Filmes do Caixote: novo cinema paulista

Nos dois últimos anos, o coletivo paulista Filmes do Caixote tem despontado no circuito cinematográfico por conta de seus dois primeiros e bem sucedidos longas. O primeiro, “Trabalhar Cansa” (2011), de Juliana Rojas e Marco Dutra, um drama familiar de classe média com tons fantásticos, estreou em Cannes e foi premiado nos festivais de Paulínia e de Brasília, entre outros, entrando no circuito comercial ainda em 2011. O segundo, “O que se Move” (2012), de Caetano Gotardo, composto por três histórias trágicas sobre a relação mães e filhos, com toques musicais, estreou em Gramado e foi exibido em vários outros festivais, com destaque para o prêmio de melhor filme na Semana dos Realizadores, no Rio de Janeiro. Além de Rojas, Dutra e Gotardo, participam efetivamente e ativamente do grupo João Marcos de Almeida e Sergio Silva, também diretores, tendo diversos outros colaboradores ao redor.

O Filmes do Caixote, vale frisar, não é uma produtora e sim um coletivo, uma assinatura. “Nenhum de nós tem talento para produção. Não somos produtores. Tentamos fazer antes, mas nunca foi para frente”, brinca Caetano Gotardo, ainda que João Marcos e Sergio Silva trabalhem na produção dos curtas que fazem sem apoios ou verbas incentivadas. Tampouco o que une os cinco é o interesse pela mesma temática ou maneira de fazer cinema. Cada diretor tem seu estilo dentro do grupo, ainda que trabalhem de algum jeito com reapropriações do cinema de gênero – fantástico, melodrama, musical, experimental metalinguístico etc. No Caixote, o mais precioso é a interlocução e a troca, uma forma de melhorar os filmes que fazem por ter várias pessoas discutindo-o ao longo do processo.

“Trabalhar Cansa”, de Marco Dutra e Juliana Rojas, o filme mais conhecido do Caixote, com prêmios importantes em festivais, foi lançado na mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes, em 2011

Coletivismo com cinco diretores e nenhum produtor

“Antes de escrever o roteiro, com a ideia inicial na cabeça, conversamos muito. Por exemplo, enquanto escrevia ‘O que se Move’ e veio a ideia das canções, falei logo com o Marco [Dutra], para saber para onde ir, qual caminho seguir, ter um feedback sobre aquilo”, aponta Caetano. “Em geral, todos lemos os roteiros dos filmes do Caixote, em alguma etapa, e vemos alguns cortes. Discutimos o que lemos/vemos e damos opiniões”, complementa João Marcos. “Mas não há reunião para discutir projetos, não é algo mecânico, as coisas vão fluindo de acordo com o processo e as afinidades. Convivemos muito e acabamos trocando experiências”, diz Marco.

Marcos Dutra comanda as filmagens de seu primeiro filme solo, “Quando Eu Era Vivo”, em fase de finalização, e deverá ser visto nos festivais este ano

Todos os cinco integrantes oficiais do Caixote são diretores. E também exercem muitas outras funções. Marco Dutra, por exemplo, além de diretor e roteirista de “Trabalhar Cansa”, é autor das músicas de “O que se Move” (ao lado do diretor do filme) e montador do curta “A Mão que Afaga” (2012), de Gabriela Amaral de Almeida, entre outros. Juliana Rojas também, além de diretora e roteirista de “Trabalhar Cansa”, é montadora de “O que Se Move”, por exemplo. Caetano Gotardo, roteirista e diretor de “O que se Move”, é, por sua vez, montador de “Trabalhar Cansa”, entre outras funções e filmes. Já João Marcos de Almeida, diretor e roteirista de, entre outros curtas, “A Bela P…” (2008) e “Eva Nil Cem Anos sem Filmes” (2009), tem feito o desenho dos letreiros e o pôster dos filmes do Caixote. E Sergio Silva, além de diretor de “Meu Amigo que Trabalhou com Manoel de Oliveira, que Fez 100 Anos” (2012), ao lado de João Marcos, fez assistência de direção de “Quando Eu Era Vivo”, longa de Marco Dutra em montagem, entre outros.

