O punk verde “Bob Cuspe” protagoniza uma das estreias brasileiras da semana
Por Maria do Rosário Caetano
O sucesso do curta-metragem “Dossiê Rê Bordosa” apontou a seu diretor, o animador César Cabral, caminho dos mais férteis, além de render-lhe muitos prêmios e calorosos aplausos. Por que, então, não escolher outro personagem de Angeli, um dos mais respeitados cartunistas brasileiros, e realizar um longa-metragem?
Foi o que César, paulista nascido em 1972, fez. Ele escolheu o punk verde e anarquista Bob Cuspe, aquele que não suporta música pop, magnificada na figura baladeira e espalhafatosamente colorida de Elton John, como criatura central.
O resultado da nova investida cesariana no universo Angeli-cal, “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente”, estreia nessa quinta-feira, 11 de novembro, em cinemas de todo país. O filme se constroi da soma de dois gêneros que, cada vez mais, se hibridizam – animação e documentário. Como em “Dossiê Rê-Bordosa”, Angeli fala de sua relação com sua(s) criatura(s), sempre colocando ênfase em agudas crises criativas e existenciais.
“Bob Cuspe” ocupou longos nove anos na vida de César Cabral e equipe. Esta é, por incrível que pareça, a duração da manufatura de um longa-metragem de animação em países como o Brasil, que pouco investem no gênero. Mesmo que ele ganhe, cada vez mais, destaque no mercado internacional (vide o sucesso dos filmes da Disney) e seja usado como fonte expressiva pelo cinema documental. Basta lembrar filmes como “Persepólis” (Marjane Satrapi, França, 2007), “Valsa para Bashir” (Ari Folman, Israel, 2008), “Buñuel no Labirinto das Tartarugas” (Salvador Simó, 2019) e “Fuga” (Jonas Poher Rasmussen, 2020). Este filme, uma produção da Dinamarca, mostra refugiado homoafetivo que abandona, clandestinamente, o Afeganistão. Além de vencer o Sundance Festival, “Fuga” foi indicado, este ano, ao Oscar internacional pelo país nórdico (campeão do ano passado com “Druk”).
A trajetória internacional de “Bob Cuspe” começou bem. A animação documental brasileira ganhou prêmio em uma das mostras do Festival de Annecy (França), meca do gênero, e no Canadá, país adotivo de Norman McLaren. No Brasil, passou pela seleção da Mostra Internacional de São Paulo e foi um dos 13 finalistas eleitos pelo público para disputar o Trofeu Bandeira Paulista.
O primeiro longa-metragem de César Cabral é, em essência, uma animação em stop-motion (bonecos modelados) que, além de dialogar com o documentário, hibridiza-se com o road-movie, o faroeste (principalmente na trilha sonora, que evoca o western spaghetti à la Sergio Leone) e, claro, com a comédia. Embora não seja tão encantador quanto “Dossiê Rê-Bordosa” – sintético e bem mais divertido, pois a melancolia sexagenária de Angeli não era tão perceptível 13 anos atrás – “Bob Cuspe” chama atenção pelo capricho na confecção de seus personagens-bonecos (primorosos), figurinos de primeira, pelos cenários (desertos dignos de superproduções hollywoodianas) e por sua banda sonora (que inclui até os Titãs), assinada por André Abujamra e Márcio Nigro.
No centro da trama, claro, está Bob Cuspe, um punk já entrado nos anos e muito mal-humorado (voz de Millem Cortaz), que tenta escapar de suas agruras, na companhia de dois pentelhos (os Irmãos Kowalski, dublados por Paulo Miklos). Pela narrativa passam ainda o guia espiritual priápico Rhalah Rhikota (voz de André Abujamra) e Rê Bordosa (no curta, dublada por Rita Lee, agora por Grace Gianoukas). E, claro, não poderia faltar espaço para a cartunista Laerte. Metaforicamente, o deserto tão bem concebido de “Bob Cuspe” representa a mente de Angeli, vista como uma espécie de purgatório criativo. Até porque o filme traz mais um duro embate entre o cartunista-criador e suas criaturas desenhadas na prancheta.
Nunca é demais lembrar que César Cabral comandou, no Canal Brasil, a série “Angeli the Killer”, de 2017, na qual registrou os instintos assassinos do cartunista. Aquele que mata seus personagens sem dó, nem remorso.
Além de “Bob Cuspe”, mais quatro filmes brasileiros chegam aos cinemas para fazer companhia ao bem-sucedido “Marighella” (mais de 100 mil espectadores) nessa espécie de retomada pós-pandemia – o pernambucano “Curral”, de Marcelo Brennand, o carioca “Pixinguinha – Um Homem Carinhoso”, de Denise Saraceni e Allan Fiterman, e o mineiro “Lutar, Lutar, Lutar”, de Sérgio Borges e Helvécio Marins.
“Curral” (não confundir com o cearense “Currais”) é a versão ficcional do documentário “Porta a Porta”, do mesmo Brennand, que radiografou o processo eleitoral no município de Gravatá (PE), em 2018. Dessa vez, o cineasta e sua equipe voltam aos currais eleitorais da política brasileira, mas como personagens fictícios interpretados por Tomaz Aquino (“Bacurau”), Rodrigo Garcia (a Paulete de “Tatuagem”), José Dumont (“O Homem que Virou Suco”), Carla Salles, Fernando Teixeira, Thardelly Lima e Clébia Souza.
