Presidente da Cinépolis Brasil fala sobre o retorno às salas de cinema pós-pandemia

Por Lúcio Vilar

Quinze anos antes de os tradicionais projetores de 35mm serem ‘aposentados’ com a emergência do DCP, Luiz Gonzaga Assis De Luca já trabalhava com essa hipótese em seu mestrado e doutoramento, ambos focados nos novos artefatos digitais e defendidos no programa de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Autor de livros como “Cinema Digital – Um Novo Cinema?”,  “A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do Audiovisual” e “Cinema 35mm e Digital – Técnicas, Equipamentos e Instalações de Salas de Cinema”, hoje, ocupa a presidência da Cinépolis Brasil, uma das maiores empresas do parque exibidor nacional e latino-americano. Ele falou com a Revista de CINEMA sobre o panorama do setor em meio à pandemia e uma época sem precedentes na história, permeada por dúvidas e incertezas.

Revista de CINEMA – A depender dos meses que ainda possamos seguir em isolamento social e, sendo o Brasil um país com cerca de 150 exibidores, existe o risco real de fechamento de salas de cinema?

Luiz Gonzaga Assis De Luca – Esta questão é muito complexa. Só em se conhecendo o funcionamento dos cinemas, nos primeiros meses após a reabertura, saberemos claramente da capacidade de recuperação econômica dos cinemas. Tenho observado declarações de dificuldades econômicas ou, mesmo, de falência nas duas pontas extremas do mercado. Os dois maiores circuitos exibidores do mundo são a AMC e a Cineworld. A AMC foi adquirida pelo grupo investidor chinês Wanda que tem milhares de salas nos EUA, Europa e Ásia. O segundo maior é a Cineworld que tem basicamente o circuito Regall, também com milhares de salas nos EUA. Os dois falaram em declarar a “recuperação judicial” (ChapterEleven). A minha impressão sobre os dois casos é que a legislação norte-americana não atende as necessidades da “calamidade” ou “força maior”, como se têm em diversos outros países, como o Brasil. Como não possuem esses dispositivos legais, não tiveram como interromper os custos fixos durante a pandemia, enquanto estavam fechados, tendo que pagar despesas sem ter receitas. A desvalorização desses circuitos atraiu diversos investidores que estão declarando interesse em adquiri-los. Entre os interessados, estão a Netflix, a Amazon, a Comcast e a Apple, que entendem que os cinemas são complementares e necessários aos seus negócios.

E na outra ponta…

Na outra ponta, estão os pequenos exibidores, principalmente aqueles que atuam no Brasil. Em quase todo o mundo, houve a concentração da atividade de exibição nas mãos de poucos e grandes grupos. Aqui, temos mais de 150 exibidores, sendo que a grande maioria é de pequeno porte, com pouquíssimas salas. Se a “retomada” não for rápida, gerando prejuízo operacional, eles não terão como manter os cinemas em operação por muito tempo. Espera-se que o Fundo Setorial do Audiovisual, administrado pela Ancine e operado pelo BNDES e BRDE, abram linhas de crédito que dêem fôlego aos exibidores.

Na condição de presidente de uma grande empresa (Cinépolis), quais são as expectativas – se é que existem – de reabertura das salas até agosto e, baseado em que protocolo se dará essa hipotética retomada das atividades?

Não creio que haja aberturas antes do começo de julho. Os cinemas abrirão em cada cidade e estado conforme as possibilidades sanitárias que o local apresente. Estas condições são totalmente diferentes entre estados e, ainda, em diferentes cidades. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Saúde, dividiu as cidades em 5 fases de contaminação e controle sanitário. Temos cidades que já se encontram na fase 3 (Bauru, por exemplo) e outros na fase 1 (São Bernardo, na Grande São Paulo). Enquanto aquele que está na fase mais avançada está há menos de 30 dias da reabertura, o outro conta com mais 15 a 30 dias para ser reaberto. O protocolo que será adotado variará em cada empresa exibidora, porém, elas seguirão o protocolo básico desenvolvido com a FENEEC (Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas) que estudou os protocolos de diversos países europeus, norte-americanos e aqueles que as Secretarias de Saúde dos Estados brasileiros detalharam. Em muitos pontos, as recomendações e procedimentos são mais rigorosos que os que estão sendo adotados por países europeus, por exemplo. A experiência do que está sendo adotado nos outros países é muito importante, pois aponta as melhores e mais eficientes práticas.

