Festivais em transe

Por Maria do Rosário Caetano

O secretário de Cultura do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, disse ao portal Metrópoles, que a quinquagésima-terceira edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo do país, não acontecerá este ano. A razão: não há verba (o evento tem custo estimado de R$3 milhões) disponível. Em tese, os recursos estão carreados para o combate à epidemia do coronavírus.

O meio cultural brasileiro – o segmento do audiovisual, em especial, liderado pelo Fórum dos Festivais – encaminhou carta ao titular da Cultura, na tentativa de salvar o mais antigo dos festivais do país (ver abaixo).

O festival candango sofreu solução de continuidade nos anos mais duros da ditadura militar (1972 a 1974). A censura recaía com tamanha fúria sobre alguns dos filmes selecionados, que – mesmo previsto no Regimento da Fundação Cultural do DF (“um grande festival na primavera brasiliense”) – não houve “vontade política” para realizá-lo. Dinheiro havia, pois o país vivia o chamado “Milagre Econômico” e festejava, com fervor cívico, o Sesquicentenário da Independência.

Em 1975, já sob a prometida “abertura lenta e gradual” dos anos Geisel, o festival candango retomou sua vitoriosa trajetória e nunca mais parou. Mesmo em momentos de crise econômica e má vontade política, ele aconteceu. Em 1980, foi ameaçado. Mobilização de artistas e imprensa salvaram o evento. Mas a edição foi bem modesta. “Iracema, uma Transa Amazônica”, filme que venceria a competição, tinha dois diretores (Jorge Bodanzky e Orlando Senna). Mas só havia dinheiro para um representante. A lista de convidados era franciscana.

Depois, o festival (criado em 1965 por Paulo Emilio Salles Gomes e equipe) se recuperou e passou a dividir com Gramado o posto de mais importante festa cinematográfica do país. Agora, em tempos de governos hostis à Cultura, o quadro agravou-se com a pandemia do coronavírus. Dos festivais previstos para o primeiro semestre, só a Mostra de Tiradentes aconteceu de forma presencial (em janeiro). Outros tiveram edições on-line (caso do BIFF- Festival Internacional de Brasília) ou promoveram mostras especiais, anunciando edições presenciais para o segundo semestre (É Tudo Verdade, Ecofalante, entre outros).

Há muitas dúvidas no ar: o público se disporá a viajar para assistir a festivais em cidades distantes? Enfrentará salas fechadas (sem janelas) ao longo de sete, dez ou 15 dias? A vacina aparecerá e colocará fim ao pânico sanitário que a tantos atormenta?

Frente a tais indagações, o Olhar de Cinema, previsto para acontecer este mês, em Curitiba, avisou que só acontecerá no segundo semestre. Outros quatro festivais juninos (a Mostra CineOP, em Ouro Preto, o Cine PE, em Recife, o Santos Film Festival, na Baixada Santista, e o Guarnicê, em São Luís do Maranhão) foram adiados, sem nova data anunciada.

O Festival de Gramado do Cinema Brasileiro e Latino, o mais badalado do país, adiou sua edição de número 48 para setembro (de 18 a 26). Estava previsto para agosto (14 a 22).

O Cine Ceará, que se propõe a festejar com muitos filmes e prêmios sua edição de número 30, está previsto para setembro (12 a 18, em Fortaleza). Mas pode ser adiado. Mesmo caso do FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul), previsto, também, para setembro (24 a 30), com inscrições abertas até esta quarta-feira, 10 de junho.

A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo mantém sua data (21 a 31 de outubro) e está com inscrições abertas. Por sua duração (dez dias, mais repescagem), recursos financeiros e número de salas, o festival paulistano tornou-se o maior do país.

Dois festivais – ambos cariocas – enfrentam imensas dificuldades. O Anima Mundi, maior festival de cinema de animação da América do Sul, só aconteceu ano passado graças a crowdfunding (a popular vaquinha digital). Este ano, nem inscrições abriu. Sua data histórica é o mês de férias (julho). O Festival do Rio, com mostra internacional e nacional, também teve que recorrer, ano passado, à vaquinha digital e abandonar sua data histórica (setembro). Aconteceu em dezembro (véspera do Natal). Este ano, com a pandemia, a situação torna-se ainda mais complexa. Se o festival acontecer, será em dezembro.

 

CARTA ENVIADA PELO FORUM DOS FESTIVAIS AO SECRETÁRIO BARTOLOMEU RODRIGUES PELA  REALIZAÇÃO DO FBCB-FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

O Fórum dos Festivais-Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais de Cinema – e entidades signatárias abaixo-assinadas, tornam pública a total perplexidade e discordância sobre o anúncio do cancelamento da edição 2020 do FBCB-Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e requerem a revisão desta decisão.

