Wagner Moura: o homem do futuro… do cinema brasileiro
Foi-se o tempo em que Wagner Moura era apenas ator. Em 2008, como nenhum diretor havia lhe convidado a viver Hamlet nos palcos, ele decidiu produzir a própria peça. Gostou tanto da experiência que dois anos depois, quando ele e o amigo José Padilha decidiram fazer a sequência de “Tropa de Elite”, foi Padilha quem o chamou ao desafio de produzir cinema. Envolveu-se com cada etapa do processo: captação de recursos, estudo das leis de incentivo, contato com o distribuidor, escalação do elenco e da equipe. “Os atores normalmente não se interessam por isso. Mas eu sempre quis saber como funciona o cinema, como cada uma daquelas peças se encaixa”. Como diria o Capitão Nascimento, missão dada é missão cumprida: “Tropa 2” tornou-se o recordista histórico de público e bilheteria entre os filmes brasileiros, com mais de 10 milhões de espectadores e R$ 100 milhões arrecadados.
Recentemente, ele apresentou ao público seu mais novo projeto como produtor: “Serra Pelada”, de Heitor Dhalia, história de cobiça no maior garimpo a céu aberto do Brasil, que Wagner define como “um filme de gângster sobre uma amizade posta à prova”. O projeto começou há seis anos. Inicialmente, Wagner viveria um dos protagonistas, Juliano, um garimpeiro que chega à Serra Pelada para fazer fortuna. A produção sofreu uma série de contratempos, como um financiamento que caiu de última hora. As filmagens, que seriam na própria região onde ficava Serra Pelada, foram transferidas para o interior de São Paulo. Wagner e os produtores iriam perder mais dinheiro se as filmagens fossem adiadas mais uma vez. Mas, na época, ele estava comprometido com “Fellini Black and White”, produção americana na qual viveria o cineasta italiano.
Sem o peso do protagonista, seu trabalho no filme, segundo ele, foi “99% como produtor”. Não se arrepende de ter perdido o papel. “Se eu tivesse feito, o Juliano (Cazarré) não teria feito. Hoje, eu nem consigo mais imaginar como seria aquele personagem sem ele.” Mas ele continuava inquieto sobre o outro 1%. Para não ficar de fora do elenco, aproveitou as inúmeras leituras do roteiro que já tinha feito com Dhalia para sugerir um personagem que ainda não estava na história. “Eu pensava que faltava incorporar a ganância, o grande tema do filme, num personagem forte”. Surgiu assim Lindo Rico, tipo estranho e calvo, que, além do ouro, cobiça a mulher fatal do garimpo, vivida por Sophie Charlotte. Ele aproveita para cobrir a colega de elogios. “Sophie está impressionante em cena. É o seu primeiro papel, mas tenho certeza que o cinema não vai querer largar ela nunca mais”.
Hollywood no Canadá e no México
Se os movimentos como produtor – e roteirista – lhe abrem novos horizontes, nas últimas semanas só se fala numa outra faceta de Wagner: a de ator de Hollywood. Ao lado de Alice Braga, ele brilha como um dos principais personagens de “Elysium”, a ficção científica do sul-africano Neil Blomkamp (“Distrito 9”) em cartaz nos cinemas. Sua atuação frenética e cheia de energia como Spider, o traficante de seres humanos que ajuda os pobres a chegarem à estação orbital do título, na qual vivem os ricos, arrancou elogios até do crítico da “Variety”, a bíblia do mercado cinematográfico americano.
Tudo começou há cinco anos, quando “Tropa 1” ganhou o Urso de Ouro em Berlim e fez sucesso no mundo todo. Wagner começou a ser cercado pelos agentes de “talents” em Hollywood. “Mas é muita besteira. Eles primeiro esperam o ator estourar e aí ficam assediando sem parar. Até que me procurou um sujeito que tinha outro papo. Ele tinha visto absolutamente todos os meus filmes. Conversamos muito por Skype e gostei do trabalho dele”. Até que aceitou seu primeiro convite para filmar no exterior.
Para as filmagens de “Elysium”, Wagner passou mais de dois meses em Vancouver, no Canadá, onde foi rodada a maior parte das cenas de estúdio, e mais duas semanas na Cidade do México. Como não era o protagonista, não faltava tempo livre entre uma cena e outra. “Cheguei a ficar uma semana inteira de bobeira em Vancouver. Ia ao cinema à tarde, saía para jantar com a Alice e o Adriano Goldman (diretor de fotografia que à época trabalhava no filme “Sem Proteção”, de Robert Redford). Às vezes, ficava andando pelo próprio set, vendo os outros atores gravarem. Em certos momentos, havia uma mistura de ócio, tédio e vontade de voltar pra casa”, conta.
