Brasil marca presença em Veneza

Por Maria do Rosário Caetano

No momento em que está sob fogo cerrado, com risco de desmonte da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual (o mais importante mecanismo de fomento à produção nacional), o cinema brasileiro se fará representar por três filmes – “Wasp Network”, “Babenco” e “A Linha” – em poderosa vitrine planetária, o Festival de Veneza. O evento italiano realiza sua septuagésima-sexta edição de 28 de agosto a 7 de setembro.

O DNA de “Wasp Network”, dirigido pelo francês Olivier Assayas, é brasileiríssimo. O filme nasceu do livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, do escritor mineiro Fernando Morais, tem produção de Rodrigo Teixeira (da RT Features) e num dos principais papeis, Wagner Moura. Ao ator baiano, soma-se estelar time ibero-americano formado com a espanhola Penélope Cruz, o mexicano Gael García Bernal, o venezuelano Edgard Ramírez (o “Carlos” da eletrizante série de Assayas), o chileno Pedro Pascal (parceiro de Wagner em “Narcos”), a cubana Ana de Armas e a porto-riquenha Adria Arjona.

Fernando Morais recebeu a notícia da seleção do filme, que recria seu livro, ao desembarcar no aeroporto de Curitiba, com metáfora arrebatadora: “como um santo de vitral, estou varado de luz”. E prometeu engrossar o time de representantes do filme na festa veneziana. Em tom de brincadeira, avisou: “já estou contando as milhas para ver se chego lá”.

“Os Últimos Soldados da Guerra Fria” se passa em Miami, na Flórida, onde o Governo Fidel Castro infiltrou cinco agentes de inteligência, na década de 1990. Com o fim da União Soviética, Cuba vivia o chamado “período especial”, com a economia devastada. Para obter divisas, estimulou, como nunca fizera, a indústria do turismo.

Cubanos radicados nos EUA e liderados por Jorge Mas Canosa, da FNCA (Fundação Nacional Cubano-Americana), viram o momento ideal para desestabilizar o Governo Fidel. Planejaram e executaram atentados para destruir badalados hotéis e apavorar turistas que visitavam a Ilha. Com esta história, Olivier Assayas construiu seu thriller político. O filme é falado em espanhol e inglês, pois aos protagonistas de “Wasp Network” somam-se atores norte-americanos, como Steve Howard, Michael Vitovich, Brannon Cross e Stephen W. Tenner.

O segundo representante brasileiro é “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, documentário de Bárbara Paz. O longa participará da mostra Veneza Classics, destinada a filmes sobre o cinema e seus realizadores. A atriz, viúva do realizador paulista, nascido na Argentina (1946-2016), pelo que se sabe, fugiu do documentário tradicional e trilhou caminhos do chamado híbrido poético. Para montar o filme, produzido por herdeiros de Babenco e pela Gullane dos irmãos Caio e Fabiano, Bárbara convocou ninguém mais, ninguém menos que Cao Guimarães, devoto do cinema-poesia.

O terceiro título brasileiro é o curta-metragem “A Linha”, de Ricardo Laganaro, dono de produtora de nome dos mais sugestivos: Árvore Experimentações Imersivas. O filme, de 13 minutos, integra a mostra Realidade Virtual.

O produtor Rodrigo Teixeira faz questão de destacar, em suas entrevistas, que a ficção científica “Ad Astra”, de John Gray, com Brad Pitt no elenco, é também um filme brasileiro. Afinal, ele, com sua produtora RT Features é um de seus principais responsáveis. Quem aceitar a nacionalidade do dinheiro, num exame de DNA, como elemento definidor, aceitará a dupla nacionalidade também deste longa-metragem.

A América Hispânica colocou dois nomes de seu start system em Veneza: o colombiano Ciro Guerra, com “À Espera dos Bárbaros”, e o chileno Pablo Larraín, com “Ema”.

