresentadora, hoje com 56 anos, não vive mais de sua imagem de babá eletrônica de infantes. Esta é a verdade. E, decerto, não teme os riscos representados por um filme que recebeu censura 14 anos e foi lançado normalmente nos cinemas, depois de render à sua protagonista, Vera Fischer, o troféu Candango de melhor atriz (Festival de Brasília de 1982). O Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antônio Leão, registra que o filme foi laureado com o Prêmio Air France de melhor atuação feminina.

O relançamento do filme de Khouri na TV e/ou no streaming só não está no centro das atenções de Aníbal Massaíni, porque ele produz e dirige série de doze horas sobre a carreira cinematográfica do pai. Três anos atrás, ele apresentou, em Gramado, um resumo de quatro horas da série, que soma depoimentos de centenas de profissionais do cinema a rico material visual (trechos de documentários históricos e filmes produzidos ou coproduzidos por Oswaldo Massaíni. E, também, distribuídos pela Cinedistri).

“Chegamos a um total” – contabiliza – “de 62 títulos produzidos ou distribuídos por meu pai, como ‘A Grande Feira’, de Roberto Pires, ‘A Ilha’ e ‘Noite Vazia’, ambos de Khouri, vários títulos baseados em textos literários (‘Anna Terra’, ‘O Anjo Mau’, ‘A Marcha’), filmes de cangaço, comédias de costume, sem esquecer realizações de jovens diretores paulistanos”.

O produtor-realizador tem contado com a ajuda empenhada do cineasta e teledramaturgo Sílvio de Abreu, entre outros profissionais. Mas o material é tão vasto, que conclui-lo em oito meses (até o dia do centenário, em abril) tem tomado horas e horas de trabalho (“diariamente até dez da noite”) na sede da Cinearte, produtora da família Massaíni, localizada no centro de São Paulo (na outrora chamada Boca do Lixo).

Massaíni negocia, também, vitrines para a série dedicada ao produtor e distribuidor paulista que ocupou 44 de seus 74 anos no duplo ofício”. “Se der tudo certo” – avisa – “a série estreia em abril numa emissora aberta e num canal por assinatura”.

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