“Ataque dos Cães” é recordista de indicações ao Oscar e japonês tem vaga entre os dez finalistas
Por Maria do Rosário Caetano
Ainda não foi dessa vez que a Academia de Hollywood assumiu o cosmopolitismo. A produção de matriz anglo-saxã reina absoluta entre os dez indicados ao Oscar número 94, que será entregue em Los Angeles, no dia 27 de março. Se tudo der certo, presencialmente.
“Ataque dos Cães”, que marca a apaixonante volta da neozelandesa Jane Campion ao longa-metragem, é o recordista, com 12 indicações. Em segundo lugar vem “Duna”, ficção científica do canadense Denis Villeneuve, com 10.
Entre as outras oito vagas, uma produção asiática – o japonês “Drive my Car”, de Ryûsuke Hamaguchi, diretor-fenômeno planetário, premiado ano passado, no prazo de cinco meses, nos festivais de Berlim e de Cannes. No primeiro, com “A Roda do Destino” e, no segundo, com este tchekoviano e belíssimo “Drive my Car”. O filme recebeu ainda outras importantes indicações hollywoodianas: direção, roteiro adaptado (do próprio Hamaguchi em parceria com Takamasa Oe) e produção internacional (nesta categoria, parece imbatível).
Os outros sete postulantes ao Oscar são “Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson, o distópico “Não Olhe para Cima”, com seu elenco estelar (Leo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Strepp, Cate Blanchett), integralmente esnobado, “No Ritmo do Coração” (“Coda”), com atores surdo-mudos e o astro mexicano Eugenio Derbet, “King Richard – Criando Campeãs”, drama com protagonista black e obstinado (Will Smith), o irlandês “Belfast”, de Kenneth Branagh, da cota do shakespeariano Reino Unido, e duas superproduções de imensas qualidades, rejeitadas de forma surpreendente pelo grande público – “O Beco do Pesadelo”, do mexicano (radicado nos EUA) Guillermo del Toro, e “Amor, Sublime Amor”, de Steven Spielberg.
Uma ausência se fez sentir: o ótimo e badaladíssimo documentário “Summer of Soul (… ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, de QuestLove, conhecido como o “Woodstock black”. Muito se conjecturou: com sua indicação, além de dar visibilidade a imagens que ficaram engavetadas por 50 longos anos, a Academia daria imenso relevo a documentário 100% black. Marcaria um gol ao valorizar a imensa contribuição de artistas afro-americanos à sua poderosa música popular e romperia o gueto dos gêneros. Ministraria, ainda, lição aos alquebrados integrantes da HFPA (Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood), que seguem agarrados ao cinema de ficção e ao musical-comédia, ignorando o documentário. Mas não foi dessa vez.
Dois filmes escandinavos ocupam espaço nobre na lista dos finalistas ao Oscar 94: o dinamarquês “A Fuga” (“Flee”) e o norueguês “A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier, que os franceses preferiram chamar carinhosamente de “Julie (en 12 Chapitres)” e também estão festejando bastante (inclusive nas prévias do César). O primeiro é um documentário realizado em animação, dirigido por Jonas Poher Rasmussen, que abriu, ano passado, o Festival É Tudo Verdade, em São Paulo. Os acadêmicos hollywoodianos o brindaram com três indicações – a melhor filme internacional, melhor animação e melhor documentário.
Já “A Pior Pessoa do Mundo” derrotou pesos-pesados que frequentaram a lista de favoritos ao Oscar internacional por longos meses: “Um Herói”, de Asghar Farhadi, “Compartment No. 6”, do finlandês Juho Kuosmanen, “A Noite do Fogo”, da mexicana Tatiana Huezo, e – até – o espanhol “O Bom Patrão”, de Fernando Leon de Aranoa.
“Madres Paralelas”, de Almodóvar, que não concorria ao Oscar internacional, fez bonito. Cravou vaga na disputadíssima categoria melhor atriz (com Penélope Cruz) e trilha sonora (Alberto Iglesias). Para deixar a Espanha em festa, o casal Bardem-Penélope vai à festa, de braços dados, para representar a Península Ibérica com toda a sua exuberância morena. Ela se expressando em sua língua materna e defendendo, qual Antígona, o direito ao túmulo (e à memória histórica) de seus ancestrais enterrados anonimanente durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ele, na pele do cubano Desi Arnaz (o músico Ricky Ricardo), marido de Lucille Ball (a Lucy, do popular seriado “I Love Lucy”), pelo filme “Apresentando os Ricardos”.
