Mulheres do cinema latino-americano se reúnem em São Paulo

As cineastas hispano-americanas Lucrécia Martel (Argentina), Mariana Rondón (Venezuela), Paz Encina (Paraguai), Marialy Rivas (Chile) e a atriz Magaly Solier, representando Claudia Llosa, do Peru, se somarão às brasileiras Lúcia Murat, Tata Amaral, Laís Bodanzky e Anna Muylaert para, a partir desta quarta-feira, 21 de setembro, até 10 de outubro, mostrar seus filmes e participar de ciclo de debates cujo tema principal é “O Posicionamento da Mulher Latino-Americana no Mercado Audiovisual”.

A Mostra Mulheres em Cena, que tem curadoria da brasileira Andrea Armentano e da argentina Sofia Torre, acontecerá no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro de São Paulo, e apresentará 18 longas que se destacaram em seus países de origem e tiveram repercussão em festivais internacionais. Muitos deles foram lançados comercialmente em países europeus e tiveram público significativo no circuito de arte.

O pesquisador Luiz Felipe Miranda, autor do “Dicionário de Cineastas Brasileiros” e organizador (com Fernão Ramos) da “Enciclopédia do Cinema Brasileiro” comprova, com dados, a efervescência contemporânea da produção feminina em nosso audiovisual. Ele lembra que, ao lançar seu “Dicionário”, em 1990, “contávamos com apenas 35 cineastas mulheres”. Três delas, Maria Helena Saldanha, Anna Penido e Helena Salem, não ganharam verbetes, as outras 32, sim”. Naquele tempo – relembra – “não havia internet. Tudo era feito no muque, pesquisando fichas dispersas em várias instituições (bibliotecas, cinematecas, museus, arquivos, centros culturais e na Embrafilme)”.

Hoje, com a ampla difusão do audiovisual brasileiro no espaço digital, as pesquisas de Miranda ganharam alcance infinitamente maior. Ele calcula que “estejamos chegando ao número de 300 realizadoras (num universo de dois mil cineastas) com pelo menos um longa-metragem em suas filmografias”.

O pesquisador faz, porém, preocupante constatação: se a produção feminina vive momento animador, o mesmo não se passa na produção de diretores afro-brasileiros. “Um dado triste nos chega quando consultamos o belíssimo livro ‘O Negro Brasileiro e o Cinema’, de João Carlos Rodrigues, lançado em 1988, reeditado em 2001 e 2014”. Mesmo, “com todo esforço do talentoso pesquisador” e de algumas políticas públicas para o segmento, o número de realizadores e realizadoras negros não aumenta.

Creio” – calcula Miranda – “que ainda não chegamos ao número de 20 diretores. No meu livro, coloquei todos que encontrei, mas são muito poucos”. A mostra Mulheres em Cena vai debater, também, o tema “O Posicionamento da Mulher Negra no Mercado Audiovisual” (sexta-feira, 30 de setembro).

Cinema no feminino

No Brasil, a cineasta Anna Muylaert viveu, nos dois últimos anos, o ponto máximo de sua carreira. Viu dois de seus filmes – “Que Horas Ela Volta?” e “Mãe Só Há Uma” – serem exibidos no Festival de Berlim e fazerem carreira significativa nos cinemas. O primeiro, protagonizado por Regina Casé, vendeu 500 mil ingressos no mercado interno e foi vendido para vários países. “Mãe Só Há Uma” teve alcance de público bem menor (35 mil espectadores), mas conquistou o Teddy Bear, o urso “gay”, em Berlim, e chegou a alguns mercados europeus.

Na Argentina, Lucrécia Martel, que terá dois de seus filmes exibidos na mostra (o seminal “O Pântano” e o inquietante “A Mulher sem Cabeça”) segue em alta. Ela acaba de filmar “Zama”, coprodução entre seu país e o Brasil, com Matheus Nachtergaele no papel de antagonista. A parte brasileira do filme, traz o crédito de Vânia Catani, da Bananeira Filmes, uma de nossas profissionais mais interessadas no intercâmbio audiovisual com países da América Hispânica.

Do Peru, a mostra Mulheres em Cena recebe a atriz Magaly Solier, que representará a cineasta Claudia Llosa, prima do escritor Maria Vargas Llosa e vencedora do Urso de Ouro em Berlim com “A Teta Assustada”. O filme, que tem Magaly como protagonista absoluta, foi lançado comercialmente no Brasil, fato raro para uma produção peruana.

