Macalé desvenda em mostra online suas trilhas cinematográficas

Por Maria do Rosário Caetano

Além de violonista, cantor e compositor, o carioca Jards Anet da Silva, o Macalé, tem significativa trajetória no cinema, seja como ator, personagem ou trilheiro. Por isso, sua companheira, a documentarista e atriz Rejane Zilles, achou por bem organizar mostra com todos os filmes, longos ou curtos, ficcionais ou documentais, em que o criador de “Vapor Barato” (com Wally Salomão) e “Movimento dos Barcos” (com Capinam) colocou-se presencialmente ou com seus elaborados sons.

A mostra Na Trilha de Jards Macalé terá versão on-line e gratuita dessa terça-feira, 23 de março, até domingo, 28, e apresentará onze filmes. As exibições se complementarão com quatro debates mediados pelo pesquisador Fred Coelho, autor do livro “Jards Macalé – Eu Só Faço o que Quero”. Entre os debatedores, o ator Ney Sant’Anna, protagonista de “O Amuleto de Ogum”, e os cineastas Cláudio Assis, Eryk Rocha, André Sampaio e Daniel Caetano.

Na noite inaugural, Macalé fará show dedicado ao cinema, com destaque para suas trilhas sonoras, e se apresentará ao violão, enquanto suas imagens cinematográficas, impressas em celuloide ou digitais, se multiplicarão nas telinhas dos suportes escolhidos pelos espectadores.

O ator Macalé teve em Nelson Pereira dos Santos (1928-2018) seu “inventor”. Primeiro, em “O Amuleto de Ogum”. Depois, em “Tenda dos Milagres”. No “Amuleto”, de 1975, além de assinar a trilha sonora, o tijucano Jards fez o papel de um atrevido cego, cantador de feira, de nome Firmino. Cabe a ele narrar o filme e, ao final, avisar a quem não acreditou no que viu, que “vá à puta que o pariu”. Fiquem, pois, plugados até os derradeiros momentos desse mergulho de Nelson no universo da umbanda, para não perder o fecho irreverente.

No filme seguinte, “Tenda dos Milagres” (1978), recriação do romance de Jorge Amado, o papel de Macalé cresceu. Ele interpretou o protagonista, o futuro bedel Pedro Archanjo, em sua juventude. Já maduro, Archanjo ganharia as carnes do artista plástico baiano Juarez Paraíso. Só para lembrar, o afro-brasileiro Pedro Archanjo enfrenta, ao longo da trama, o racista Nilo Argolo (Nildo Parente). E o faz com paciência e paixão.

Antes do “Amuleto” e da “Tenda”, o cinema entrara, literalmente, na casa (e na vida) de Macalé. O “batismo cinematográfico” se deu no média-metragem “Bethânia Bem de Perto”, de Júlio Bressane e Eduardo Escorel (1966). Os dois realizadores acompanharam a jovem Bethânia, recém-chegada da Bahia, para substituir Nara Leão no show Opinião. E já causando furor e sendo convidada para shows internacionais.

Macalé hospedou a jovem cantora em seu apartamento em Ipanema. Em dois momentos do filme, a cantora e Jards conversam e cantam (ele toca seu refinado violão) em companhia da atriz (depois cineasta) Suzana de Morais, filha de Vinícius. Depois, numa rua do Rio, brincam, Bethânia gargalha e carrega gaiola com um passarinho. Além deles, o filme de Bressane e Escorel conta com a presença luminosa de Anecy Rocha, também baiana e irmã de Glauber, e Caetano Veloso, mais velho que a irmã (por quem deveria “zelar” a pedido de Dona Canô) e com cara de moleque e muito magro. Curioso: no filme, Bethânia aparece falante e cheia de opiniões. Caetano, discreto e contido. Depois, em tempo não alcançado pelo filme, a equação se inverteria.

Após a pequena, mas notável participação no documentário “Bethânia Bem de Perto”, Macalé faria sua estreia na trilha sonora de “Macunaíma” (Joaquim Pedro de Andrade, 1969). O cineasta pediu ao compositor que musicasse versos de Mário de Andrade, autor da rapsódia originária do filme. O tijucano iniciava, com a parceria póstuma com Mário e seu “herói sem nenhum caráter”, frutífera relação com o cinema.