O hábito de ir ao cinema está ameaçado?

As pesquisas não indicam que o hábito de ir ao cinema esteja ameaçado. Ao contrário, ir ao cinema está entre as três mais desejadas atividades que as pessoas têm quando da retomada da “vida normal”. Quase 50% dos entrevistados apontam que iriam ao cinema ainda no primeiro mês da abertura. Outra importante fração dos entrevistados aponta que iriam nos três primeiros meses. O importante é que se tenha grandes lançamentos neste período. Há diversos filmes para os seis primeiros meses que nos tranquilizam neste sentido. Em julho, teremos “Tenet” (de Christopher Noah) e “Mullan” (produção da Disney). Em agosto, teremos “Mulher Maravilha 2”. Na sequência, temos “A Lenda de Candyman”, “Bob Esponja”, “RedShoes”, “Trolls 2”, “007 – Tempo para Morrer” e importantes filmes brasileiros, como “DPA 3” e “Dois + Dois”. Estamos aguardando a divulgação do calendário de filmes brasileiros que não foi totalmente divulgado, ainda.

Ainda nessa mesma linha, tem se especulado sobre uma era do cinema que estaria chegando ao fim e que o streaming deverá se fortalecer ainda mais na pós-pandemia. 

Os resultados do streaming que estão sendo divulgados como a possibilidade de se produzir e lançar filme diretamente no streaming sem a exibição nos cinemas, como ocorreu com “Trolls 2” nos EUA, quando são interpretados por quem trabalha na indústria cinematográfica, apontam, exatamente, o contrário. O filme obteve U$ 100 milhões de faturamento no streaming. Esta produção custou cerca de U$ 90 milhões. Se forem extraídos os valores empregados na promoção do filme, que chegam a ser 50% do valor de produção, veremos que “Trolls 2” não se pagará, pois, só terá mais uma janela a recuperar – o Pay TV, que poderá proporcionar, no máximo, mais U$ 40 milhões. O mercado de salas de cinema não só faz a promoção de um filme para as próximas janelas, como, também, permite que sejam recuperados os valores de investimentos promocionais do lançamento e traz lucros. Nas demais janelas, praticamente não se faz investimentos promocionais. Tem-se que observar, também, que a situação de “Trolls 2” foi muito específica, porque quando o filme foi lançado diretamente no streaming, ele estava a 10 dias de seu lançamento mundial nos cinemas, com praticamente toda a promoção do filme já realizada. Os investimentos seriam perdidos se não ocorresse seu lançamento. No mais, não houve filmes concorrentes dele no streaming. O mercado estava totalmente direcionado a “Trolls 2”, uma situação que não existe competitivamente.

Estão pipocando inaugurações do antigo modelo drive-in…

O drive-in é uma experiência possível de ser aceita apenas quando não se tem um cinema disponível. A projeção é ruim, o som não tem ambiência e tridimensionalidade, a tela é distante, há interferências inaceitáveis, o conforto é ruim, o ambiente não é adequado para se concentrar. É uma experiência obsoleta que retorna, porque não há alternativa de se ter alguma melhor. Cinema é experiência. Nem mesmo com os melhores e mais caros equipamentos para se usar em casa é possível repetir a qualidade que se tem numa sala de cinema. Além, é claro, que ver um filme sozinho ou dentro de um automóvel não é a mesma experiência que se tem no coletivo. Tente assistir uma comédia, um filme intimista, romântico ou um filme de arte dentro de um automóvel…

Se a capacidade das salas deverá ser reduzida no ‘novo normal’, como garantir e manter o lucro das exibidoras que vem, em grande parte, do exército de blockbusters?

Esta é uma equação que toda a sociedade terá que conviver. Os restaurantes terão menos mesas, os supermercados e os shoppings centers terão que controlar a circulação de pessoas; medidas invasivas como tomar a temperatura das pessoas ou exigir que usem máscaras; isolar pessoas doentes, medidas que serão adotadas em todos os lugares. Os cinemas terão que se adequar a isto, também. Conforme a pandemia entre numa curva descendente e achatada, aos poucos, serão flexibilizadas estas regras. Só mesmo após a reabertura dos cinemas e em se conhecendo as novas realidades é que poderemos avaliar a questão de lucros. Porém, já sabemos que, por um período de médio prazo, os cinemas operarão com limitações financeiras.

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