O FBCB é o mais duradouro festival de cinema do Brasil e palco das mais relevantes manifestações do cinema nacional ao longo na sua trajetória de mais de 50 anos.

Além do seu incontestável papel histórico, artístico e cultural, o FBCB cumpre também a importante função de indutor da dinamização econômica dos mais variados segmentos audiovisuais, gerando emprego, renda, remunerações aos realizadores e produtores, tanto local como nacionalmente.

Os prejuízos desta decisão são imensos e alcançam não apenas à comunidade audiovisual mas também à sociedade brasileira, que será privada de vivenciar a fascinante experiência proporcionada todos os anos pelo FBCB.

Em tempos de Covid-19, os festivais brasileiros buscam reinventar-se e reafirmam a sua importância como espaços fundamentais para difusão do cinema brasileiro em formatos digitais enquanto aguardam com expectativa os rumos do combate à pandemia para retornarem ao seu modelo presencial.

Assim sendo, torna-se fundamental e urgente a reversão desta medida extrema de cancelamento do FBCB.

Temos total convicção que realização do FBCB-Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2020 é plenamente exequível e solicitamos que todos os esforços sejam empreendidos pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF para a sua confirmação.

Atenciosamente,

FÓRUM DOS FESTIVAIS-Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais de Cinema
ABCV – Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABD-DF)
ABD CAPIXABA – Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas do Espírito Santo
ABD-SP – Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas de São Paulo
ABPA – Associação Brasileira de Preservação Audiovisual
ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema
ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas
ANDAI – Associação Nacional Distribuidores Audiovisual Independente
APACI – Associação Paulista de Cineastas
APAN – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro
APBA-CO – Associação das Produtoras Brasileiras de Audiovisual do Centro-Oeste
API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
APRO – Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais
APROCINE– Associação das Produtoras de Cinema e Audiovisual de Brasília
Associação Cultural Faísca
AVEC-PR – Associação de Vídeo e Cinema do Paraná
BRAVI – Brasil Audiovisual Independente
CINE CEARÁ – Festival Ibero-americano de Cinema
Cinemateca Catarinense – ABD/SC
CINE PE –  Festival do Audiovisual
COMA – Coletivo Mineiro de Animação
CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste
CURTA MINAS/ABD-MG – Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas de Minas Gerais
DF+DOCs
FAMES
 – Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
FORCINE – Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual
FÓRUMDOC.BH – Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte
Frente Unificada de Cultura do DF
FUNDACINE/RS – Fundação de Cinema
GO FILMES – Associação das Produtoras Independentes de Cinema e Tv de Goiás
SANTACINE – Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina
SIAESP – Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo
SICAV – Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual
SINDAV MG – Sindicato da Indústria Audiovisual de Minas Gerais

 

CALENDÁRIO EM TRANSE:

ABRIL

. É Tudo Verdade – Festival de Documentários (adiado para 24 de setembro a 4 de outubro)
. Festival CineSesc Melhores do Ano: adiado

MAIO

. Prêmio Platino (Riveira Maya, no México): adiado

JUNHO

. Olhar de Cinema (Curitiba): adiado
. In-Edit (Festival Cinema & Música): adiado
. CINEOP (Ouro Preto): adiado
. Guarnicê do Maranhão: adiado
. Festival Varilux de Cinema Francês: adiado

JULHO

. Anima Mundi (cancelado)
. Festival da América Latina (São Paulo) – adiado
. Festival Infantil de Florianópolis (SC) – adiado

AGOSTO

. Festival Internacional de Curtas de São Paulo
. Mostra de Cinema Árabe no CineSesc
. Mostra Cine BH (Minas Gerais, capital)
. Santos Film Festival (Baixada Santista)

SETEMBRO

. Festival de Gramado (RS): 18 a 26 (confirmado)
. Cine Ceará (Fortaleza): 12 a 18
. Festival de Cinema de Vitória (ES): a confirmar
. Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro (São Paulo): data a definir

OUTUBRO

. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: 21 a 31 (confirmado)
. Curta Santos (Baixada Santista): a confirmar

NOVEMBRO

. Mostra de Cinema de Gostoso (São Miguel do Gostoso – RN)
. Mostra de Cinema Soviético e Russo (CPC-UMES – São Paulo)
. Mostra de Cinema da Fronteira (Rio Grande do Sul)
. MIX Brasil – Festival da Diversidade (São Paulo)
. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (cancelado)

DEZEMBRO

. Festival Aruanda (João Pessoas, PB)
. Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana (Cuba)
. Festival Internacional do Rio de Janeiro (a confirmar)

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