No filme, Matt Damon é o protagonista, um trabalhador comum da Terra que se vê com a nobre missão de desprogramar o sistema de Elysium para que a estação aceite a entrada dos excluídos. E Jodie Foster é sua maior inimiga, a guardiã dos privilégios da elite fora da Terra. Com Jodie, Wagner não divide nenhuma cena – apenas se cruzaram no set e bateram papo algumas vezes. Em quase todas as cenas, contracenou com Matt. “Em Hollywood, ele tem a fama de ser um cara legal, e é mesmo. É um sujeito que tem uma vida discreta, não liga para essa besteira de celebridade. É muito malandro no set, sabe tudo desse tipo de cinema. Flui naquele ambiente de estúdio com a maior naturalidade. Foi uma experiência de total ‘brodagem’. Mas não fiquei com o telefone da casa dele”, brinca.
Wagner tem clareza na hora de comparar a estrutura de produção em Hollywood e nos filmes brasileiros no qual trabalha. “De um modo geral, é o dinheiro que faz a diferença. Tem menos a ver com a qualidade da equipe do que com a grana envolvida. Lá, se você estoura o tempo de filmagem, todo mundo vai receber hora extra e pronto. E a estrutura para o ator também é muito diferente. Lá, eles têm mais condições de tratar os atores muito bem.”
Hoje, Wagner conta com uma equipe que pode ajudá-lo a abrir portas em Hollywood, entre eles um advogado e o pessoal da UTA (United Talents Agency), um dos maiores escritórios de agenciamento de atores em Los Angeles. Mas tem os dois pés bem no chão. “Para eu voltar a filmar lá, duas coisas precisam acontecer: 1) eu querer muito entrar num projeto deles, e 2) eles quererem que eu faça parte desse projeto. Se as duas coisas não baterem, posso passar mais cinco anos sem fazer filme fora do Brasil. Numa boa.”
Na hora de falar sobre as portas que “Elysium” pode abrir em sua carreira, é o Wagner com cabeça de produtor que volta a falar. “A melhor coisa pra mim e pra Alice é o filme bombar aqui no Brasil mesmo. Porque aí eles lá em Hollywood perceberiam que a gente tem potencial de aumentar a bilheteria de um filme deles fora dos EUA.” O filme já fez mais de 1,5 milhão de espectadores.
Berlim e o desafio de dirigir um filme sobre Marighella
Um dos projetos recentes que mais lhe dá orgulho é “Praia do Futuro”, próximo longa do cearense Karim Aïnouz, no qual Wagner vive um salva-vidas que sai da sua Fortaleza natal e, por conta de uma paixão, muda-se para Berlim a fim de se reinventar. O filme deve estrear em fevereiro de 2014 no Festival de Berlim. Para rodá-lo, Wagner passou dois meses filmando na capital alemã e levou junto a mulher e os três filhos. O pior foi encarar um frio que chegou a 17 graus negativos. Assim como em “Elysium”, sua saúde frágil não aguentou, e teve que encarar uma gripe forte. Mas a experiência compensou. “Karim é um daqueles cineastas raros que quer fazer muito mais do que um filme correto. Ele consegue unir duas grandes qualidades: tem um senso estético muito apurado e é um cavucador da humanidade dos seus personagens”.
Em “Praia do Futuro”, ele contracena com o ator alemão Clemens Schick, que participou de filmes como “Círculo de Fogo” e “007: Cassino Royale”. Gostou tanto do trabalho do colega “gringo” que o convidou a participar de sua primeira empreitada como diretor: um episódio de “Destino BA”, continuação de “Destino SP” e “Destino RJ”, que a produtora O2 Filmes, de Fernando Meirelles, produz para o canal HBO. Rodará em Salvador – além de Clemens, apenas com atores baianos.
Para o ano que vem, o grande desafio será o seu primeiro longa como diretor no cinema: a biografia de Carlos Marighella, adaptada do livro “Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, de Mario Magalhães. Não sabe se seu estilo como diretor estará mais próximo de Aïnouz, Dhalia, Walter Salles ou Padilha. “Só me proponho a dirigir um filme agora porque aprendi muito com eles. São experiências que vão se juntando em você. Mas não tenho a menor ideia ainda de que tipo de diretor eu vou ser”. Ele está montando um grupo de pesquisa para colher mais informações sobre o guerrilheiro, baiano como ele, morto numa emboscada em São Paulo durante o regime militar em 1969. O roteiro será de Sérgio Machado (“Cidade Baixa”), com consultoria de Bráulio Mantovani (“Tropa” 1 e 2), e enfocará apenas os últimos seis anos da vida de Marighella.