Guerra é autor dos poderosos “O Abraço da Serpente”, finalista ao Oscar 2017, e “Pássaros de Verão”, parceria com Cristina Gallegos, filmaço que tem estreia garantida no Brasil, em breve (no próximo dia 22 de agosto, pela Arteplex, de Adhemar Oliveira). Só que o filme do colombiano concorrerá sob bandeira italiana. “À Espera dos Bárbaros” baseia-se em livro homônimo do sul-africano J.M. Coetzee e tem no elenco os astros Johnny Depp e Robert Pattinson.

Já o filme de Larraín reúne elenco 100% hispano-americano. Mariana Di Girolano é Ema, a protagonista. Com ela, atuam Gael García Bernal (que trabalhou com o diretor em “No”, sobre o plebiscito que disse não a Pinochet), Santiago Cabrera (de “Che”) e Catalina Saavedra (do ótimo “A Criada”, de Sebastián Silva).

Entre os nomes de imenso prestígio mundial, Veneza destaca o polaco-francês, de origem judia, Roman Polanski, que chegará ao festival com 86 anos (ele aniversaria em 18 de agosto). O autor de “Repulsa ao Sexo” compete sob bandeira francesa, com “J’Accuse”, história que traumatizou a França no final do século XIX. O filme seria falado em inglês. O cineasta assegurou à imprensa internacional que, se feito em francês, o filme não encontraria produtores. Caso encontrasse, não alcançaria distribuição internacional. Mas, ao escolher o oscarizado Jean Dujardin (“O Artista”) para o papel do General Picquart e Louis Garrel, como o capitão franco-judeu Alfred Dreyfus, somando-os a Mathieu Amalric, Olivier Gourmet e Emmanuelle Seigner, Polanski conseguiu levantar os 22 milhões de euros necessários e filmar na língua dos irmãos Lumière.

A história de “J’Accuse” é conhecida: em janeiro de 1898, o escritor Emile Zola abalou a França ao defender o militar (de origem judaica) Alfred Dreyfus, acusado de “alta traição”. Ele fora condenado pelas Forças Armadas francesas, que lançaram mão de procedimentos suspeitos e marcados pelo antissemitismo. Em forma de carta endereçada ao presidente Félix Faure, o autor de “Germinal” fez história com o libelo “J’Accuse”, publicado na capa do jornal L’Aurore. E dividiu a França entre dreyfusards e antidreyfusards.

Polanski, pelo que se sabe de seu novo filme, realizou um thriller de espionagem, com alta carga social e política (em tempos de intolerância).

Confira os concorrentes do festival:

. “Wasp Network”, de Olivier Assayas (Brasil, França)
. “À Espera da Bárbarie”, de Ciro Guerra (Itália)
. “Ema”, de Pablo Larraín (Chile)
. “A Herdade”, de Tiago Guedes (Portugal)
. “J’Accuse”, de Roman Polanski (França)
. “La Veritée”, de Hirokazu Kore-Eda (Japão)
. “Gloria Mundi”, de Robert Guediguian (França)
. “The Perfect Candidate”, de Haifaa Al-Mansur (Arábia Saudita)
. “Saturday Fiction”, de Lou Ye (China)
. “No. 7 Cherry Lane”, de Yonfan (China)
. “The Painted Bird”, de Vaclav Marhoul (República Tcheca)
. “About Endlessness”, de Roy Andersson (Suécia)
. “Guest of Honour”, de Atom Egoyam (Canadá)
. “Babyteeth”, de Shannon Murphy (Austrália)
. “Martin Eden”, de Pietro Marcello (Itália)
. “La Mafia Non è Piú Quella di Una Volta “, de Franco Maresco (Itália)
. “Ad Astra”, de John Gray (EUA-Brasil)
. “The Laundromat”, de Steven Soderbergh (EUA)
. “Marriage Story”, de Noah Baumach (EUA)
. “Coringa”, de Tood Philips (EUA)

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