Vencedores da Mostra SP 2018
Por Maria do Rosário Caetano
O documentário “As Sandinistas”, da norte-americana Jenny Murray, foi o vencedor do Troféu Bandeira Paulista de melhor filme da 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O júri, que analisou doze filmes de ficção e documentais (oriundos de diversos países, sendo quatro brasileiros) atribuiu menção especial a “Sócrates”, produção santista, do norte-americano Alex Morato, filho de mãe brasileira.
“As Sandinistas” registra, com vigor e paixão, o papel desempenhado por mulheres guerrilheiras na Revolução (e pós-Revolução) Nicaraguense, destacando especialmente Dora Maria. A jovem, de arma em punho, ocupou o terceiro lugar no comando do assalto ao Palácio Nacional (junto com Eden Pastora, o Comandante Zero, e Hugo Torres), importante episódio da luta revolucionária.
“Sócrates”, produção do Instituto Querô, coletivo audiovisual da Baixada Santista, foi integralmente rodado na cidade de Santos, no litoral paulista. Seu protagonista não é filósofo, nem craque de futebol, mas sim um adolescente negro que, sozinho no mundo, após a morte prematura da mãe, enfrentará dura luta pela sobrevivência. Terá que enfrentar, não só a pobreza, mas também a violência, o racismo e a homofobia.
O Prêmio Petrobras coube a dois filmes dirigidos por mulheres: Eliane Coster assina “Meio Irmão” e Susanna Lira, “Torre das Donzelas”. Ambos foram eleitos pelo público, respectivamente, como a melhor ficção e o melhor documentário da Mostra.
“Meio Irmão” faz jus, com o Prêmio Petrobras, a R$ 200 mil que devem ser usados em sua comercialização. A realizadora, estreante no formato longa, narra a história de uma mulher que, ao deparar-se com o desaparecimento da mãe, procura por um parente, com o qual não tinha convivência. Ele, seu meio-irmão, também enfrenta grande dificuldade. Por ter gravado agressão homofóbica, vem sofrendo graves ameaças dos agressores dispostos a impedir, a qualquer custo, que as imagens sejam divulgadas.
“Torre das Donzelas”, que receberá prêmio de R$ 100 mil (para sua distribuição comercial), teve sessões esgotadas, com fila de espera, na Mostra SP. O filme registra memórias de um grupo de presas políticas (entre elas Dilma Roussef) detidas no Presídio Tiradentes, em São Paulo, durante o governo ditatorial civil-militar (final dos anos 1960, começo dos 70). “Torre das Donzelas” (apelido do local onde ficaram, por elas, rejeitado) se constrói não em tom de lamento, mas sim como exercício lúdico de solidariedade e companheirismo na adversidade.
O público da Mostra escolheu “Cafarnaum”, da libanesa Nadine Labaki, como a melhor ficção do ano (foram exibidos mais de 200 longas-metragens estrangeiros). O longa, vindo do Oriente Médio, conquistou o terceiro prêmio em Cannes (depois de “Assunto de Família”, de Kore-eda, Palma de Ouro, e de “Infiltrado na Klan”, de Spike Lee, Grande Prêmio do Júri). Em São Paulo, teve sessões apoteóticas. Na noite da última quarta-feira, 31 de outubro, num CineSesc lotado, os aplausos soaram intensos e consagradores.
“Cafarnaum” acompanha três personagens do submundo periférico libanês: um pré-adolescente esquálido, de supostos doze anos, Zain (Zain al Rafeea), um bebê negro de um ano (uma das crianças mais carismáticas da história do cinema), e sua mãe, Hahil, bela etíope que tenta, como trabalhadora clandestina, agregar-se ao proletariado (ou melhor, ao “precariado”), no país que escolheu para viver, o Líbano.
O filme, desde sua estreia e premiação em Cannes, está no centro de uma grande polêmica. Há quem o tenha como “oportunista”. No campo oposto, estão os que o têm como uma obra que segue a tradição de grandes filmes sobre o abandono ou exploração infanto-juvenil (“O Garoto”, “Los Olvidados”, “Pixote” etc). Nadine Labaki não é uma diretora do calibre de Charles Chaplin, nem Luis Buñuel, mas seu filme, embora desigual, tem momentos de fascinante invenção e humor (o espelho que traz a TV da rua para o cubículo onde Zain e o bebê esperam por Hahil, o carrinho que carrega a criança etíope pela miserável periferia libanesa) e alma feminina (as cenas sobre a menstruação de uma pré-adolescente e o leite que Hahil tira do peito adquirem força rara dramática).
Na Mostra SP, há três prêmios atribuídos pela Crítica. O Júri Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) escolhe o melhor filme de diretor brasileiro estreante. O escolhido foi “Meio Irmão”.
Já um júri formado com dezenas de críticos vindos de várias partes do país, escolhe, entre os 300 filmes exibidos na Mostra, a melhor produção internacional. O vencedor foi o excelente e longuíssimo filme mexicano “Nuestro Tiempo”, de Carlos Reygadas. E o melhor brasileiro, uma surpresa, já que o vencedor foi a comédia romântica “Todas as Canções de Amor”, de Joana Mariani, com o quarteto Júlio Andrade, Luiza Mariani , Marina Ruy Barbosa e Bruno Gagliasso.
O mexicano “Nuestro Tiempo” é um filme arrebatador e cativante, apesar de suas 2h53 de duração. O filme começa com um longo registro, de rara beleza plástica, de grupo de crianças brincando na lama. Depois, seremos introduzidos em uma “hacienda”, onde o poeta Juan (o próprio Reygadas), casado com Esther (Natália López, mulher do cineasta na vida real), cria touros bravios. A mulher se envolve com um veterinário norte-americano (Phil Burges), que é amigo de Juan e trabalha com os ferozes touros. Aliás, os touros estão no centro de duas das mais impressionantes sequências do filme (um deles estraçalha uma mula de carga e outro enfrenta um semelhante bovino e o arremessa despenhadeiro abaixo). Juan, que se considera moderno a ponto de aceitar relações extraconjugais da esposa, entra, porém, em parafuso.
Reygadas, neste filme, que envolve muitos outros membros de sua família e, desta vez, acumula o protagonismo, o roteiro, a montagem e a produção (esta em parceria com Jamin Romandía), faz seu trabalho mais inventivo e ousado. E olha que os anteriores são os instigantes “Japão”, “Batalha no Céu”, “Luz Silenciosa” e “Post Tenebras Lux”.
Confira os filmes premiados:
“As Sandinistas” (EUA) – Melhor filme pelo júri oficial (troféu Bandeira Paulista) e pelo júri popular
“Meio Irmão” (Brasil) – Prêmio Petrobras (júri popular) e júri Abraccine (para diretores estreantes)
“Torre das Donzelas” (Brasil) – Prêmio Petrobras de melhor documentário (júri popular)
“Sócrates” (Brasil) – Menção especial do júri Oficial
“Cafarnaum” (Líbano) – melhor ficção pelo júri popular
“Nuestro Tiempo” (México) – Prêmio da Crítica
“Todas as Canções de Amor” (Brasil) – Prêmio da Crítica