Curta Kinoforum comemora 30 anos com homenagem a “Ilha das Flores”

Por Maria do Rosário Caetano

O Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo (Curta Kinoforum) vai comemorar seus 30 anos homenageando o mais festejado dos curtas brasileiros, “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, e instituindo, pela primeira vez, mostra competitiva com 14 filmes brasileiros de curta duração.

Sob a divisa “da película à realidade virtual”, o mais importante festival de curtas do país realizará sua sessão inaugural nesta quinta-feira, 22 de agosto. Em onze salas paulistanas (entre elas as duas da Cinemateca Brasileira, o CineSesc e Espaço Itaú Augusta), o Curta Kinoforum apresentará, até o dia primeiro de setembro, 324 filmes oriundos de 53 países, quatro games, várias masterclasses (uma delas com Jorge Furtado), sessões imersivas (na obra de Tadeu Jungle), homenagens ao cinema de curta duração da Coreia do Sul (representada por filme de Bong Joon-Ho, vencedor de Cannes 2019 com o impactante “Parasita”) e Canadá (com curtas dedicados ao Ano Internacional das Línguas Indígenas).

Haverá, também, ao longo dos onze dias de festival, debates (um deles com representantes dos principais festivais de curta-metragem do mundo) e apresentação de filmes realizados por alunos das famosas Oficinas Kinoforum, que este ano chegam à sua edição de número 18. Estas oficinas, registre-se, são o “xodó” assumido de Zita Carvalhosa, criadora e diretora do festival. Por trabalharem em regiões da periferia (ou com moradores de ruas paulistanas), tais oficinas facilitam no despertar de vocações e na formação de jovens realizadores.

O festival Curta Kinoforum monta, a cada novo ano, programação diversificada e em sintonia com a evolução do curta-metragem, formato propenso à pesquisa de linguagem. Este ano, quando pela primeira vez haverá competição de curtas nacionais, um filme, inédito no Brasil, promete causar furor. Trata-se de “Swinguerra”, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, produzido pela Fundação Bienal de São Paulo para ser mostrado na 58ª Bienal de Veneza.

O festival criou, ainda, mostra, muito da ousada, já que apresentará filmes de narrativa rarefeita, aqueles que podem estar numa galeria de arte ou numa tela de um cinema. O nome deste novo segmento, “Limite”, homenageia o filme de mesmo nome, dirigido no início dos anos 1930, pelo fluminense Mário Peixoto.

Além do coreano Bong Joon-Ho, um dos cineastas em maior evidência nos festivais contemporâneos, o Curta Kinoforum contará com dois nomes badaladíssimos: o ator francês Gérard Depardieu está no elenco de “Rã de Cristal” (Slony Sow). Já o tailandês Apichatpong Weerasethakul se fará representar por “Blue”, uma de suas novas realizações. Apichat é autor de cerca de 50 filmes, a maioria de curta duração. Suas criações – e quem viu “Tio Boonme, que Pode Recordar suas Vidas Passadas”, ganhador da Palma de Ouro em Cannes 2010 – são muito experimentais. Num debate em São Paulo, o crítico francês Michel Ciment, da revista Positif, disse, com todas as letras: “’Tio Boonme’ não é cinema, é instalação plástica”.

A tradicional Mostra Latino-Americana do festival paulistano compõe-se com 24 curtas. Entre eles, destacam-se “Paraíso Falsificado”, do Peru, no qual um turista ocidental fica confuso ao visitar família indígena na floresta amazônica, e “Yun”, do Chile, que gira em torno de adolescente de origem coreana em batalha silenciosa com um pai tradicionalista.

Comandado por mulheres (Zita e seu braço direito, a produtora Beth Sá Freire), o Curta Kinoforum não se esquece dos filmes dirigidos ou sedimentados no protagonismo feminino. Caso de “Lucía no Limbo”, produção belgo-costarriquenha que participou da Semana da Crítica de Cannes, e do colombiano “Elena”, ficção sobre “ser mãe em meio a um ambiente de guerra” (este filme participou da competição do respeitadíssimo Festival de Clermont-Ferrand). Caso, também, de “Kalunga”, no qual a realizadora moçambicana Lara Sousa mostra como reencontrou a África em suas vivências em um país latino-americano, a ilha de Cuba.

A Revista de CINEMA conversou com Zita Carvalhosa, que além de dirigir o festival paulistano, comanda a Superfilmes, empresa que tem em seu currículo algumas dezenas de curtas e longas-metragens, todos de significativo valor cultural. Caso dos ficcionais “Memórias Póstumas”, “Tônica Dominante” e “Anjos da Noite” e dos documentários “Um Homem de Moral” e “No Rio das Amazonas”. Entre os curtas de sua produtora, destacam-se “A Alma do Negócio”, “Criaturas que Nasciam em Segredo” e “A Mulher do Atirador de Facas”. Sem falar nos curtas do projeto Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual.

