Carcereiros

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta José Eduardo Belmonte lança, nesta quinta-feira, 28 de novembro, seu nono longa-metragem, “Carcereiros”, cujo protagonista, o agente penitenciário Adriano, nasceu de livro homônimo do médico e escritor Drauzio Varella. E tornou-se, na pele do ator Rodrigo Lombardi, conhecido do grande público por série produzida e exibida pela Rede Globo.

Quem viu os primeiros (e ousados) filmes de Belmonte (em especial “Subterrâneos”, “A Concepção” e o belo e cassavetesiano “Se Nada Mais Der Certo”, vencedor do Festival do Rio) vai levar um choque com “Carcereiros”. O mesmo não acontecerá com aqueles que passaram a acompanhar o realizador brasiliense-carioca, de 49 anos, a partir de “Alemão”, seu maior sucesso comercial” (900 mil espectadores), seguido por “Entre Idas e Vindas” (com a rainha do blockbuster brasileiro, Ingrid Guimarães em projeto de risco. Para estes, será fácil assimilar a nova proposta belmontiana. Ou seja, fazer filme para dialogar com o grande público. Até porque a série carcerária atingiu bons índices nos finais de noite da Globo.

“Carcereiros, o Filme” tem elenco formidável, produção esmerada, domínio artesanal da mise-en-scène, trilha sonora acachapante (invasiva, mesmo!) e roteiro que parece saído de um filme de ação made in USA. No começo, até supomos que veremos um drama social penitenciário, como “Carandiru”, de Hector Babenco (baseado em “Estação Carandiru”, do mesmo Drauzio Varella) ou “Quase Dois Irmãos”, de Lúcia Murat.

Afinal, a voz em off, do carcereiro Adriano, evoca o cinema noir e nos leva a um presídio de Terceiro Mundo, com pessoas entulhadas em celas humilhantes e dividido em duas facções: uma comandada pelo personagem de Rômulo Braga, com um braço direito descontrolado (Germano Pereira), e outra pelo jovem interpretado por Rainer Cadete. As duas facções, claro, se odeiam. Em outras partes do presídio, estão os evangélicos (faltaram as travestis, de presença tão marcante em “Estação Carandiru”) e um maluco alucinado, que recebe “ordens de Deus” quando se depara com qualquer facho de luz.

Tudo muda de figura – e o filme abandona a realidade brasileira para emular o cinema de ação norte-americano e abrir mão de qualquer momento reflexivo) –, quando um detento árabe (que os presos chamarão de Bin Laden) será entregue à abnegada equipe de Adriano, secundado por seus dois auxiliares mais próximos (Ivan de Almeida, de “Carandiru” e Toni Tornado).

Nesta altura do filme, quem ainda acreditava que veria um drama social, saberá que o projeto é, assumidamente, outro. Quem se atreveria a colocar um preso internacional de alta periculosidade num presídio de “segurança mínima” como o que ambienta o filme?

E o caldo entorna de vez quando uma “Swat” decalcada de filmes de ação made in USA desce de helicópteros, mascarada e embalada em trajes negros. E equipada com potentes armas de mira telescópica. Coisa de louco. Adeus bandidos pé-de-chinelo. Mas Adriano e seus auxiliares vão tentar manter a ordem com seus modestos revólveres. E, mesmo assim, apesar da abissal disparidade “bélica”, o agente penitenciário facilitará as coisas, deixando sua arma ao alcance do “facínora” árabe (Kaysar Dadour). Como a pauleira é geral e o filme não dá trégua a nenhum espectador, a vertigem vai somando furos de roteiro, secundários frente ao maior número de tiros já ouvido na banda sonora de um filme brasileiro.

Entre os roteiristas, há três nomes de grande peso: Marçal Aquino, escritor e principal colaborador da melhor fase do cinema de Beto Brant (“O Matador”, “O Invasor”), Fernando Bonassi, cineasta e escritor (parceiro de Bernardet em “Um Céu de Estrelas”, de Tata Amaral), e o cineasta Dennison Ramalho, diretor de alguns dos melhores filmes de terror já feitos no Brasil (“Amor Só de Mãe”, Ninjas” e “Morto Não Fala”).

Infelizmente, “Carcereiros” foi desenhado para ser um blockbuster daqueles aparentados com filmes brutalistas de Rambos, Cobras e assemelhados. Filme de entretenimento para homens (machos alfa!). Aliás, mulher no filme é coisa para aparições relâmpago e olhe lá. A parte política da trama é risível, de tão superficial e genérica.

Há cuidado – e isto é mérito digno de registro – em colocar negros em papeis importantes, embora o protagonista seja branco. Milton Gonçalves interpreta o Dr. Gouveia, elegante em terno bem cortado e alta autoridade no sistema penitenciário brasileiro. Ver Ivan de Almeida em cena é sempre bom. Tony Tornado, de cabelos brancos e estatura avantajada, passa credibilidade como carcereiro.

Outros atores, veteranos e jovens, chamam atenção: Isaac Bardavid, como um integrante da “Turma da Gravata” (presos de colarinho branco), Dan Stulbach (idem), Jackson Antunes (com sua farta cabeleira branca, como o chefe da “Swat” tropical), Francisco Carvalho, com sua cara esculpida em bronze, e o jovem Rafael Portugal (na pele de um enfermeiro). Eles imantam nosso olhar. Mas a pauleira delirante-vertiginosa de “Carcereiros” não deixa tempo para nenhuma fruição especial.

 

Carcereiros – O Filme
Brasil, 110 minutos, 2019
Direção: José Eduardo Belmonte
Elenco: Rodrigo Lombardi, Milton Gonçalves, Tony Tornado, Ivan de Almeida, Rômulo Braga, Kaysar Dadour, Isaac Bardavid, Germano Pereira, Rainer Cadete, Jackson Antunes, Rafael Portugal, Dan Stulbach, entre outros
Produção: Gullane e Globo Filmes

 

FILMOGRAFIA
José Eduardo Belmonte
(Brasília, 27/07/1970)
Formado em Cinema pela UnB (Universidade de Brasília)

2003 – “Subterrâneos” (Brasília)
2005 – “A Concepção” (Brasília)
2007 – “Meu Mundo em Perigo” (Brasília-São Paulo)
2009 – “Se Nada Mais Der Certo” (Rio de Janeiro)
2012 – “O Gorila” (Rio de Janeiro-São Paulo)
2012 – “Billi Pig” (Rio de Janeiro)
2014 – “Alemão” (Rio de Janeiro)
2016 – “Entre Idas e Vindas” (Rio de Janeiro-Goiás)
2019 – “Carcereiros – O Filme” (Rio de Janeiro- São Paulo)

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