O único documentário da cartela semanal brasileira traz o mineiro “Lutar, Lutar, Lutar”, que registra, ao longo de quase duas horas, a saga do CAM (Clube Atlético Mineiro), criado por estudantes em 25 de março de 1908, poucos anos depois da inauguração de Belo Horizonte. Em 1971, o clube, que vivia as glórias da era Reinaldo, sagrou-se campeão brasileiro. Passados exatos 50 anos, o Atlético pode repetir a façanha, já que ocupa o primeiro lugar na tabela do Brasileirão, com Palmeiras e Flamengo em seu encalço.
Nas duas próximas semanas, mais sete filmes brasileiros têm estreia confirmada. Um deles é “Deserto Particular”, de Aly Muritiba, candidato brasileiro a uma vaga no Oscar internacional.
Outro é a divertida comédia “Galeria Fuuro”, cujo elenco reúne a ótima Luciana Paes (de “Sinfonia da Necrópole”), Ailton Graça, Otávio Muller, Marcelo Serrado, Taumaturgo Ferreira, Gilda Nomacce e Milhem Cortaz, nomes conhecidos de muitos filmes e telenovelas. A trama, muito bem urdida por sexteto liderado pelo cineasta Matheus Souza, mostra um grupo de amigos que luta para salvar galeria, outrora (década de 1970) um “point” dos mais bem-sucedidos, mas no tempo presente, imersa em crise e decadência profundas.
“Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente”, de César Cabral (São Paulo, 2021) – Longa de animação (Vitrine Filmes). Produção de Ivan Mello. Vozes de Milhem Cortaz, Paulo Miklos, Grace Gianoukas e André Abujamra. Duração: 90 minutos.
“Curral”, de Marcelo Brennad (Pernambuco, 2021) – Ficção com Tomaz Aquino, Rodrigo Garcia, Carla Salle, Fernando Teixeira, Thardelly Lima e Clébia Souza. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 90 minutos.
“Lutar, Lutar, Lutar”, de Sérgio Borges e Helvécio Marins (Minas Gerais, 2021) – Documentário sobre a trajetória do Atlético Mineiro, clube com melhor pontuação no Campeonato Brasileiro. Roteiro de Fred Melo Paiva e dos diretores. (Embaúba Distribuidora). Duração: 110 minutos.
“Pixinguinha – Um Homem Carinhoso” (Rio de Janeiro, 2021), de Denise Saraceni e Allan Fiterman – Produção de Carlos Moletta. Com Seu Jorge, Taís Araújo, Milton Gonçalves e Klebber Toledo. Distribuição: Downtown. Duração: 101 minutos.
“Curupira, o Demônio da Floresta” (Maranhão, 2021), de Erlanes Duarte – Ficção definida como “o primeiro filme de terror feito no Maranhão”. Dia 11 de novembro.
PRÓXIMOS LANÇAMENTOS
“Galeria Futuro” (Rio de Janeiro, 2021), comédia de Fernando Sanches e Afonso Poyart – Com Luciana Paes, Marcelo Serrado, Ailton Graça, Otávio Muller, Zezé Motta, Gilda Nonacce, Taumaturgo Ferreira, Milhem Cortaz, Jackson Antunes, Neco Villa Lobos e Luciana Vendramini. Distribuição: H2O Films. Duração: 92 minutos. Dia 18 de novembro.
“SARS-CoV2 – O Tempo da Epidemia”, de Eduardo e Lauro Escorel (São Paulo, 2021) – Documentário sobre equipe de cientistas que, no Brasil, enfrentou o combate à Covid 19. Distribuição Arteplex Filmes. Duração: 88 minutos. Dia 18 de novembro.
“8 Presidentes 1 Juramento – A História de um Tempo Presente”, documentário de Carla Camurati (Rio de Janeiro, 2021) –Distribuição: Capacabana Filmes. Dia 18 de novembro.
“Nina”, de Paulo Alcântara (Bahia, 2021) – Drama com Raira Machado, Nelson Freitas, Ingra Liberato e Marcos Pasquim. Distribuição: Europa Filmes. Duração: 103 minutos. Dia 18 de novembro.
“Deserto Particular” (Curitiba, 2021), de Aly Muritiba – Com Antônio Saboia, Laila Garin, Pedro Fasanaro, Tomaz Aquino e Cynthia Senek. Representante brasileiro a uma vaga no Oscar internacional. Duração: 120 minutos. Dia 25 de novembro.
“A Sogra Perfeita” (Rio de Janeiro, 2021), comédia de Cris D’Amato – Com Cacau Protásio, Luís Navarro e Poliana Aleixo. Distribuição Downtown-Paris Filmes. Duração: 94 minutos. Dia 25 de novembro.
“Cravos” (Bahia, 2021), documentário de Marco del Fiori – Sobre três gerações de artistas da família Cravo (Mário Cravo Jr, Mário Cravo Neto e Christian Cravo). Distribuição Elo Company. Duração: 109 minutos. Dia 25 de novembro.
“Meu Querido Supermercado” (São Paulo, 2021), de Tati Yankelevich – Documentário que participou da competição oficial do Festival É Tudo Verdade de 2019. Duração: 80 minutos. Dia 25 de novembro.