Anna Muylaert e Lô Politi registram momentos finais de Dilma no poder

Por Maria do Rosário Caetano

“Alvorada”, o sexto longa-metragem de Anna Muylaert, o primeiro feito em parceria (com a cineasta Lô Politi), terá sua première mundial no Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana (edição presencial, de 3 a 13 de dezembro).

O filme, um documentário com 82 minutos de duração, foi selecionado para a Mostra Em Sociedade, na qual mais três produções brasileiras se destacam: “A Fantástica Fábrica de Golpes”, de Victor Fraga e Valnei Nunes (coprodução com a Grã-Bretanha), “Dentro da minha Pele”, de Toni Venturi e Val Gomes, e “Boca de Rua – De Olhos Abertos”, de Charlotte Dafol. Como se vê, só filmes de alta voltagem político-social.

“Alvorada” registra os momentos finais da presidente Dilma Roussef no palácio criado por Oscar Niemeyer. Um palácio que Darcy Ribeiro costumava comparar a uma alva tenda árabe arrematada com colunas niemáricas, tão importantes quanto as colunas jônicas dos templos gregos.

Muylaert e Lô Politi, com César Charlone assinando as imagens, acompanharam a primeira mulher eleita para o Executivo Federal até que ela, vítima de impeachment, se despedisse dos funcionários, arrumasse as malas e partisse.

“A Fantástica Fábrica de Golpes”, outro dos selecionados de Havana, uniu dois jornalistas brasileiros residentes em Londres (Victor Fraga e Valnei Nunes) ao britânico John Ellis, para sequenciar o documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, dirigido pelo próprio Ellis, em 1993, e produzido pelo Channel Four. Segundo a equipe do filme, a intenção é narrar “a participação das Organizações Globo no golpe de Estado de 2016”. No material de divulgação do filme, disponibilizado na internet, John Ellis se confessa “chocado que, tantos tempo depois, a TV Globo continue se comportando da mesma forma em relação à política brasileira”.

“Dentro da minha Pele”, disponível no streaming (Globo Play), é fruto de parceria de Toni Venturi com a socióloga afro-brasileira Val Gomes. Juntos, eles empreenderam mergulho no racismo estrutural brasileiro.

“Boca de Rua – De Olhos Abertos”, de Charlotte Dafol, dá voz aos moradores de rua, que vivem em Salvador, na Bahia, pedindo ajuda nas sinaleiras e nas estreitas (ou largas) vias da Cidade Baixa.

“Alvorada” será lançado pela Vitrine Filmes no circuito de salas físicas, no primeiro semestre de 2021. Só depois irá para o streaming. Anna Muylaert, que pela primeira vez assina um documentário de longa-metragem, conta que “o palácio é essencial à narrativa”. Afinal, foi nele que Dilma Roussef viveu seus últimos dias como presidente da República. “O filme não sai do Palácio”. As duas diretoras escolheram narrar os últimos meses presidenciais de Dilma “a partir do espaço do Palácio, onde tudo o que acontece, acontece dentro e em volta dela”.

Anna e Lô, que tiveram pleno acesso à presidente ao longo de vários meses, buscaram “um ponto de vista íntimo, o dia-a-dia da presidente na sua residência oficial, enquanto ela aguardava o veredito de impeachment”. Um julgamento que “acabou afastando a primeira mulher-presidenta do Brasil”.

O experiente fotógrafo César Charlone, indicado ao Oscar por “Cidade de Deus”, registra os corredores do palácio desenhado por Oscar Niemeyer, o vai-e-vem de reuniões políticas, o dia-a-dia da cozinha, a troca de guardas, sussurros e telefonemas sem fim. Lô Politi complementou os registros, quando Charlone estava ausente.

“Nós sentimos” – contam as diretoras – “a tensão crescente dos funcionários, assessores, ex-ministros, perplexos e quase sem ação. Um grupo ou outro chega para dar apoio à presidente que cai. Mas o naufrágio parece inevitável”.

A cada semana de filmagem, a tensão aumenta. Os Dragões da Independência trocam a guarda. A presidente tenta manter sua rotina. A câmera começa a perturbá-la. Apenas uma parte da voz das pessoas nas ruas ganha eco nos meios de comunicação de massa. Os Jogos Olímpicos, que ela lideraria como anfitriã, são declarados abertos pelo presidente interino (o vice Michel Temer). Jardineiros, garçons e limpadores do palácio continuam exercendo, indiferentes, seu ofício. Os advogados trabalham até tarde, tentando evitar que a primeira mulher presidente do Brasil seja definitivamente retirada do cargo.

Dilma Roussef continua lutando. Ela se recusa a falar em renúncia. Decide, por fim, testemunhar em sua própria defesa perante um Senado predominantemente de oposição. A comitiva presidencial sai do Palácio da Alvorada, várias centenas de eleitores se enfileiram nas estradas com cartazes condenando a ilegalidade do impeachment. Dilma Roussef entra no Congresso Nacional onde permanece por 12 horas enfrentando seus acusadores. Mas o filme não abandona o Palácio da Alvorada.

A queda se deu em agosto de 2016, depois de período de 180 dias em que a presidente ficou afastada do seu cargo. Para Anna e Lô, consumava-se, naquele momento – o do veredito final dos senadores – “um dos episódios mais controversos da história da democracia na América Latina”.

Revelar o final do filme não resulta em spoiler, pois todos sabem como a história terminou: um caminhão de mudanças cheio de pertences pessoais da presidente deposta serão transportados para sua casa em Porto Alegre, cidade que a economista mineira adotou.

Anna e Lô descrevem os momentos que testemunharam, in loco: “a presidente afastada deixa o imenso e vazio palácio do poder. Faxineiras tiram selfies sentadas na mesa presidencial por hora sem dono. O silêncio domina o jardim. A câmera permanece no vazio da dúvida. Os créditos finais rolam”.

 

Alvorada
Brasil, 82 minutos, 2020
Direção: Anna Muylaert e Lô Politi
Produção: Africa Filmes, Dramática Filmes, Cup Filmes
Produção Executiva: Ivan Melo e Aza Pinho
Fotografia: Cesar Charlone (e Lô Politi)
Montagem: Vânia Debs, Helio Villela Nunes e Anna Muylaert
Som: Miriam Biderman
Mixagem: Ricardo Reis
Som direto: Hudson Vasconcelos e Martha Suzana
Imagem e efeitos: Quanta

 

FILMOGRAFIA DE ANNA MUYLAERT

2002 – “Durval Discos” (ficção)
2009 – “É Proibido Fumar” (ficção)
2012 – “Chamada a Cobrar” (ficção)
2015 – “Que Horas Ela Volta?” (ficção)
2016 – “Mãe Só Há Uma” (ficção)
2020 – “Alvorada”, co-direção de Lô Politi (doc.)

FILMOGRAFIA DE LÔ POLITI

2016 – “Jonas” (ficção)
2020 – “Alvorada”, co-direção de Anna Muylaert (doc.)
2021 – “O Sol”, ficção
2021 – “Meu Nome é Gal”, ficção codirigida por Dandara Ferreira

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