“Libelu”, “Filhas de Lavadeiras” e “Coletiv” vencem o É Tudo Verdade
Maria do Rosário Caetano
“Libelu – Abaixo a Ditadura”, do brasileiro Diógenes Muniz, e “Colective”, do romeno Alexander Nanau, foram eleitos os melhores longas-metragens da vigésima-quinta edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.
A cerimônia de premiação, assim como o festival, aconteceu on-line. E, entre os agradecimentos, o mais emocionado foi o da cineasta afro-brasileira Edileuza de Souza, autora do melhor curta-metragem, “Filhas de Lavadeiras”. Ela agradeceu, direto de Brasília, a dupla premiação, pois além do júri oficial, conquistou o Prêmio Canal Brasil (troféu, R$15 mil e exibição garantida na telinha da emissora).
Edileuza, com lágrimas nos olhos, evocou suas personagens (a escritora Conceição Evaristo, a ex-governadora Benedita da Silva, a atriz Ruth de Souza, in memoriam, e outras mulheres menos conhecidas), todas filhas de lavadeiras. Estas, trabalhadoras negras de pouca instrução formal, que tudo fizeram para que suas filhas estudassem, de preferência em universidades públicas, e conquistassem novos ofícios.
Em cerimônia politizada, Edileuza externou sua alegria ao ver seu trabalho reconhecido e lembrou as dificuldades enfrentadas na realização de projetos audiovisuais “em tempos de cólera”. Para assegurar que “faz escuro, mas nós cantamos, viva a Cinemateca Brasileira, viva o Festival É Tudo Verdade”.
Cineastas que estiveram nas mostras competitivas e especiais do evento, como Silvio Tendler, Carol Benjamin, Aurélio Michiles, Clarice Saliby, Marcelo Machado, Mariana Lacerda, Roberto Berliner, Tali Yankeleich, Diógenes Muniz, Edileuza Penha de Souza, Rubens Rewald e Jorge Bodanzky leram, em jogral, a “Carta dos Participantes do Festival É Tudo Verdade”.
“É com sentimento de pesar que nós, diretores dos filmes do 25º Festival Internacional de Documentários, manifestamos nosso total desacordo com os rumos da gestão cultural do país”, disse o primeiro cineasta-leitor.
Outros prosseguiram: “O governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro age, desde seu início, para atacar e silenciar brasileiros que fazem da cultura e da arte seu ofício, tratando-os como inimigos. A atividade audiovisual está paralisada desde março de 2019 com a suspensão de editais e dos recursos públicos para a produção de filmes e séries. Isso tem provocado taxa crescente de desemprego, falência de empresas produtoras e fornecedoras e a ameaça da paralisia total do setor”.
O jogral não esqueceu instituição que vive grave crise: “Isso sem falar da Cinemateca Brasileira e todo seu acervo histórico que correm risco de destruição”.
Nem do meio-ambiente: “A realidade que nos cerca gritando em meio à paisagem agônica e aos incêndios de setembro não é uma mera metáfora! O fogo que destrói o Pantanal e a Amazônia ocorre sob o mesmo governo irresponsável que ignora a tragédia do Covid-19 e que despreza as Artes, a Cultura, a Educação e a Ciência. A situação é gravíssima!”
Para concluir: “Por isso, convidamos as realizadoras e realizadores a se voltarem mais uma vez para a realidade e, acima de tudo, não se intimidarem. É preciso sempre buscar formas de produzir e nunca parar, nem silenciar. Um país sem imagens de si mesmo é como alguém que não sabe quem é”.
O vencedor brasileiro do Festival – “Libelu – Abaixo a Ditadura” – mostra olhar retrospectivo de integrantes da Liberdade e Luta, uma das correntes do movimento estudantil setentista, e revela caminhos tomados por duas dezenas de seus militantes (alguns abandonaram o trotskismo e tomaram o rumo da direita, outros seguem à esquerda).
“Colectiv” aborda a corrupção no sistema de saúde da Romênia, país do Leste Europeu. O júri internacional revelou-se tocado e impressionado com “o preocupante e bem-detalhado estudo sobre corrupção e atos ilegais na Romênia contemporânea”. E atribuiu menção honrosa a “O Espião”, da chilena Maite Alberdi, fruto híbrido (entre o documentário e ficção), que encantou o público. No centro da narrativa, está um senhor octogenário, aposentado e viúvo, convidado a interpretar espião capaz de infiltrar-se em asilo geriátrico, onde uma residente pode estar sofrendo maus-tratos.
Dois fortes candidatos brasileiros ao principal prêmio – “Segredos de Putumayo”, de Aurélio Michiles, e “Fico te Devendo uma Carta Sobre o Brasil”, de Carol Benjamin – levaram menções especiais. O primeiro reconstrói a trajetória do irlandês Roger Casement (1864-1916), que denunciou o “holocausto da borracha”, massacre imposto a indígenas amazônicos escravizados na coleta do látex. O segundo presta delicada e amorosa homenagem a uma mulher, Iramaya de Queiroz Benjamin (1923-2012), que ao ver dois de seus três filhos (Cid e César) presos durante a ditadura militar, transformou-se em incansável militante pela Anistia e pelos Direitos Humanos. Os dois filmes, o de Michiles e o de Carol, são projetos realizados no Brasil e em outros países.
“Putumayo” abarca a Amazônia peruana, colombiana e brasileira e vai até a Irlanda, país natal de Casement. Carol Benjamin buscou parte das memórias da avó Iramaya e do pai César Benjamin na Suécia.
A 26ª edição do Festival É Tudo Verdade acontecerá, em 2021, em sua data original, o mês de abril (de 8 e 18). E presencialmente. Amir Labaki, diretor do Festival, lembrou que, “mesmo sem a tão esperada e necessária convivência entre cineastas e público”, havia algo a comemorar: “tivemos nosso maior público, oriundo de todo o território brasileiro”. Afinal, “boa parte dos filmes aproximou-se do limite de acessos virtuais acordado com seus produtores: mil visualizações para longas estrangeiros e 1.500 para longas brasileiros”.
Confira os vencedores:
. “Libelu – Abaixo a Ditadura” (São Paulo), de Diógenes Muniz – melhor longa documental brasileiro
. “Colective” (Romênia), de Alexander Nanau – melhor longa internacional
. “Filhas de Lavadeiras”, de Edileuza Souza (Brasília) – melhor curta brasileiro, Prêmio Canal Brasil
. “Meu País Tão Lindo” (Polônia), de Grzegorz Paprzycki – melhor curta internacional
Menções honrosas
. “Segredos de Putumayo” (SP), longa de Aurélio Michiles
“Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil” (RJ), longa de Carol Benjamin
. “O Espião” (Chile), longa de Maite Alberdi
. “Ver a China” (Brasil-China), curta de Amanda Carvalho
. “Saudade” ( Alemanha), curta de Denize Galiao
Prêmio EDT (Associação de Profissionais de Edição Audiovisual), para a melhor montagem
. “A Ponte de Bambu” (longa-metragem de Marcelo Machado, SP): montadores premiados – André Finotti e Raimo Benedetti
. “Metroréquiem” (curta-metragem de Adalberto Oliveira, PE): montador premiado – Adalberto Oliveira