O jornal El País previu que “revolução silenciosa” estaria em processo no Oscar, esse ano. Que ela se iniciara com “Roma”, de Alfonso Cuarón, mas este filme chegara precocemente ao páreo. O “timing perfeito” imantaria o coreano “Parasita”. Hoje, dos “9.400 integrantes da Academia” – lembrou o jornal madrilenho – “47% ingressaram na instituição nos últimos seis anos”. E “25% deles residem fora do território norte-americano”. Tais fatores trariam “índice de imprevisibilidade” significativo ao poder infalível dos sindicados (de produtores, diretores, atores, roteiristas etc.).
Se não se verificasse cosmopolitismo maior nos indicados ao Oscar – marca de Cannes, Veneza e Berlim – pelo menos a Espanha poderia torcer pela presença de seu casal mais estelar na festa anglo-saxã. Pois o país de Almodóvar pode festejar. A estrela de sete filmes do manchego está indicada e o mais sinistro dos vilões (Anton Chigurh) de um filme dos irmãos Coen (“Onde os Fracos Não Têm Vez”) também. Mas desta vez, Bardem encara um personagem latino e namorador.
O Brasil, que buscava vaga entre os curtas-metragens de ficção com o belo “Seiva Bruta”, de Gustavo Milan, narrativa que uniu venezuelanos e brasileiros, na Amazônia, não ficou entre os finalistas.
Um registro final: dois astros black brilham na lista de candidatos a melhor ator – Denzel Washington, dirigido por Joel Coen em “A Tragédia de Macbeth”, e Will Smith, como King Richard. Nenhuma protagonista negra aparece na lista (além de Penélope, as indicadas são Nicole Kidman, Jessica Chastain, Kristen Stewart e Olívia Colman). Em compensação, duas coadjuvantes afro-americanas disputarão entre si a estatueta: a luminosa atriz e bailarina Ariana DeBose, 31 anos, que apaga a protagonista de “Amor, Sublime Amor” (Rachel Zegler) sempre que entra em cena no musical spielberguiano, e a maravilhosa Aunjanue Ellis, 52 anos, que interpreta a esposa do teimoso King Richard, mãe das jovens tenistas Serena e Venus Williams. E há, claro, o furacão musical de “Summer Soul”, que emerge das gavetas do esquecimento com raras força e vitalidade. Se ele não ganhar o Oscar de melhor documentário, a Academia terá cometido uma grande injustiça histórica.
Confira os finalistas:
Melhor filme
“Ataque dos Cães”, de Jane Campion
“Drive my Car”, de Ryüsuke Hamaguchi
“Belfast”, de Kenneth Branagh
“Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson
“No Ritmo do Coração”, de Siâm Heder
“O Beco do Pesadelo”, de Guillermo del Toro
“Duna”, de Denis Villeneuve
“Amor, Sublime Amor”, Steven Spielberg
“Não Olhe Para Cima”, de Adam McKay
“King Richard: Criando Campeãs”, de Reinaldo Marcus Green
Melhor filme internacional
“Drive my Car”, de Ryûsuke Hamaguchi (Japão)
“A Mão de Deus”, de Paolo Sorrentino (Itália)
“A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier (Noruega)
“A Felicidade das Pequenas Coisas”, de Pawo Choyning Dorji (Butão-China)
“A Fuga” (Flee), de Jonas Poher Rasmussen (Dinamarca)
Melhor direção
Jane Campion (“Ataque dos Cães”)
Ryûsuke Hamaguchi (“Drive my Car”)
Kenneth Branagh (“Belfast”)
Paul Thomas Anderson (“Licorice Pizza”)
Steven Spielberg (Amor, Sublime Amor”)
Melhor documentário
“Summer of Soul (… ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, de QuestLove (EUA)
“Wrinting Whit Fire”, de Rintu Thomas (Índia)
“Attica”, de Tracy Curry e Stanley Nelson (EUA)
“Ascension”, de Jessica Kingdon (EUA)
“A Fuga” (“Flee”), de Jonas Poher Rasmussen (Dinamarca)
Melhor animação
“Encanto”, de Byron Howard e Jared Bush (EUA)
‘Luca”, de Enrico Casarosa (EUA)
“A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, de Michael Rianda (EUA)
“A Fuga” (“Flee”), de Jonas Poher Rasmussen (Dinamarca)
“Raya e o Último Dragão”, de Carlos López Estrada e Don Hall (EUA)
Melhor atriz
Penélope Cruz, “Madres Paralelas”
Olivia Colman, “A Filha Perdida”
Nicole Kidman, “Apresentando os Ricardos”
Kristen Stewart, “Spencer”
Jessica Chastain, “Os Olhos de Tammy Faye”
Melhor ator
Javier Bardem, “Apresentando os Ricardos”
Benedict Cumberbatch, “Ataque dos Cães”
Andrew Garfield, “Tick, Tick… Boom!”
