Cine Ceará festeja 30 anos com edição presencial e virtual

Por Maria do Rosário Caetano

O Cine Ceará (Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza) realiza sua trigésima edição em formato híbrido. Será presencial para os moradores de Fortaleza que se dispuserem a comparecer ao Cineteatro São Luiz, na Praça do Ferreira, e virtual para o resto do país. Brasileiros de todos os cantos poderão assistir aos filmes da principal competição – a de longas-metragens ibero-americanos – no serviço de streaming Canais Globo (ex-Canal Brasil Play).

Na noite inaugural, nesse sábado, 5 de dezembro, haverá homenagem à atriz Glória Pires e exibição do primeiro concorrente, o longa pernambucano “A Morte Habita à Noite”, de Eduardo Morotó. O filme, que passou por Roterdã, Miami e Viña del Mar, dialoga com o universo delirante e etílico de Charles Bukowski. À frente do elenco, estão Roney Villela, que interpreta um escritor decadente, e a estreante Endi Vasconcelos, na pele de uma jovem desgarrada e cheia de vida. Em torno desse par contrastante, circulam os personagens de Mariana Nunes, Rita Carelli, Pedro Gracindo, Nínive Caldas e Everaldo Pontes.

Na noite de encerramento, sexta-feira, 11 de dezembro, será prestada homenagem ao ator Lázaro Ramos, protagonista do filme “O Silêncio da Chuva”, convidado para encerrar as festividades do trigésimo ano do Cine Ceará, um dos festivais mais resistentes e duradouros do país.

Daniel Filho assina a direção de “O Silêncio da Chuva”, adaptação de romance homônimo do psicanalista e escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza. O filme só terá sessão presencial. Aos que não estiverem em Fortaleza e desejarem vê-lo, só restará esperar a estreia nos cinemas, prevista para 2021. Aos 83 anos, Daniel Filho, ator (de “Os Cafajestes”), cineasta e diretor de alguns dos maiores sucessos da telenovela brasileira (e do blockbuster movie “Se Eu Fosse Você”) decidiu continuar trabalhando como um mouro. E nos moldes de seus tempos na TV. Linha pau na máquina (produções na base do “take 1”, baixo orçamento, tempo curto de filmagem e com atores-cúmplices).

A representação brasileira na principal mostra competitiva do Cine Ceará terá mais dois filmes (além de “A Morte Habita à Noite”) – a ficção cearense “A Última Cidade”, de Victor Furtado, e o documentário carioca “Nazinha Olhai por Nós”, de Belisário Franca. O filme prata-da-casa nasceu da produtora Marrevolto, que mobiliza, hoje, egressos do Coletivo Alumbramento, força revitalizadora, na década passada, do cinema nordestino.

“Nazinha”, como muitos sabem, é o apelido carinhoso que o povo paraense dá a Nossa Senhora de Nazaré, festejada anualmente em romaria de dimensões e fé paroxísticas. No foco do experiente Belisário, diretor de “Menino 23” (sobre resíduos do Nazismo no Brasil), está um grupo de presidiários que aguarda indulto para festejar o Círio de Nazinha.

“A Morte Habita à Noite”, de Eduardo Morotó

Os três brasileiros terão pela frente um competidor parada-dura: o documentário cubano-espanhol “A Meia Voz”, que causou sensação em diversos festivais. De cara, venceu o IDFA (Festival de Documentários de Amsterdã), o maior e mais disputado do mundo. Depois, foi laureado em Málaga, na Espanha, em Antenas, na Grécia, e no CineMartinica, no Caribe. E fechou um ano de reconhecimento pleno vencendo o Festival de Havana. Um feito, registre-se, inesperado. E por que?

Porque “A Meia Voz” é um filme realizado por duas diretoras que abandonaram Cuba e fixaram-se uma na Suíça e outra na Espanha. Primeiro, como clandestinas, depois, como cidadãs reconhecidas legalmente. O que elas mostram de seu país natal é de aguda contundente (vide uma grande piscina olímpica, outrora prova da excelência da Ilha nos Esportes, em ruínas). E, mesmo assim, o festival habanero dobrou-se aos méritos do filme e premiou a duas exiladas.

