O novo “Morango e Chocolate” cubano chega aos cinemas brasileiros

“Últimos Dias em Havana”, um novo e raro filme cubano, chega ao circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira, 24 de agosto. Seu diretor, Fernando Pérez, de 72 anos, discípulo de Tomás Gutiérres Alea (1928-1996), é o maior cineasta vivo de Cuba.

Neste longa-metragem, o nono em sua carreira, iniciada no documentário, Pérez dialoga com um dos filmes mais conhecidos da Ilha, “Morango e Chocolate”, de Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlo Tabío, realizado em 1995, e vendido para quase cem países.

“Últimos Dias em Havana” centra-se em dois personagens, um homossexual (Diego, mesmo nome de Jorge Perugorría, em “Morango e Chocolate”) e um hetero (Miguel), diferentes em tudo e obrigados a conviver num cortiço no bairro pobre de Centro Habana.

Para interpretá-los, o cineasta escalou dois grandes atores cubanos: Patrício Wood, de 55 anos, e Jorge Martínez, 54. Wood interpreta o amargurado Miguel, lavador de pratos num restaurante, que aguarda visto para migrar rumo aos EUA. A Martínez, famoso por papéis cômicos, coube o luminoso Diego, soropositivo em fase terminal, imobilizado na cama, mas louco pela vida, por sua gente e por um muchacho apelidado P4 (por acumular três nomes iniciados com a letra pê e um órgão sexual avantajado).

Patrício e Martínez passaram pelo Cine Ceará, festival em que o filme conquistou três prêmios (melhor direção, melhor fotografia, para o craque Raúl Pérez Ureta, e o “Olhar Universitário”, este atribuído por estudantes da Universidade de Fortaleza). Os dois atores derramaram simpatia e interesse pelo Brasil, deram respostas consistentes e sinceras aos jornalistas durante o debate do filme e ministraram masterclass (O Novo Cinema Cubano) na Escola Porto Iracema.

Quem mais causou espanto foi Jorge Martínez, pois confessou que grave problema de saúde (câncer no pulmão) quase lhe tomou a vida. “O que o meu personagem vive no filme” – explicou – “eu vivi nos últimos anos. Submeti-me a tratamento químio e radioterápico e perdi um pulmão. Fiquei entre a vida e a morte. Olhava para minha filha pequena e pensava: não vou vê-la crescer”. Mas – contou, cheio de gratidão, “um médico cubano me salvou a vida e segue me acompanhando em exames periódicos”. Ele que, além de ator, é apresentador na TV cubana, passa longas horas em estúdios animando gravações musicais.

Martínez fez outra revelação: “aquele balão de oxigênio que Diego usa nos momentos de dores agudas é meu. Levei de casa para o estúdio de filmagem”. E concluiu: “minha doença causou comoção em Cuba, pois os telejornais acompanhavam minha luta pela vida. Creio que isto influiu em Fernando Pérez na hora de me escolher para o papel, pois ele testou grandes atores, muito mais experientes do que eu”.

Patrício, filho de um dos maiores atores de Cuba, o veterano Salvador Wood, 88 anos – visto em dezenas de filmes, entre eles o soviético “Soy Cuba”, de Kalatozov, e “Morte de um Burocrata”, de Alea – não passou por agruras semelhantes às de seu colega de elenco. Mas, para quem goza de imensa fama na Ilha por ter interpretado um jovem revolucionário em “O Brigadista” (Otávio Cortázar, 1978, Urso de Prata em Berlim), foi curioso interpretar um dissidente. Seu personagem só tem um objetivo na vida: deixar Cuba rumo a qualquer cidade, desde que seja norte-americana. Ele não sabe nadar, nem falar inglês. Dedica todos os seus momentos livres a cuidar (com impaciência) de Diego, a praticar natação e a ouvir fitas com aulas no idioma de Hollywood. Indicadores de que, se o visto lhe fosse negado pelo governo dos EUA, assumiria a condição de “balsero” (dissidente cubano que parte em balsas precárias rumo a Miami).

Os dois atores contam que os produtores espanhóis de “ Últimos Dias em Havana” (a poderosa Wanda Visión) queriam “um filme que evocasse ‘Morango e Chocolate’ vinte anos depois”. Afinal – perguntavam – o que teria acontecido aos personagens de Jorge Perugorría e Vladimir Cruz, passadas duas décadas? E assim agiam por acreditar que o público espanhol e de outros países gostaria de conhecer um desdobramento do maior sucesso comercial da história cubana (pelo menos no mercado externo).

