Brasil vence Prêmio Platino nas categorias documentário e animação
Por Maria do Rosário Caetano, de Marbellla (Espanha)
A vitória de “Relatos Selvagens”, do argentino Damian Szifron, na festa dos prêmios Platino foi avassaladora. O longa-metragem, blockbuster na Argentina (3,5 milhões de ingressos) e sucesso em todo o mundo, incluindo o Brasil (500 mil espectadores), concorria a dez estatuetas. Ganhou oito (melhor filme, diretor, atriz, roteiro, montagem, direção de arte, música original e som). Para “La Isla Mínima”, do espanhol Alberto Rodriguez, um dos favoritos, só restou o Platino de fotografia (Alex Catalá). E o melhor ator foi o espanhol Oscar Jaenada, a quem coube interpretar o mais mexicano dos mexicanos, Cantinflas, no filme de mesmo nome.
O Brasil, que emplacou quatro indicações (atriz, com Leandra Leal, por “O Lobo Atrás da Porta”, documentário, com “O Sal da Terra”, e animação, com “O Menino de o Mundo” e “Até que a Sbórnia nos Separe”) venceu em duas: melhor documentário para o longa sobre o fotógrafo Sebastião Salgado, dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, e melhor animação, com “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu. A língua portuguesa marcou presença no palco do Platino com o jovem Fernando Coimbra, que entregou o prêmio de melhor roteiro (a Szifron), e com o ator lusitano Joaquim Almeida que, ao lado do chicano Eward G. Olmos, anunciou o Platino de melhor filme.
O momento mais emocionante da festa se deu quando Antonio Banderas agradeceu o Platino de Honor, recebido das mãos da veterana Rita Moreno, 83 anos, Oscar de melhor coadjuvante por “Amor Sublime Amor”. Malaguenho, portanto andaluz, o ator, que está comemorando trinta anos de carreira, reafirmou sua alegria de ser “filho de Málaga, cidade fenícia, romana, muçulmana e picassiana” (o ator nasceu na mesma cidade de Pablo Picasso). Evocou Dom Quixote, de Cervantes, para lembrar a “loucura insensata” dos que amam e fazem cinema ibero-americano e mostrou, com dados, que não é um ator que iniciou carreira na Espanha (nos filmes de Pedro Almodóvar) e migrou para os EUA. “Fiz sete filmes no México, três na Argentina, um na Venezuela, um na Colômbia, um em Porto Rico e um no Chile”. Protestou contra a agressão de Donald Trump, pré-candidato republicano à sucessão de Obama (ele chamou os mexicanos, que migram para os EUA, de “criminosos”) evocando “a língua cervantina que falamos” e “o amor que sentimos por nossos países de origem, o orgulho de nos sentirmos latinos”. E arrematou: “ninguém nos valorizará se não formos os primeiros a nos dar valor”. O ator discursou, emocionado, para 2.500 pessoas (incluindo a nova namorada, a holandesa Nicole Kimpel) que lotavam a Pedreira de Nagüeles. Foi aplaudido de pé e calorosamente.
A festa da segunda edição do Prêmio Platino (a primeira aconteceu, ano passado, no Panamá) teve palco exótico e exuberante: um imenso auditório ao ar livre, incrustrado nas alturas de um dos grandes rochedos que limitam Marbella em oposição ao mar. Pelo palco, passaram astros da canção ibero-americana como Rosário Flores, a toureira do almodovariano “Fale com Ela”, Miguel Bosé, outro cantor que trabalhou com Almodóvar (Tacones Lejanos) e a cubana Lucrécia, que levantou a plateia com empolgante interpretação de “Guantanamera”.
O desfile de personalidades ibero-americanas no tapete vermelho da noite platina foi do boxeador panamenho Roberto “Mano de Piedra” Durán (tema de cinebiografia protagonizada por Edgard Ramirez) à espanhola Maribel Verdu, do argentino Dario Grandinetti ao chileno Santiago Cabrera, da brasileira Leandra Leal ao guatemalteco Jayro Bustamante (de Ixcanul, premiado em Berlim). Os apresentadores Alesandra Rosaldo (México) e José Arciniegas (Colômbia) ganharam a competente companhia do ator espanhol Imanol Arias, que protagonizou outro momento emocionante da festa. Chamou ao palco, em nome do público, a cadeirante Aurélia Fernandez Lucelote, estudantes de Artes Dramáticas. Coube a ela anunciar o Platino de melhor opera prima (filme de diretor estreante). A vencedora foi a venezuelana Claudia Pinto, por “La Distancia Mas Larga”. Antes que Aurelia deixasse o palco, o grisalho Imanol Arias contou que ela protagonizaria com ele, um “ator invernal”, o primeiro “beijo técnico” dela. A cadeirante e o grande ator espanhol deram um beijo de cinema, sob o aplauso de todos.
