Kleber Mendonça: filme de situações

Kleber Mendonça Filho já era um crítico de nome antes de se aventurar por detrás das câmeras. Em pouco tempo, tornou-se um dos curtas-metragistas mais premiados do Brasil. De “A Menina do Algodão” (2003) a “Recife Frio” (2010), passando por “Vinil Verde” (2004), “Eletrodoméstica” (2005) e “Noite de Sexta, Manhã de Sábado”, já são quase 100 prêmios em festivais no Brasil e no exterior. Agora, às voltas com “O Som ao Redor”, seu primeiro e aguardado longa-metragem, Kleber tenta conter a ansiedade. “A pressão existe sempre”, diz ele. “Eu vejo as cobranças com bom humor e prova de uma curiosidade afetuosa em relação aos meus filmes e a certas expectativas. É uma espécie de ‘o que vai sair daí?’. Faz parte. Lembra muito as cobranças das pessoas quando alguém está namorando e querem saber se vai dar em casamento, ou, quando casado, se você terá filhos”, brinca.

“O Som ao Redor” se passa num bairro de classe média no Recife que toma um rumo inesperado depois da chegada de seguranças particulares. Misteriosos, eles oferecem seus serviços de proteção privada. Aos poucos, somos levados de volta ao passado, ao interior de Pernambuco, gerando um choque entre a cultura arcaica e o urbano moderno. “Acho que o que me levou ao filme foi uma série de ‘observações de brasileiro’, pontos de vista que talvez sejam pessoais, mas que parecem falar sobre o Brasil como sociedade, tendo como base Pernambuco”, explica o cineasta, ressaltando que alguns personagens são inspirados em pessoas de carne e osso. “Pelo fato de ‘O Som ao Redor’ não ter exatamente uma trama no sentido claro da sua sinopse, não ter uma sacada ou um sistema de ações e reações, mas uma série de situações, eu cheguei aos poucos no filme. Foi mais por acúmulo do que por um estalo”.

Curioso então pensar que a primeira versão do roteiro do filme saiu do forno em oito dias. “Foi por causa de um deadline do MinC (edital de Baixo Orçamento). Isso foi em 2008. Tinha uma semana para inscrever alguma coisa e usei o curto tempo para expelir pela primeira vez o roteiro, que é, essencialmente, o mesmo até hoje. No ano seguinte, ganhei o edital (além do BO, “O Som ao Redor” também foi contemplado pelo Hubert Bals Fund do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam, na Holanda). Obviamente, de lá para cá, o roteiro agregou muitas outras coisas, mas foi aquele primeiro esforço que deu início ao processo. Naquela primeira vez, ficou entre os 20 primeiros colocados e eu já tinha algo que podia segurar e dizer, ‘o roteiro do meu longa’. Isso é importante”.

Nascido no Recife, Kleber formou-se em jornalismo pela UFPE, é programador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e do Janela Internacional de Cinema do Recife, e crítico de cinema atento aos autores e às manifestações contemporâneas mais interessantes (e não apenas com as lançadas comercialmente por estas bandas). “Mas parei de escrever em 2010 para me dedicar a ‘O Som ao Redor’. Eu já contava 12 anos de ‘Jornal do Commercio’ e no meu site, o CinemaScópio. Foi bom parar. Estava me sentindo um pouco autômato, escrevendo industrialmente. Às vezes, dá uma saudade das cabines, mas sinto um alívio grande de não ter que ver tudo sempre. A cinefilia manifesta-se de outras formas. Adoro ver filmes em casa, no blu-ray, e ainda vou a festivais”.

Cinéfilo na direção 

Aliás, um mês antes do início das filmagens, Kleber estava em Cannes, onde viu cerca de 40 filmes. “Foi bom”, diz ele. “Na volta, fizemos muitas reuniões e passeamos detalhadamente pelo filme. Eu aproveitei também para mergulhar no cinema do Tarantino”. Tarantino? “Na verdade, os filmes de Tarantino não têm absolutamente nada a ver com qualquer coisa feita em ‘O Som ao Redor’. Ocorre que nesse período de preparação eu de fato sentei para rever todos os seus trabalhos por terem eles uma alegria real do filmar em cada cena. E isso é maravilhoso no cinema dele. Essa energia rara nos filmes de Tarantino é encantadora”, explica ele, ainda receoso em tecer outras afinidades cinematográficas. “Sobre referências mais diretas ao filme, acho que é cedo demais para discuti-las. Melhor ver o longa pronto”.

Comandada por Emilie Lesclaux, cofundadora da Cinemascópio (produtora criada inicialmente para produzir os filmes de Kleber e que, nos últimos anos, vem apostando em talentos como Tião, Marcelo Pedroso, Daniel Bandeira e Leonardo Sette), a base da produção era uma casa desocupada que seria preparada para demolição meses depois, no bairro de Setúbal. “Havia uma piscina por lá. Foram três meses inesquecíveis fazendo esse filme”, conta Kleber, que se cercou de amigos e tentou construir uma atmosfera tranquila no set. Ao todo, somavam cerca de 60 técnicos, além dos atores (Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, J.W. Solha, Irma Brown, Lula Terra) e de seus preparadores (Leonardo Lacca e Amanda Gabriel).

Uma alteração curiosa a ser observada é o fato da fotografia não ser assinada por Kleber, como ocorre em seus curtas. “Mas eu fazia a fotografia mais por questões de ‘pôr a mão na massa’ do que por uma crença nas minhas qualidades técnicas como fotógrafo”, explica o cineastas, que convidou Pedro Sotero para fazer as imagens do filme. “O Pedrinho, grande amigo, trouxe uma equipe excelente, com o Fabrício Tadeu como operador e o Gustavo Pessoa no foco. Foi muito bom. Filmamos em Techniscope 2.40:1 via duas perfurações no negativo 35mm com a Aaton Penelope. Prazer enorme. A estrutura maior de produção me deu essa experiência de trabalhar com colaboradores excelentes na imagem do filme. Eu quero sempre trabalhar assim, mas não descarto a possibilidade de, talvez num filme bem pequeno e em digital, voltar a pegar na câmera”.

Ao lado do montador João Maria, Kleber agora celebra um ano de montagem de “O Som ao Redor”. “Eu poderia passar mais um ano! Creio que estou ficando satisfeito. Mostro cenas para amigos, cortes, ouço reações, aprendo, descarto. Projeto o filme em HD, anoto coisas, erros, alterações, abrevio coisas, aumento outras. É um trabalho incrível”. Ao ser perguntado sobre a relação que este longa estabelece com os curtas, Kleber ainda se mostra receoso. “Se você filma em primeira pessoa pontos de vistas seus, é natural que seu trabalho gere familiaridades, pontos em comum, sem que passe a ideia de que você está se repetindo. Na verdade, eu também tenho curiosidade de saber que tipo de relação esse filme terá com meus curtas”. E para aqueles que o andam perguntando se “O Som ao Redor” será parecido com “Recife Frio”, Kleber adianta, não sem um certo mistério: “Não será!”

 

Por Julio Bezerra

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