Diálogo no monólogo
Para facilitar o entendimento da obra do autor da Trilogia da Terra (“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe” e “A Idade da Terra”), há estudos qualificados e abundantes. O norte-americano Robert Stam, no livro “O Espetáculo Interrompido – Literatura e Cinema de Desmistificação” (Paz e Terra/1981) empreende brilhante análise de “Terra em Transe”. Vê no filme “referências quixotescas, exposição autorreferenciada do médium, agressão e descontinuidade modernista e a técnica do distanciamento brechtiano”. Stam revela ainda profícuo diálogo de Glauber com o Welles de “Cidadão Kane”. Ismail Xavier, por sua vez, nos ajuda, com clareza cristalina, a desvendar procedimentos do cineasta que “viveu a paixão da história pelo padecimento e não pelo triunfo político”. O famoso “monólogo de Corisco” (Othon Bastos) em “Deus e o Diabo” é, na verdade, “um diálogo”. O cangaceiro louro conversa, retrospectivamente, com Lampião. Conta ao chefe do bando que um sonho o avisara que ele (Lampião) levaria um tiro no olho. Modulando a voz, Othon Bastos transforma-se em Lampião e rebate: “Bote seu azar pro lado, tô fechado com a clave do Padim Ciço”. Nova modulação de voz e Othon Bastos volta a ser Corisco e insiste que o chefe será vitimado na hora em que o sol nascer. A ação de “Deus e o Diabo” se passa depois do massacre de Lampião e seu bando na Gruta de Angico em 1932. Corisco e Dadá sobreviveriam. Ele, por apenas dois anos. Ela chegaria ao final de século, sem a perna, perdida num tiroteio.