Will Smith, “King Richard: Criando Campeãs”
Denzel Washington, “A Tragédia de Macbeth”
Melhor atriz coadjuvante
Aunjanue Ellis, “King Richard – Criando Campeãs”
Ariana DeBose, “Amor, Sublime Amor”
Kirsten Dunst, “Ataque dos Cães”
Judi Dench, “Belfast”
Jessie Buckley, “A Filha Perdida”
Melhor ator coadjuvante
Troy Kotsur, “No Ritmo do Coração”
Ciaran Hinds, “Belfast”
Jesse Plemons, “Ataque dos Cães”
J.K. Simmons, “Apresentando os Ricardos”
Kodi Smit-McPhee, “Ataque dos Cães”
Melhor roteiro original
“A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier (Noruega)
“Belfast” (Kenneth Branagh)
“Não Olhe Para Cima” (Adam McKay)
“King Richard: Criando Campeãs” (Zach Baylin)
“Licorice Pizza” (Paul Thomas Anderson)
Melhor roteiro adaptado
“No Ritmo do Coração” (Siân Heder)
“Drive my Car” (Ryûsuke Hamaguchi e Takamasa Oe)
“Duna” (Denis Villeneuve)
“A Filha Perdida” (Maggie Gyllenhaal)
“Ataque dos Cães” (Jane Campion)
Melhor trilha sonora
“Madres Paralelas” (Alberto Iglesias)
“Não Olhe Para Cima” (Nicholas Britell)
“Duna” (Hans Zimmer)
“Ataque dos Cães” (Jonny Greenwood)
“Encanto” (Lin-Manuel Miranda)
Melhor fotografia
Greig Fraser, por “Duna”
Dan Laustsen, por “O Beco do Pesadelo”
Janusz Kaminski, por “Amor, Sublime Amor”
Ari Wegner, por “Ataque dos Cães”
Bruno Delbonnel, por “A Tragédia de Macbeth”
Melhor montagem
“Ataque dos Cães”
“Duna”
“King Ricard”
“Não Olhe para Cima”
“Tic Tic Boom!”
Melhor canção original
”Dos Oruguitas, de “Encanto”
“Down to Joy”, de “Belfast”
“Somehow You Do”, de “Four Good Days”
“Be Alive”, de “King Richard – Criando Campeãs”
“No Time to Die”, de “007: Sem Tempo para Morrer”
Melhor direção de arte
“Ataque dos Cães” (Grant Major)
“A Tragédia de Macbeth” (Stefan Dechant)
“O Beco do Pesadelo” (Tamara Deverell & Shane Vieau)
“Duna” (Patrice Vermette & Zsuzsanna Sipos)
“Amor, Sublime Amor” (Adam Stockhausen & Rena DeAngelo)
Melhor figurino
“Cruella”
“Duna”
“O Beco do Pesadelo”
“Amor, Sublime Amor”
“Cyrano”
Melhor som
“Duna”
“007: Sem Tempo para Morrer”
“Ataque dos Cães”
“Amor, Sublime Amor”
“Belfast”
Melhor curta-metragem
“Ala Kachuu – Take and Run”
“The Dress”
“The Long Goodbye”
“On my Mind”
“Please Hold”
Melhor curta (animação)
“Affairs of the Art”
“A Sabiá Sabiazinha”
“Bestia”
“Boxballet”
“The Windshield Wiper”
Melhor cabelo e maquiagem
“Os Olhos de Tammy Faye”
“Casa Gucci”
“Um Príncipe em Nova York 2”
“Cruella”
“Duna”
Melhor documentário (curta)
“The Queen of Basketball”
“Três Canções Para Benazir”
“When We Were Bullies”
“Audible”
“Lead Me Home”
Melhores efeitos especiais
“Duna”
“Free Guy”
“007: Sem Tempo para Morrer”
“Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis”
“Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”