Os desafios da formalização do mercado audiovisual
Ao longo dos últimos dez anos, o mercado audiovisual brasileiro passou por grandes modificações, tendo atraído maior número de profissionais atuantes e especializados no mercado e incentivado a formalização das atividades econômicas. O investimento no setor audiovisual tem crescido e mais obras audiovisuais vêm sendo produzidas. Este aumento na produção decorre, principalmente, das exigências da legislação (Lei Federal 12.485/2011) que determina o cumprimento de cotas por obras brasileiras e brasileiras independentes na programação dos canais de acesso condicionado (PayTV), que tem gerado crescente afluxo de recursos para a produção audiovisual nacional.
Consequentemente, o crescimento vertiginoso da atividade econômica do audiovisual tem provocado maior interesse dos órgãos arrecadadores estatais. Nesse sentido, o maior controle da atividade pelas autoridades fazendárias determina a necessidade de maior formalização da atividade econômica do audiovisual, a fim de atender a legislação tributária e as normas contábeis brasileiras.
Com maior rigor na fiscalização pelos órgãos arrecadadores e em função de maior controle pela ANCINE dos processos de prestação de contas dos projetos audiovisuais financiados com recursos públicos, os profissionais especializados do mercado obrigam-se a emitir documento fiscal comprobatório em contrapartida aos recebimentos de suas receitas, a fim de comprovar correta utilização dos recursos incentivados.
No âmbito tributário, as principais demandas do setor audiovisual residem em questões relativas ao financiamento de suas obras, à tributação sobre as atividades de produção audiovisual e sobre o resultado decorrente da exploração das obras produzidas.
No desenvolvimento dos serviços de produção, é importante destacar que essa atividade não consta da lista anexa de serviços da Lei Complementar 116/2003, em razão de veto presidencial que excluiu da lista final a incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre as atividades de produção audiovisual.
Por sua vez, em relação às receitas de produtoras que decorrem da atividade de licenciamento de obras audiovisuais próprias, não há a incidência do ISS pelo fato de que essa atividade não é considerada “serviço” e sim locação de bem móvel, por força do que determina o Artigo 3º da Lei de Direitos Autorais (Lei Federal 9.610/1998), ao equiparar os direitos autorais a “bem móvel”.
A atividade de licenciamento de obra audiovisual é considerada locação de bem móvel, não estando sujeita à incidência do ISS e, portanto, não enseja a emissão de qualquer tipo de nota fiscal de serviços, devendo ser utilizada para a sua documentação e contabilização a emissão de recibo.
Com relação aos fluxos de financiamento, no caso dos fluxos com recursos públicos oriundos do Fundo Setorial do Audiovisual, o regulamento geral do FSA determina que o produtor deve apresentar documento comprobatório com relação a todas as receitas auferidas em decorrência da exploração de obras audiovisuais.
Contudo, apesar do regulamento do FSA entender como documentos comprobatórios os contratos de licenciamento das obras audiovisuais (Item 42 do regulamento do FSA), nos últimos editais do FSA, como a Chamada Pública PRODAV 06/2016, por exemplo, estão sendo exigidos, como documento comprobatório das receitas auferidas em decorrência da exploração de obras audiovisuais, as notas fiscais, ou informações referentes a estas como meio para comprovação de atividades comerciais.
Ora, não havendo prestação de serviços, não há que se falar de emissão de Nota Fiscal. A emissão de Nota Fiscal é uma obrigação assessoria à prestação de serviços ou à circulação de bens, o que não ocorre na operação de licenciamento, equiparável a um aluguel de Bem Móvel, como visto anteriormente.
Nesta hipótese, portanto, o documento hábil a ser emitido é um Recibo Simples. Importante apontar que o recibo, desde que demonstrada sua idoneidade, é um documento fiscal hábil, que deverá conter os dados do pagador e do recebedor para ser considerado válido, assim como a descrição da natureza do pagamento efetuado.
Observa-se, assim, que a prática adotada atualmente referente à emissão de notas fiscais para o licenciamento de obras audiovisuais precisa ser revista pelos players de mercado, seus fomentadores e pelo órgão fiscalizador, sendo indispensável o alinhamento com os órgãos fiscais dos municípios, para que o licenciamento de obras audiovisuais passe a ser realizado em conformidade com a legislação vigente, em especial a tributária e as normas contábeis, a fim de trazer mais transparência e segurança jurídica aos participantes do mercado audiovisual nacional.
Por Gregory Becher, advogado do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados | www.cqs.adv.com.br