E o que garantiu tal milagre? A qualidade do documentário. “A Meia Voz” é um poderoso registro confessional de suas duas diretoras (e protagonistas), Heidi Hassan e Patrícia Pérez Fernández, desde suas infâncias e adolescências no país caribenho e a chegada ao início da vida profissional, quando ambas passaram a dedicar-se ao cinema. Só que as dificuldades de Cuba as motivaram a tentar a vida, mesmo que só com um mero visto de turistas, na Europa. A distância e as dificuldades impostas aos clandestinos afastaram as duas amigas do peito. Elas, que nadavam juntas numa enorme piscina coletiva de Cuba, elas que idealizavam a realização de muitos filmes, elas que sonhavam casar seus futuros filhos para serem avós de um mesmo neto, viram a vida transformá-las em babás de idosos, passeadoras de cães, vendedoras de quiosques ou donas de casa.

“A Meia Voz” marcará o reencontro das duas, justo pelo cinema, paixão da juventude. Em enxutos 78 minutos, Heidi e Patricia falam de amizade, menstruação, fertilização in vitro, gravidez, maternidade. E mais: da barraca de venda de mojitos (bebida cubana muito apreciada por turistas), das saudades do país natal e, sempre, de cinema, ofício em que se iniciaram na Ilha, mas que (quase) foram obrigadas a abandonar. De forma ensaística e em diálogo com a videoarte, a dupla constrói um belo e íntimo retrato de suas vidas.

Mais três filmes ibero-americanos estão na competição pelo Troféu Mucuripe: o chileno “Branco no Branco”, de Théo Curt, o venezuelano “Era Uma Vez na Venezuela”, de Anabel Rodríguez, e “As Boas Intenções”, de Ana García Blaya. Como se vê, dos quatro filmes de fala hispânica, três trazem assinatura feminina. O Cine Ceará e sua principal curadora, a cineasta Margarita Hernández, diretora do poderoso “Che – Memórias de um Ano Secreto”, não escondem a intenção de valorizar o cinema feito por mulheres. Até reservou, no regulamento do festival, 30% de suas vagas, em diversas mostras, para as diretoras.

O cineasta Wolney Oliveira, diretor-geral da festa cinematográfica cearense dá apoio total ao procedimento de valorização do cinema feminino. E só lamenta que a pandemia tenha impedido o Cine Ceará de acontecer em sua época costumeira, meados do ano, e privado da presença de cineastas, atores e técnicos brasileiros e estrangeiros na calorosa capital cearense. Afinal, o Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza está completando exatos 30 anos.

Além de “A Última Cidade” na competição principal, o Cine Ceará conta com outra vitrine nobre para a prata-da casa: a Mostra Olhar do Ceará. Quatro longas-metragens e 22 curtas, selecionados entre 121 inscritos, serão apresentados pelo festival.

Dois longas – “Cabeça de Nêgo”, de Déo Cardoso, e “Pajeú”, de Pedro Diógenes – já passaram por outros festivais e foram premiados. O primeiro é um drama cheio de energia, rebeldia e atores afro-brasileiros empenhados em defender a escola pública. Encanta, mesmo que às vezes pareça ingênuo, pela pulsão de vida exalada por sua equipe artística e técnica. E pelo tema, tão raro em nossa cinematografia: a educação de nossos jovens em escolas que constituem preocupante inventário de problemas.

“Pajeú”, premiado no Olhar de Cinema, em Curitiba, como “melhor filme brasileiro”, é fruto de mais um mergulho de Diógenes no cinema de horror. O que chama atenção, dessa vez, é seu diálogo com o cinema documentário. O cineasta e sua protagonista, a atriz Fátima Muniz, mergulham nas artérias líquidas e asfálticas de Fortaleza, para construir um libelo em defesa do riacho do Pajeú, soterrado pela especulação imobiliária. Sem esquecer de evocar a memória afetiva e histórica dos moradores da grande cidade nordestina.

Dois documentários completam o Olhar do Ceará: “Swingueira”, coprodução Ceará-Bahia, dirigida por um jovem quarteto (Bruno Xavier, Roger Pires, Yargo Gurjão e Felipe de Paula), e “Rio de Vozes”, coprodução Bahia-Pernambuco, comandada pela cearense Andrea Santana e por Jean-Pierre Duret. Novos nomes que chegam para revitalizar a produção regional brasileira.

