Paixão por filmes
Dois livros lançados recentemente têm em comum a paixão pelo cinema. Uma paixão que teve um tempo de duração, dos anos 50 aos 70, uma época em que se fazia filmes como se fossem obras de arte. Um desses livros revela como essa geração se formou na França, em torno de algumas publicações, especialmente a revista “Positif” e “Cahiers du Cinéma”, e como transformou para sempre a forma de se fazer e criticar os filmes. Duas paixões juntas, fazer ou escrever sobre esses filmes. Trata-se de “Cinefilia” (Cosac e Naify), de Antoine de Baecque, crítico e historiador e ex-editor do Cahiers du Cinéma.
Baecque fez um minucioso trabalho ao longo de mais de uma década, mostrando aos poucos como foi a relação da crítica com aquele cinema, que não bastava ser visto, precisava ser debatido e analisado. À dedicação desses cultuadores, o autor deu o nome de cinefilia, que teve como personagens centrais especialmente Godard, Truffaut, Chabrol, Rivette e Bazin, jovens críticos que criaram a revista “Cahiers du Cinéma”, em 1951, para falar de filmes especiais, e se tornaram eles mesmos autores de um movimento, a nouvelle vague.
Utilizando arquivos pessoais desses personagens, Baecque revela os bastidores dessa paixão. Sua pesquisa com material vindo de fontes nunca antes mostradas torna esse trabalho sem igual na literatura cinematográfica.
Já o outro livro, mostra como se exerce essa cinefilia na prática. “Trajetória Crítica” (Martins Fontes), de Jean Claude-Bernardet, é o principal livro a reunir uma análise crítica do cinema brasileiro nos anos 60 e 70. São artigos publicados em diversos veículos, especialmente n’“O Estado de São Paulo”. Acompanha uma análise do próprio Bernardet de como os textos foram escritos e como um crítico analisa uma obra. É uma verdadeira aula sobre como escrever sobre filmes, como exercer a cinefilia. “Trajetória Crítica” foi publicado originalmente em 1978, mas, com essas novas anotações, o livro ganha outra dimensão. Mostra que o cinema mudou, que os filmes são outros, mas a abordagem critica ainda é a mesma. E mostra que tudo pode ser analisado, da riqueza estética e social do cinema novo a filmes como “O Cabeleira”, de 1963, quando nosso cinema tentava toscamente imitar o western. Bernardet, em resumo, cobra muito dos filmes, cobra atitude e coerência de seus realizadores, o que não existe mais na critica de hoje: ela não se posiciona diante da cinematografia atual.