Sergio Silva, assim como João Marcos de Almeida, são os mais novos integrantes do grupo, batalhando para fazerem ainda seus curtas-metragens com ajuda dos amigos

A versatilidade dos integrantes permite maiores colaborações, nas diversas etapas do filme, trabalhando um nos filmes dos outros, e muitas vezes colaborando com associados do Caixote ou em outros projetos. Caetano, porém, faz uma ressalva. “Quando o filme começa a se concretizar, as pessoas são chamadas a integrar a equipe. Como as funções batem, é difícil os cinco estarem juntos no mesmo projeto”, avalia o diretor do curta “O Menino Japonês” (2009).

João Marcos de Almeida prepara uma trilogia de curtas para serem produzidos pela Dezenove, produtora de Sara Silveira, a serem realizados em codireçao com Sergio Silva

Muito por conta disso, o pessoal do Caixote mantém uma série de colaboradores, que, de tanto trabalharem juntos, são praticamente membros honorários do coletivo. É o caso do diretor de arte Fernando Zucolotto, do fotógrafo e diretor Matheus Rocha, do editor de som Daniel Turini, da diretora e roteirista Gabriela Amaral de Almeida, do diretor e assistente de direção Daniel Chaia, da continuista Carolina Ghidetti, entre outros.

Curta, longa, com ou sem dinheiro

Há quem diga que o curta-metragem é uma espécie de abre-alas para o longa-metragem, em que o realizador vai mostrar seu valor e também praticar e conhecer as demandas de se fazer um filme. Para o pessoal do Caixote, não é bem assim. Tanto Juliana Rojas quanto Caetano Gotardo fizeram curtas paralelamente à feitura de longas. Uma coisa não exclui a outra. “Não fazemos curtas para chegar ao longa, tudo faz parte da pesquisa artística. Tenho mais ideias do que produzimos. Queremos sempre trabalhar de novo uns com os outros e com os atores, mas tem uma questão de tempo. Como há muito trabalho a se fazer, cada vez mais acho importante tentar fazer pequenas coisas, mas que te coloca amarras. Tem que saber articular as duas coisas, as maiores e as menores”, pondera Juliana Rojas, que dirigiu os curtas “Pra Eu Dormir Tranquilo” (2011) e “O Duplo” (2012), paralelamente à feitura do longa “Trabalhar Cansa”.

“Tenho vontade de comprar uma dessas câmeras relativamente baratas e experimentar mais, brincar mais. Sinto falta disso”, comenta Caetano, que lançou, em 2012, “Os Barcos”, codirigido com Thaís de Almeida Prado.

Caetano Gotardo estreou no longa de ficção com “O que se Move” e prepara o roteiro do próximo filme, “Todos os Mortos” © Cauê Porto

João Marcos de Almeida e Sergio Silva, enquanto não ganham um edital, continuam tocando, na medida do possível, seus filmes. “Havia uma obsessão em cima do [cineasta português] Manoel de Oliveira e resolvemos que tínhamos que fazer esse filme, usando o mínimo de dinheiro, só para produção e sem pagar ninguém”, conta Silva sobre a origem de “Meu Amigo que Trabalhou com Manoel de Oliveira, que Fez 100 Anos”. Os filmes da dupla, em geral, têm esse trabalho com a pesquisa sobre história do cinema e sobre diferentes suportes de filmagem. Não à toa, ambos trabalham na Cinemateca Brasileira; Silva na programação e João Marcos na documentação.