Eis os principais tópicos abordados pela Senhora Kinoforum.

TRINTA ANOS DO FESTIVAL – “Esta data nos renova e emociona. Gerações de artistas se sucedendo, o cinema de nossa terra sempre se recuperando, se renovando, crescendo, se mostrando cada vez mais inventivo. Nosso cinema ganhou maturidade, se democratizou. O curta faz parte deste processo, e se destaca, por sua liberdade de facilitar a leitura do mundo. Esse ano, temos Jorge Furtado como nosso homenageado, com “Ilha das Flores”, que nasceu junto com o festival, há 30 anos, e ano passado foi eleito o melhor curta brasileiro de todos os tempos. Ele fará uma palestra na Cinemateca Brasileira, abrindo série de encontros e debates programados para esta edição de número 30”.

COMPETIÇÃO BRASILEIRA – “Não teremos, este ano, o ‘Panorama Paulista’ para destacar a produção estadual. São Paulo conta com a mais numerosa produção de curtas do país e, entendemos, os curtas paulistas devem estar em toda parte! Penso que nossa luta, na atual conjuntura, deve ser pautada pelo CINEMA NACIONAL. Acredito que juntos somos mais fortes. Reconheço a qualidade de nossa produção local e sua excelência, mas acredito na união da produção de nosso cinema originário de todos os cantos do país. O festival, no que se refere aos números, não se compactou. Ele se adequou e se remodelou. Esse ano, ousamos criar uma competição brasileira e uma nova mostra, mais ousada ainda, com filmes de narrativa rarefeita, que poderiam estar em galerias de arte. Ao rever nossa história, ao longo de três décadas, vejo o festival de curtas como um rio caudaloso, que acompanha o mundo, os movimentos da vida cotidiana e das artes”.

MEMÓRIA AFETIVA – “Muitos momentos, todos marcantes, ficaram na nossa memória. Destaco alguns. Em 2001, criamos a mostra “Olhar Feminino”, com curtas-metragens realizados por mulheres e convidamos todas elas para juntas celebrarmos nosso cinema e a força feminina. Recebemos e exibimos, na abertura desta edição, com muita emoção, o vídeo gravado por Agnès Varda, agradecendo a retrospectiva de seu trabalho que exibíamos, falando da importância do curta-metragem e saudando o festival. Outros momentos bacanas estão ligados à presença de talentos posteriormente reconhecidos. A presença de Paul Thomas Anderson exibindo “Smoke” e falando para nosso making of, pouco antes de seu longa-metragem “Magnólia” estourar, Lucrécia Martel, que esteve aqui com seu primeiro curta “Rey Muerto”. Numa troca de sorriso na Croisette de Cannes, ela me diz: “o primeiro festival, Zita, a gente nunca esquece”. E como esquecer um telefonema do Kleber Mendonça, que exibiu todos os seus curtas no festival, propondo uma sessão do “Aquarius”, com a presença da Sonia Braga, uma semana antes da estreia nacional.

OFICINAS KINOFORUM – “Esse ano, celebraremos também os 18 anos das ‘Oficinas Kinoforum de Realização Audiovisual’, projeto paralelo ao festival, que aquece forte o meu coração. As Oficinas Kinoforum têm uma história de inclusão e transformação muito forte ao longo de seus quase vinte anos existência. Ano passado, no Festival de Brasília, vi Beatriz Seigner e o Fabio Rodrigo apresentando juntos uma sessão competitiva. Dois ex-alunos das Oficinas Kinoforum dividindo o palco do Cine Brasília. Emoção pura! Este ano, com o patrocínio da Ericsson e na linha de atuação social desta empresa, fizemos uma temporada incrível das Oficinas Kinoforum, realizando 26 curtas com pessoas em situação de rua. Todos os filmes serão exibidos no festival. Aliás, penso em outra história de êxito das Oficinas: JC, um jovem da periferia de SP, foi aluno das primeiras Oficinas e depois criou a “Funk TV Oficial”. Ele, partindo da Cidade Tiradentes, ganhou o mundo e seu Canal tornou-se um grande sucesso no YouTube”.

 

30ª edição do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo (Curta Kinoforum)
Data: 22 de agosto a primeiro de setembro
Local: Em onze salas (duas na Cinemateca Brasileira, CineSesc, Espaço Itaú Augusta, Museu da Imagem e do Som, Centro Cultural São Paulo, Cine Olido, Cinusp, CEU’s Perus, Caminho do Mar e Vila Atlântica)
O Festival abrange mostras principais (Internacional, Latino-Americana, Programas Brasileiros, esta competitiva, e Mostra Limite), Programas Imersivos e Programas Especiais, Mostra Infanto-juvenil e atividades paralelas (debates e workshops, como o Curta & Mercado e os Kinoforum Labs)
Entrada gratuita

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.