Nenhum ator do elenco foi definido ainda. Já havia uma expectativa de que Wagner usasse a força de sua imagem como ator para reforçar o mito Marighella e encarnar o personagem na frente das câmeras. “Mas já decidi que não vou fazer isso. Marighella era alto, mulato e tinha 20 anos a mais que eu quando morreu. Pensei nisso, mas mudei de ideia conversando com o Diego Luna (ator mexicano de “E sua Mãe Também”, com quem contracenou em “Elysium”). Ele acabou de dirigir o seu segundo longa-metragem e me deu esse conselho: o desafio da direção já é muito grande; é melhor não misturar as coisas”.
Padilha e asa-delta
Um dos seus próximos projetos para os próximos meses é reencontrar o amigo José Padilha em um dos segmentos do longa coletivo “Rio, Eu Te Amo”. O roteiro ainda não está pronto, mas a ideia promete: um casal à beira da separação pula junto de asa-delta enquanto discute a relação. “Mas o Padilha agora está mergulhado nas projeções-teste do ‘Robocop’ lá em Los Angeles. Vamos esperar um pouco.”
Os projetos são variados, mas ele não tem dificuldade em definir um propósito que une todos os projetos no qual mergulha. “Quero sim que tudo o que eu faço atinja um número grande de pessoas. Quero desfazer uma certa ideia de que tudo o que faz sucesso no Brasil hoje tem que ser bobo. Fico feliz quando as pessoas vão ver um blockbuster como ‘Elysium’ e saem discutindo temas como imigração ilegal”.
E o produtor volta a falar quando o assunto é o atual cinema brasileiro, com seus filmes de autor que raramente ultrapassam os 50 mil espectadores e as comédias globais de apelo popular que fazem mais de um milhão de público. Poucos filmes ficam numa faixa intermediária – foi o caso de seu drama “A Busca”, de Luciano Moura, lançado em abril, que fez 350 mil espectadores. Num filme de tom mais melancólico, o nome de Wagner contribuiu para levar mais gente às salas. “Essa dicotomia entre filmes de autor e comédias da Globo Filmes é bizarra, desnecessária. Precisamos produzir mais filmes do meio. Sei que nós temos esse passado de cinema rebelde que nos glorifica, mas hoje não podemos ter medo do mercado. Não tem que ter vergonha de vender os filmes. Mercado ainda é uma palavra proibida no nosso meio, quando na verdade é o grande fomentador do cinema. Quanto mais filmes a gente produzir e quanto mais conseguir vender, aqui dentro e lá fora, melhor”.
Na frente ou atrás das câmeras, atuando, produzindo ou escrevendo, Wagner parece ser uma das figuras mais habilitadas hoje a fazer o cinema brasileiro chegar lá.
Por Thiago Stivaletti
Bom texto. Parabéns ao jornalista.
Acabei de falar para meu filho que Wagner foi catapultado para o sucesso graças ao seu espirito, como excelente ator e, por estar se envolvendo com excelentes diretores. Independentemente de sua força interior de querer mais e mais. Não tem preço e isso é coisa de quem vai muito longe. Ele fala a coisa de forma correta, precisamos somar, não interessa se o filme é de Xuxa ou proveniente do Ceará, o negócio é somar. Somar é formar equipes, desenvolver profissionais e colocar a cabeça prá fora. Mesmo que, não tenhamos salas nos shoppings centers para veícular nossos filmes nacionais…Acho que ele está no caminho certo, agora, não deve entrar em correrias e achar que tudo onde ele colocar a mão, vai dar certo. Por acaso, o cinema nacional produziu recentemente um filme “Mariguella”, produzida pela sua sobrinha. Que, por sinal foi muito bom e , embora fosse documentário, foi feito de forma moderna e interessante. Não que com isso, poderia sufocar sua pretensa produção, mas acho que, Mariguella, embora um personagem forte e muito interessante, não tem traços jovial para representar uma outra versão que não a documental, para fazer frente a já realizada.Tudo bem…Mas, este é o meu pensamento. Acredito que ele, com toda esta carga positiva e poderoso (no sentido honesto e bem intencionado) deveria dirigir este poder para outro tipo de produção. Caso, ele não pense em recriar o mito, como um herói nacional, disponho de um outro argumento, desculpe, mas sem nenhuma pretensão, que posso repassá-lo como um fato histórico que para mim, é lógico, muito interessante como fato histórico e politico nacional…Vamos em frente. Acredito que o momento é de busca e realização intensa…dispomos de massa cultural humana para fazer frente a todos as necessidades e correrias para a realizações, mesmo com custos apertados, pois dispomos da verdadeira capacidade de improvisação artística e intelectual…Axé Wagner…