“Fernando Pérez” – testemunham Patrício e Martínez – “chegou até a testar Jorge Perugorría e Vladimir Cruz para os papéis de Diego e Miguel”. Mas convenceu os produtores a apostarem em projeto que evocasse sutilmente o grande filme de seu mestre Titón (assim os cubanos chamam carinhosamente o maior cineasta de sua história). E os produtores cederam. Afinal, Pérez dispõe de currículo dos mais respeitáveis e assina ótimos filmes, como “Hello, Hemingway”, “Madagascar”, “Suíte Havana”, além de ter dirigido um blockbuster cubano, o thriller político “Clandestinos” (1987).

Só dois aspectos foram preservados no novo filme: o nome do homossexual Diego e o embate entre dois personagens muito diferentes tanto no campo da sexualidade, quanto na forma de encarar a vida.

“Fernando Pérez” – contou Patrício – “preferiu selecionar, de cinco histórias recebidas do escritor Abel Rodríguez, a que lhe pareceu mais cinematográfica. E foi esta que ele filmou, para nossa alegria, já que nossos papéis são muito bons, um presente para qualquer ator”.

O resultado agradou e o filme vem colecionando participações em festivais. Ganhou o Prêmio Especial do Júri, em Havana, participou da seleção oficial do Festival de Berlim, foi eleito o melhor filme no Festival de Málaga/Espanha, passou por Guadalajara, pelo Festival de Cinema Latino em Nova York e pelo Cine Ceará. Em breve, vai competir no Festival de Viña del Mar (5 a 9 de setembro), no Chile.

Os dois atores, que vivem em bairros de classe média na aprazível capital cubana, familiarizaram-se com os cortiços de Centro Habana, principal cenário do filme. Lá conviveram com pessoas cujas imagens Fernando Pérez registrou, junto com seu notável fotógrafo (o veterano Raúl Pérez Ureta), em busca de pegada documental, marca de seus filmes. São envolventes e reveladoras as inserções documentais (com gente do povo mirando a câmera e, por extensão, o espectador) de “Últimos Dias de Havana”. Elas imprimem duro realismo à narrativa.

Como a maioria dos filmes de Pérez, seu nono longa-metragem (ele dirigiu ainda quatro curtas e médias) resulta em um drama crítico e pouco esperançoso, mas, paradoxalmente, amoroso com sua gente e seu país. A sequência final, tomada por imagens invernais, constrói dolorosa metáfora dos caminhos trilhados por um dos personagens.

A trilha sonora de “Últimos Dias em Havana” é mínima. Pérez prefere silêncios ou som ambiente. A não ser que seus personagens gostem de cantar. E isto acontece com a jovem interpretada por Gabriela Ramos, descoberta do diretor, que interpreta a sobrinha maluquinha do homossexual Diego. Adolescente, miúda e frágil, ela quer porque quer ser mãe. Tem a maternidade como vocação privilegiada. Batizará os três filhos com os hilários nomes de Mowgli, Pocahontas e Avatar.

Ao dormir, certa noite, no apartamento do tio, preso na cama pelo agravamento da Aids, ela cantará para ele um clássico da canção latina, “Contigo en la Distáncia” (gravada inclusive por Caetano Veloso, em “Fina Estampa”). Bela voz, belo instante. Mas, a música invadirá para valer o filme em outro momento, o dos festejos de Reveillon. Miguel, que em breve partirá para os EUA, dirige-se a uma “tienda” para comprar chocolates. A loja toca, em último volume, uma espécie de funk erótico chamado “Chupa Pirulim” (chupa pirulito). Não falta humor a este filme de Pérez. Até porque o homossexual Diego enfrenta as agruras da vida com tiradas mordazes e irônicas, capazes de deixar o sisudo Miguel em estado de total desconforto.

Os dois atores contam que Fernando chegou a pensar em dar ao filme o nome de “Chupa Pirulim”. Mas nem os produtores espanhóis aceitaram tamanha (e tão debochada) ousadia. Preferiram o preciso e envolvente “Últimos Dias em Havana”. Para alegria da distribuidora Ana Luiza Beraba, da carioca Esfera Filmes.

A brasileira comprou “Últimos Dias em Havana”, para lançamento em nosso circuito de arte, durante o Festival de Guadalajara, em março último. E o fez por ter descoberto e se apaixonado pelo novo cinema cubano quando assistiu a outro filme do diretor, “La Vida es Silbar” (1998). Hoje, ela e sua distribuidora acumulam 50 títulos em acervo. Destes, 20 são latino-americanos. Ana Luiza destaca um de seus últimos lançamentos a ter boa aceitação no circuito de arte brasileiro: “Numa Escola de Havana” (“Conducta”, de Ernesto Daranas). Mesma aceitação que ela espera para “Últimos Dias em Havana”. E arremata; “o público gosta de filmes que trazem cidades em seus títulos: Paris, Nova York, Roma, Madri, Moscou, Havana. Estes nomes são marcas fortes.”

 

Por Maria do Rosário Caetano

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