Competição de Curtas Brasileiros

Acesso pelo serviço on-line do Canal Brasil, única plataforma de exibição dos filmes desse segmento do Cine Ceará. Entre 5 e 11 de dezembro, os 15 curtas selecionados poderão ser assistidos a qualquer momento.

. “A Beleza de Rose”, de Natal Portela (fic, CE)
. “Não te Amo Mais”, de Yasmin Gomes (doc, CE)
. “Inabitável”, de Matheus Farias e Enock Carvalho (fic, PE)
. “A Nave de Mané Socó”, de Severino Dadá (fic, PE)
. “Quitéria”, de Tiago Neves (fic, PB)
. “O Sal da Vida”, de Danilo Carvalho (doc, Piauí)
. “O Barco e o Rio”, de Bernardo A. Abinader (fic, AM)
. “Parabéns a Você”, de Andreia Kaláboa (fic, PR)
. “Magnética”, de Marco Arruda (experim., RS)
. “Vista para Dias Nublados”, de Ana Luísa Moura (fic, RS)
. “Nós”, de Hugo Moura e Ricardo Burgos (fic, RJ)
. “O Babado da Toinha”, de Sérgio Bloch (fic, RJ)
. “5 Estrelas”, de Fernando Sanches (fic, SP)
. “A Volta para Casa”, de Diego Freitas (fic, SP)
. “Desaparecido”, de Gabriel Calamari (fic, SP)

Curtas da Mostra Olhar do Ceará

Exibição no Canal do CineCeará no Youtube (oito sessões acessáveis entre 9h00 e 22h00) e na TV Ceará (TVC), entre os dias 5 e 10 de dezembro.

. “Scelus”, ficção sobre rivalidade entre facções, drogas, intrigas e mortes, com roteiro, direção e atuação de Edmilson Filho (ator-protagonista de “Cine Holliúdy”)
. “Pequenas Considerações sobre o Espaço-Tempo”, ficção de Michelline Helena
. “A Gaiola”, ficção de Jaildo Oliveira
. “Aqui é Flamengo”, doc de Rafael Luiz Azevedo (sobre um distrito do Ceará que compartilha o nome do clube de futebol mais popular do Brasil)
. “Futebol para Todos”, doc de Rafael Luiz Azevedo (sobre projeto que proporciona a moradores de rua momentos de lazer em Fortaleza)
. “A Fome que Devora o Coração”, de Raiane Ferreira
. “Aqui Entre Nós”, de Alexia Holanda e Daniel Sobral
. “Noite de Seresta”, de Sávio Fernandes e Muniz Filho
. “Cacau”, de Tom Martins
. “Cidade Pacata”, de Ezequias Andrade
. “Santa Mãe”, de Thiago Barbosa
. “Todos Nós Moramos na Rua”, de Marcus Antonius Melo
. “Terceiro Dia”, de Jéssica Queiroz
. “Plástico”, de João Paulo Duarte
. “A Retirante”, de Débora Ingrid e Henrique Oliveira
. “Doce Veneno”, de Waleska Santiago
. “Luna e Sol”, de Dado Fernandes
. “Movimento”, de Lucas Tomaz Neves
. “O Prisma”, de Augusto César dos Santos
. “Quando Vier a Primavera, se Eu Já Estiver Morto….”, de Robson Lima
. “Ser Tão Nossa”, de Antônio Fargoni
. “Sombra do Tempo”, de Naiana Magalhães

30º Cine Ceará (Festival de Cinema Ibero-Americano de Fortaleza)
Data: 5 a 11 de dezembro, com sessões presenciais (no Cineteatro São Luiz) e virtuais no serviço de streaming Canais Globo (mais de 10 milhões de assinantes), no canal do Festival no Youtube e na TV Ceará, emissora pública, mantida pela Fundação de Teleducação do Ceará (Funtelc), afiliada à TV Cultura e a TV Brasil
Sessões no Cineteatro São Luiz são gratuitas (ingressos distribuídos gratuitamente através do site da Bilheteria Virtual)
O link poderá ser acessado através do site do Cine Ceará
Cada ingresso conterá um QRCode que deverá ser apresentado na entrada do cinema.
Sessões de abertura e encerramento restritas a convidados
Debates dos filmes se darão no espaço virtual (na manhã seguinte à exibição: curtas às 9h30, e longas às 11h)
Debates dos filmes da Mostra Olhar do Ceará (à tarde, de 14h às 16h)

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