A atriz aproveitará sua passagem por São Paulo para lançar seu novo filme, “A Passageira” (“Magallanes”). Nele, ela divide o protagonismo com o ator mexicano Damián Alcázar. “A Passageira” tem direção do ator Salvador del Solar, intérprete do militar Pantaleão de “Pantaleão e as Visitadoras”, um dos maiores sucessos da história do cinema peruano (Francisco Lombardi, 2000). Outro filme de Claudia será exibido na mostra brasileira: “Madeinusa” (como se vê, o nome da personagem vem de “made in USA”, marca que define a origem de uma infinidade de produtos exportados pelos Estados Unidos da América).

A venezuelana Mariana Rondón tem duas joias em sua filmografia: “Postais de Leningrado”, que venceu o Cine Ceará, e “Pelo Malo”, lançado com sucesso no Brasil pela Esfera, a mesma distribuidora de “A Passageira”.

A paraguaia Paz Encina ganhou prestígio internacional com “Hamaca Paraguaya”, programado pela mostra. Em clima de realismo poético, ela constrói narrativa rarefeita, recomendada a quem gosta de filmes mais contemplativos. Já a chilena Marialy Rivas prefere o mundo contemporâneo e pop (seu “Jovem e Aloucada” foi lançado comercialmente no circuito de arte brasileiro).

Há que se lamentar, na mostra, a ausência da uruguaia (radicada na Bélgica) Beatriz Flores, diretora de “En la Puta Vida”, o maior blockbuster da história do cinema de nosso vizinho platino. O filme vendeu 150 mil ingressos (num país de apenas 3 milhões de habitantes). Para se ter ideia do peso deste dado, há que se lembrar que o segundo filme uruguaio mais visto foi “O Banheiro do Papa”, de Enrique Fernández e César Charlone, com 80 mil espectadores.

A representação brasileira, em Mulheres em Cena, tem quatro nomes de ponta: Anna Muylaert, Tata Amaral, Laís Bodanzky e Lúcia Murat. A mostra ganharia ainda mais peso se Flávia Castro representasse a vertente documental de nosso cinema, com “Diário de uma Busca”. Até porque ela representou o Brasil (junto com Eryk Castro) em significativo filme pan-americano, o longa em episódios “A Aula Vazia” (do qual Lucrécia Martel também participa). Como a curadoria pautou-se por “recorte geracional”, ficaram de fora as veteranas Suzana Amaral, Ana Carolina, Tizuka Yamasaki e Helena Solberg.

Debates com o público

Para completar a programação, a mostra também promoverá mesas de debates entre as cineastas convidadas e profissionais- mulheres do audiovisual, buscando diálogo aberto com o público a respeito do posicionamento da mulher no mercado audiovisual.

As curadoras Andrea Armentano e Sofia Torre lembram que a mostra Mulheres em Cena, além de “promover intercâmbio cultural entre os países latino-americanos”, dá destaque ao cinema sob a perspectiva do olhar feminino. “As cineastas selecionadas para a mostra pertencem à mesma geração”, circunstância que “proporciona um diálogo entre seus trabalhos”.

E destacam a riqueza temática dos filmes selecionados. “As realizadoras lidam com assuntos como a diversidade sexual, a discriminação da mulher, devoção religiosa, contextos políticos e sociais”. Por isto, “permitem ao espectador ampla e complexa visão da realidade latino-americana”.

A programação completa da mostra pode ser conferida no site www.bb.com.br/cultura.

 

Mostra Mulheres em Cena
Data: 21 de setembro a 10 de outubro
Local: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo – Cinema (70 lugares) – Rua Álvares Penteado 112, Centro – São Paulo (próximo às estações do metrô Sé e São Bento) – (11) 3113.3651/52
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia)
Acesso e facilidades para deficientes físicos, Cafeteria Cafezal
Estacionamento conveniado: Estapar (Rua Santo Amaro, 272 – R$ 15,00 pelo período de 5 horas). Necessário validar o ticket na bilheteria do CCBB. Transporte gratuito até as proximidades do CCBB – embarque e desembarque na Rua Santo Amaro, 272  e na Rua da Quitanda, nas proximidades do CCBB. No trajeto de volta: parada no Metrô República.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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