Como tudo começou

Caetano, Juliana e Marco estudaram Cinema e Vídeo na ECA/USP e começaram a fazer trabalhos acadêmicos juntos, parcerias criativas. Filmes como “Concerto Número Três” (2004), de Marco Dutra, e “O Lençol Branco” (2004), de Dutra e Juliana Rojas, ambos filmados em 2002, já traziam esse prenúncio. “O Diário Aberto de R.” (2005), de Caetano Gotardo, também. “Havia uma vontade de fazer filmes e uma dificuldade em conseguir recursos. Achávamos importante identificar isso – meio como forma de reconhecer e continuar filmando, para exercitar, com meios e juntar todos”, conta Juliana a respeito do que os levou a se unirem sob um nome. Além dos três graduados pela USP, alguns amigos, com quem já trabalhavam ou tinham vontade de trabalhar, participavam das discussões. Eram os estudantes de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero Sergio Silva e João Marcos de Almeida e os profissionais do audiovisual do Rio de Janeiro João Cândido Zacharias e Gustavo Scofano.

Juliana Rojas, autora do nome do coletivo, prepara para dirigir sozinha seu primeiro longa-metragem “Seus Ossos, seus Olhos”. Este ano, roda o telefilme “Sinfonia da Necrópoli” © Fora do Eixo

O Filmes do Caixote surgiu, oficialmente, na virada de 2005 para 2006. O nome ‘Caixote’ veio de Juliana. “Não queríamos nada romântico. E um caixote é prático e simpático, onde você coloca as coisas e elas se juntam”, conta, meio sem saber explicar o por quê do nome. Seria ‘Caixote Filmes’. Caetano teve a ideia de inverter: Filmes do Caixote.
“Assim que oficializados, surgiu uma proposta concreta de fazermos exercícios cinematográficos”, conta Caetano. “Como filmávamos pouco, propus criar algo a partir de um provérbio novo, húngaro, que diz algo como ‘A pedra cai sobre o ovo, azar do ovo. O ovo cai sobre a pedra, azar do ovo’”, complementa. Cada integrante do grupo deveria dirigir um filme com esse provérbio como mote. Não foi o caso. De qualquer forma, assim surgiram os primeiros filmes oficiais do Caixote: “A Criada da Condessa”, de Juliana Rojas, “Perto do Bosque, numa Noite de Neve”, de Marco Dutra, e “Go or Go Ahead”, de João Cândido Zacharias.

“Eva Nil Cem Anos sem Filmes”, curta de 2009, dirigido por João Marcos de Almeida

Em seguida, veio uma leva de filmes feitos com editais: “Um Ramo” (2007), de Juliana Rojas e Marco Dutra, com a Dezenove Som e Imagens, “Vestida” (2008), de Rojas, feito com a Ioiô Filmes, e “Areia” (2008), de Caetano Gotardo, com a Bambu Filmes. Paralelamente, sem dinheiro, “Jurando que vi a Periquita” (2007), “A Bela P…” (2008), “Eva Nil Cem Anos sem Filmes” (2009), todos dirigidos por João Marcos de Almeida, “O Papel do Manto” (2009), de Sergio Silva, e “Um Sarau na Cama” (2008), de ambos.

João Cândido e Gustavo acabaram se afastando do Caixote, muito por conta de um distanciamento físico – moram no Rio de Janeiro. Atualmente, trabalham na direção e na criação da série televisiva “Música.doc”, em que não assinam Filmes do Caixote. Mas o contato com os outros cinco ainda é bastante grande e participam das interlocuções sobre roteiro e montagem. João Cândido, aliás, é o responsável pelo making of de “Quando Eu Era Vivo”.

“Meu Amigo que Trabalhou com Manoel de Oliveira que Fez 100 Anos” (2012), da dupla de curta-metragistas Sergio Silva e João Marcos de Almeida

Em 2010, o Caixote virou pessoa jurídica. Foi um jeito de oficializar o coletivo, com uma razão prática. Os integrantes começaram a realizar trabalhos paralelos que exigiam nota fiscal. A empresa Filmes do Caixote é, então, apenas uma prestadora de serviços, para produtoras que assumem a produção de seus filmes. A administração dos encargos da empresa cabe a Marco Dutra.

