Petra Belas Artes exibe “Lavoura Arcaica” em comemoração aos seus 20 anos
“Lavoura Arcaica”, primeiro longa-metragem dirigido por Luiz Fernando Carvalho, terá apresentação especial no Petra Belas Artes, a partir de 7 de outubro, com bate-papo presencial com o diretor, no dia 14, abrindo a segunda semana de exibição do filme.
Baseado no romance homônimo de Raduan Nassar, publicado em 1975, o roteiro foi muito elogiado pela sua fidelidade ao texto original. Na trama, André (Selton Mello) é o filho desertor, o narrador dos acontecimentos, que são mostrados desde a sua infância, sem compromisso cronológico. Pedro (Leonardo Medeiros), seu irmão mais velho, é encarregado pela mãe (Juliana Carneiro da Cunha) de levá-lo de volta para casa, na fazenda da família. Ele o encontra no abandono de uma antiga pensão provinciana nas garras da solidão absoluta. É nas memórias desse filho pródigo que entendemos as causas de sua fuga: a imposição das tradições agrárias e princípios cristãos, como lei paterna, e a opressão da ternura materna. Ao contrário do pai (Raul Cortez), André é a afirmação da vida, do sexo e da liberdade. Seu corpo reivindica seus direitos e os exerce contra todas as leis, inclusive pela paixão nutrida pela própria irmã, Ana (Simone Spoladore).
Interessado em filmar o romance de Raduan Nassar desde a década de 1990, o cineasta deu início à pesquisa e, junto com o próprio escritor, viajou para o Líbano em busca de um maior aprofundamento com a cultura mediterrânea. O material visual captado durante a viagem gerou o documentário “Que teus Olhos Sejam Atendidos”, exibido no canal GNT, em 1997.
Optando por manter a prosa poética da obra original, o diretor decidiu fazer o filme sem roteiro prévio, dando ao elenco a liberdade de improvisações sobre o romance. Esse trabalho exigiu uma intensa preparação dos atores, que passaram quatro meses em retiro numa fazenda.
A atriz Simone Spoladore, por exemplo, mesmo não tendo nenhuma fala no filme, teve uma preparação mais prolongada que os demais atores, pois as suas cenas de dança nas sequências das duas festas careciam de expressões muito bem estudadas.
“Lavoura Arcaica” foi inteiramente rodado em uma única locação, em uma fazenda do interior de Minas Gerais, onde os atores e equipe técnica passaram nove semanas. Nesse tempo, todos aprenderam a trabalhar a terra, ordenhar, fazer pão, bordar, dançar e se comportar como uma típica família libanesa. O próprio escritor Raduan Nassar acompanhou de forma participativa esse intenso processo.
Além da beleza poética transmitida pelas palavras, silêncios e interpretações antológicas de todo o elenco, o filme conta ainda com o trabalho primoroso do diretor de fotografia Walter Carvalho, que compôs belíssimas imagens utilizando contrastes de luz e sombra, e até criou uma estética quase abstrata, com algumas imagens desfocadas. O trabalho visual é ainda mais valorizado pela direção de arte, assinada por Yurica Yamasaki, e figurinos de Beth Filipecki. A montagem e a produção ficaram a cargo do próprio diretor. A trilha musical foi criada a partir do acompanhamento do compositor Marco Antônio Guimarães, líder do grupo instrumental mineiro Uakti, durante as leituras do filme. Suas criações tiveram como inspiração alguns temas típicos da música árabe, contando também com uma citação de “A Paixão Segundo São Mateus”, de Bach. A música de Marco Antônio Guimarães tem papel importantíssimo na narrativa do filme, chegando, inclusive, a substituir diálogos em determinadas cenas.
Antes de realizar “Lavoura Arcaica”, a única experiência de Luiz Fernando Carvalho no cinema havia sido com “A Espera”, curta que ele realizou em 1986, com Diogo Vilela, Malu Mader e Marieta Severo no elenco, vencedor do prêmio de Melhor Curta-Metragem no Festival de Gramado (compartilhado com “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda” e “Ma Che Bambina”).
Na televisão também realizou diversos trabalhos, com os quais ganhou muitos prêmios. Entre suas principais realizações na TV, destacam-se as telenovelas “Renascer” (1993), “O Rei do Gado” (1996) e “Velho Chico” (2016), e as minisséries “Os Maias” (2001), “Hoje é Dia de Maria” (2005), “A Pedra do Reino” (2007) e “Dois Irmãos” (2017).
Em 2015, “Lavoura Arcaica” entrou para a lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
Com grande sucesso de crítica no Brasil e no exterior, o filme foi lançado nos cinemas com apenas duas cópias, uma no Rio de Janeiro e a outra em São Paulo, atingindo a marca de 300 mil espectadores. Vinte anos depois, o filme será exibido na tela do Petra Belas Artes em cópia 35mm.