Entre 2008 e 2012, portanto num prazo de apenas quatro anos, Macalé seria a razão de ser de dois longas documentais – “Jards, um Morcego na Porta Principal”, de Marcos Abujamra e João Pimentel, e “Jards”, de Eryk Rocha. Atuaria, ainda, em longas documentais construídos com múltiplas vozes, caso de “Canções do Exílio; A Labareda que Lambeu Tudo”, de Geneton Moraes Neto (2011), e “Casa 9”, de Luiz Carlos Lacerda (2011).

Como ator, Macalé faria mais três filmes. “Conceição, Autor Bom é Autor Morto”, longa em episódios, e o curta “Tira os Óculos e Recolhe o Homem” (ambos de 2008), e outro longa, “Big Jato”, de Cláudio Assis.

Vale prestar atenção no divertido curta-metragem de André Sampaio, no qual o compositor é quem mais se diverte. Até porque tem, como parceiro, o rei do breque, Moreira da Silva, com quem formou inesquecível dupla no Projeto Pixinguinha, poderosa vitrine da MPB setentista. Macalé atua com a camisa de seu Flamengo, neste “gibi cinematográfico”, ou “filme-breque”, na definição de seu autor.

André Sampaio garante ser a trama baseada em fatos reais, vivenciados pelo protagonista Jards Adnet da Silva, que interpreta a si mesmo e incorpora o mitológico Kid Morengueira. Tudo acontece nos tempos de ditadura, quando um delegado da Polícia Federal mandou prender Macalé. Motivo: autoria de suposta canção “pornográfica”. Moreira da Silva acompanhou o amigo à delegacia, mas não conseguiu livrá-lo da detenção. O episódio inspirou a única parceria entre eles, o samba “Tira os Óculos e Recolhe o Homem”, espécie de crônica cinematográfica do acontecido, e base do argumento do filme.

O trabalho ficcional mais recente de Macalé foi “Big Jato” (2015), do pernambucano Cláudio Assis, no qual interpreta um poeta libertário. O filme baseia-se no romance homônimo de Xico Sá.

 

Mostra Na Trilha de Jards Macalé
Data: 23 a 28 de março
Exibição on-line e gratuita de onze filmes, debates e show musical
Curadoria e direção: Rejane Zilles
As quatro rodas de conversas serão mediadas por Fred Coelho, de quarta-feira a sábado, às 20h
Abertura com o show “Cine Macalé”, dia 23, às 20h30. Após a apresentação musical, os 11 filmes ficarão disponíveis até às 24h do domingo
Exibição no canal youtube.com/jardsmacaleoficial

 

PROGRAMAÇÃO

“O Amuleto de Ogum”, de Nelson Pereira dos Santos (1975) – Ficção de 112 min
“Tenda dos Milagres”, de Nelson Pereira dos Santos (1979) – Ficção de 135 min
“Bethânia Bem de Perto” – De Julio Bressane e Eduardo Escorel (1966) – Documentário de 32 min
. “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade (1969) – Ficção de 98 min
. “Canções do Exílio: A Labareda Que Lambeu Tudo”, de Geneton Moraes Neto (2011) – Documentário de 91 min
. “Casa 9”, de Luiz Carlos Lacerda (2011) – Documentário de 70 min
. “Conceição – Autor Bom é Autor Morto”, de Daniel Caetano, Samantha Ribeiro, André Sampaio, Guilherme Sarmiento e Cynthia Sims (2008) – Ficcão de 78 min
. “Jards Macalé: Um Morcego na Porta Principal”, de Marcos Abujamra e João Pimentel (2008), documentário de 72 min
. “Jards”, de Eryk Rocha (2012) – Documentário de 94 min
. “Tira o Óculos e Recolhe o Homem”, de André Sampaio (2008) – Curta ficcional de 20 min
. “Big Jato”, de Cláudio Assis (2015) – Ficção de 93 min

Rodas de conversa (mediação: Fred Coelho)

. Quarta-feira, 24 de março, 20h00: “Jards Descobre o Cinema” – Com Ney Sant’Anna e Jards Macalé
. Quinta-feira, dia 25, 20h00: “Um Cantor Ator”- Com Cláudio Assis e Macalé
. Sexta-feira, dia 26 , 20h00: “Cinema, Música e Experimentação”. Com André Sampaio, Daniel Caetano e Macalé
. Sábado, dia 27, 20h00 – “Música Verdade” – Com Eryk Rocha e Macalé

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