Personagem-câmera

Além do aprendizado, a EICTV (Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños, Cuba) permitiu a Gustavo Vinagre conhecer melhor uma parte de Cuba. Foi numa caminhada ao Pueblo Têxtil, povoado próximo, que conheceu Lázaro Escarze, um cubano revolucionário de 87 anos. Assim nasceu o curta “La Llamada”, premiado como melhor direção em Gramado, entre outros acumulados em festivais como Olhar de Cinema e Kinoforum.

A ideia de Vinagre era experimentar o documentário. Com uma camereta cybershot, interessou-se em gravar Lázaro e sua loja estatal de verduras que quase não tinha nada para vender. Passou a visitá-lo todos os dias, buscando conhecê-lo a partir da câmera. “Ele sentia necessidade de falar com a câmera e de contar suas histórias. Aos poucos, fui percebendo que além do autodesafio, o personagem me interessava muito pela sua postura política e ideológica, e por isso estava acima, muitas vezes, das suas relações familiares até. E mesmo isso me chocando, e admirando de alguma maneira, também havia muita doçura nele, e era impossível não criar empatia”, comenta Vinagre, que gravou 40 horas de material. Como as gravações estavam repletas de falhas técnicas, o cineasta, já no Brasil, após estrear seu documentário “Filme para Poeta Cego” (2012), sobre Glauco Mattoso, voltou a Cuba para recriar a história com Lázaro a partir do que havia captado.

Feito na camaradagem, com colegas que continuavam estudando, a um gasto de R$ 10 mil, “La Llamada” é falado em castelhano e filmado em P&B. Vinagre acompanha o dia a dia de Lázaro em sua venda, enquanto aguarda a instalação de um telefone. As possibilidades que virão com o aparelho o angustiam e é nesse ponto que Vinagre enfocará. “A comunicação é um tema difícil em Cuba. Nesse povoado ninguém tinha telefone, até bem pouco antes das filmagens. E tem a questão da ligação de Cuba com os EUA, a ligação do pai com o filho, a ligação dos cubanos que ficaram e dos que foram”, comenta o diretor, que dirigiu o personagem, mas deu bastante espaço para a espontaneidade dos eventos. Justamente numa indução textual do diretor, inclusive, que o filme se destaca, ao ser posteriormente questionado pelo personagem.

Enquanto “La Llamada” roda em festivais pelo Brasil e pelo mundo, Vinagre estreia o média “Nova Dubai” na Semana dos Realizadores e prepara o documentário “Vil, Má”, sobre a escritora Wilma Azevedo, e a ficção “Felis Domesticus”.

 

Por Gabriel Carneiro

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