O que vem por aí

O pessoal do Caixote não para; são vários projetos, um atrás do outro. João Marcos de Almeida e Sergio Silva têm cada vez mais trabalhado juntos, muitas vezes dividindo direção e/ou roteiro. Sergio tem três projetos de curtas que tenta obter, há algum tempo, verba. Com produção da Dezenove, a trilogia seria composta por “Pudim”, “Febre” e “Café” – só o terceiro foi coescrito com João Marcos, mas os três devem ser codirigidos por ambos. Sergio também tem outros dois curtas que pretende filmar em breve, com pouco ou nenhum dinheiro: “A Vida do Fósforo Não é Bolinho, Gatinho” e “Todos os Caubóis Têm Olhos Chineses?”, ambos a serem produzidos e montados por João Marcos. A dupla tem também um projeto de longa, “Iracema Anagrama de América”, que está sendo escrito por ambos e que também devem dirigir juntos.

Marco Dutra, atualmente, está em processo de montagem (feita por Juliana Rojas) de seu segundo longa-metragem, dirigido só por ele, “Quando Eu Era Vivo”, uma adaptação do romance de Lourenço Mutarelli, “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa”. Com os habituais Marat Descartes, Helena Albergaria e Gilda Nomacce no elenco, somados a Antônio Fagundes e Sandy, o filme deve ficar pronto no primeiro semestre de 2013 – a estratégia de lançamento ainda está sendo discutida. “O longa surgiu de um convite do produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, dentro de um projeto de cinco filmes baratos, que deveriam ser feitos um atrás do outro, mas não foi bem assim”, comenta Marco. “Quando Eu Era Vivo”, a um custo aproximado de R$ 700 mil, é o segundo – o primeiro, “O Gorila”, de José Eduardo Belmonte, estreou no Festival de Rio de 2012.

Além disso, Marco está escrevendo três roteiros de longas. Com Caetano Gotardo, escreve “Todos os Mortos”, projeto contemplado no Edital de Desenvolvimento de Projeto do Fomento ao Cinema da Cidade de São Paulo, em 2012, primeira parceria de ambos como roteiristas e diretores. Com Juliana Rojas, toca “As Boas Maneiras”, uma fábula de horror que conta a história de um menino-lobo criado entre os homens, que promete seguir os passos dos filmes da dupla. “As Boas Maneiras” participou do programa de Residência do Festival de Cannes e do Laboratório Novas Histórias, do SESC/SENAC, em 2012, e já está em processo de captação. Ambos os filmes são produções da Dezenove. O terceiro, também com Juliana, está no começo: “Cidade; Campo”.

Caetano, enquanto apronta o lançamento de “O que se Move”, previsto para abril de 2013, com distribuição da Lume Filmes, ainda escreve o roteiro do longa “Seus Ossos e seus Olhos”. Já Juliana se prepara para dirigir dois filmes. O primeiro, a ser filmado no primeiro semestre de 2013, é o telefilme “Sinfonia da Necrópole”, que pretende transformar em longa para cinema, sobre um aprendiz de coveiro e uma nova funcionária que devem fazer o recadastramento dos túmulos abandonados. O segundo é um filme experimental, feito a partir do processo colaborativo com os atores, nominado “Wild Track”. Ambos os filmes são produções de Max Eluard, cuja parceria começou com Juliana montando algumas coisas para ele e com quem já realizou “O Duplo”.

 

Por Gabriel Carneiro

2 thoughts on “Filmes do Caixote: novo cinema paulista

  • 11 de abril de 2013 em 20:34
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    Olá, gostaria de saber como consigo entrar em contato com a galera do Filmes do Caixote. Quero apresentar alguns roteiros que tenho.
    Abraço.

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  • 24 de março de 2017 em 00:53
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    Estou a fazer um estudo sobre produções recentes do cinema brasileiro. Relativamente ao Filme “As boas Maneiras”
    Gostaria de perguntar quanto tempo duraram as filmagens, quando foi filmado e quanto tempo levou do inicio das filmagens até o filme estrear. A co-produção com França correu bem? O filme vai estrear em França?

    Muito obrigada.

    Maria.

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