Mais uma vez quem roubou a festa foi o mexicano Eugenio Derbet, protagonista e diretor da comédia blockbuster “Não Aceitamos Devoluções”, filme que rendeu a ele, ano passado, o Platino de melhor ator. O marido da “cantriz” e apresentadora Alessandra Rosaldo formou dupla com o comediante espanhol Santiago Segura e fez a plateia rir com gosto ao imitar o espanhol falado com gírias e expressões típicas (“me cago en la óstia”) e ser rebatido com imitação do falar mexicano (“hijo de la chingada”). Depois de lembrarem, ambos, que os filmes de cada país, quando usam o jargão das ruas, exigem legendas, passaram a brincar com a picante expressão argentina “la concha de tu madre”.
Brasileiros
Há que se constatar que o Platino – prêmio outorgado por duas entidades, uma ligada ao Direito Autoral (a Egeda) e a outra à produção (a Fipca – Federação Ibero-Americana de Produtores Cinematográficos) – busca produções de qualidade que tenham grande visibilidade no mercado de fala hispano-portuguesa e também no mercado internacional. Nesta temporada, nenhum filme desempenhou tal papel como “Relatos Selvagens”. Daí sua vitória massacrante. Três dos outros concorrentes nada ganharam (o cubano “Conducta”, o venezuelano “Pelo Malo” e o uruguaio “Mr. Kaplan”). O espanhol “La Isla Mínima”, vencedor do Goya, só teve reconhecidas suas belas e densas imagens (melhor fotografia). A derrota de outro premiado com o Goya, o arrebatador documentário “Paco de Lucía, La Búsqueda”, gerou comentário esclarecedor: “ao Platino não cabia repetir a premiação do Goya e sim mostrar seus próprios caminhos”.
Entre estes “caminhos”, um vai se esboçando: premiar grandes comediantes, sempre esnobados por júris formados por críticos e estudiosos do cinema. Ano passado, triunfou o mexicano Eugenio Derbet. Este ano, o espanhol Oscar Jaenada, a quem coube interpretar o maior dos cômicos populares do México, Cantinflas.
O prêmio de melhor documentário atribuído ao franco-brasileiro “O Sal da Terra” foi recebido pelo produtor francês David Rosier, que agradeceu muito e reafirmou seu interesse “em trabalhar muitas vezes mais com os ‘vizinhos’ latino-americanos”.
O Platino de melhor animação de “O Menino e o Mundo” foi recebido pela produtora paulista Tita Tessler, que representou o diretor Alê de Abreu. O gaúcho Otto Guerra (“Até que a Sbornia nos Separe”) e a atriz Leandra Leal aplaudiram os colegas premiados, com entusiasmo.
O triunfo acachapante de “Relatos Selvagens” levou ao palco a equipe artística do filme e seus produtores, o espanhol Agustin Almodóvar, da Deseo, e o argentino Matias Mosteirín. Agustin falou da importância das parcerias para que o cinema ibero-americano ganhe força e não fique restrito a seus países de origem. E disse que o irmão Pedro Almodóvar, também produtor do grande vencedor da noite, não comparecera à festa por estar “ocupado com seu novo filme”.
Confira os vencedores do Prêmio Platino 2015:
Relatos Selvagens (Argentina/Espanha) – melhor filme, diretor (Damian Szifron), atriz (Érica Rivas), roteiro (Damian Szifron), música original (Gustavo Santaolalla), montagem (Damian Szifron e Pablo Barbieri), direção de arte (Clara Notari), som (José Luiz Díaz)
Cantinflas (México) – melhor ator (o espanhol Oscar Jaenadas)
La Isla Mínima (Espanha) – melhor fotografia (Alex Catalá)
O Sal da Terra (Brasil- França) – melhor documentário
O Menino e o Mundo, de Alê Abreu (Brasil) – melhor filme de animação
La Distancia Mas Larga (Venezuela- Espanha), de Claudia Pinto – melhor filme de diretor estrante (opera-prima)
Prêmio Platino de Honor a Antonio Banderas
Na foto, a produtora Tita Tessler (“O Menino e o Mundo”), o diretor Otto Guerra (“Até que a Sbornia nos Separe”) , Leandra Leal e Fernando Coimbra (atriz e diretor de “O Lobo Atrás da Porta”) e o produtor David Rosier (“O Sal da Terra”).