Mostra de Tiradentes exibe 145 filmes e homenageia Bárbara Colen e André Novais

Foto: Bárbara Colen, atriz homenageada da mostra © Leo Lara/Universo Produção

Por Maria do Rosário Caetano

A Mostra de Cinema de Tiradentes dá início, nessa sexta-feira, 19 de janeiro, à sua vigésima-sétima edição com homenagem a dois nomes da linha de frente do novo audiovisual brasileiro – a atriz Bárbara Colen e o cineasta André Novais Oliveira.

O festival, que abre o calendário anual de eventos cinematográficos brasileiros, prossegue até 27 de janeiro, na cidade histórica de Tiradentes, na Região do Ouro de Minas Gerais. Serão exibidos 145 filmes e promovidos debates, seminários, oficinas, lançamento de livros e festas folclóricas.

Quem já participou da mostra mineira pôde confirmar sua fama de festival mais “cabeçudo” do país. Mas, ao longo de quase três décadas, com as graves crises políticas enfrentadas pelas instituições brasileiras, em especial a partir de 2013, o festival foi se politizando. A ponto de ano passado tornar-se sede de uma instigante espécie de Congresso Brasileiro do Cinema. Além de reunir dezenas de instituições representativas das diversas categorias de nosso audiovisual, a Mostra de Tiradentes contou até com a presença da ministra Carmen Lúcia, ex-presidenta do Supremo Tribunal Federal. E foi palco da apresentação de documento elaborado por diversos grupos de trabalho, que norteou as lutas político-culturais travadas no primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula.

Até a produção fílmica, que nos anos jacobinos do festival mineiro parecia só valorizar títulos que se apresentassem como “obra de pesquisa (ou transgressão) de linguagem”, tomou novos rumos. Passou a valorizar também produções de recorte político e social.

A Mostra Tiradentes, por empenho de suas diretoras, as irmãs Raquel e Fernanda Hallak, sempre valorizou a produção de todos os Brasis. Nunca se fixou na região Sudeste, onde estão os maiores centros produtores. Claro que Minas Gerais, o estado anfitrião, marca – como não poderia deixar de ser — presença hegemônica na seleção. Este ano serão apresentados 45 filmes de longa, média e curta-metragem do estado, que se fará seguir por São Paulo, com 32 filmes, e Rio de Janeiro, com 22.

O Nordeste teve, e continua tendo, presença marcante. Neste ano, Pernambuco se faz representar por dez filmes e o Ceará, por sete. Alagoas (com quatro), Bahia e Rio Grande do Norte (com três cada um), Sergipe, Paraíba e Maranhão (com um cada) completam o panorama da região. No total, 30 filmes nordestinos. Nada mal. A região Centro-Oeste conta com cinco filmes de Goiás, quatro de Brasília e um do Mato Grosso.

A região Sul se faz representar por quatro produções do Paraná, três do Rio Grande do Sul e duas de Santa Catarina. A Amazônia marca presença com três filmes do Pará e um de Roraima.

A programação cinematográfica, peça de resistência do evento, valoriza – além das já referidas origens geográficas e pesquisa de linguagem — a reflexão crítica. Nunca é demais lembrar que a mostra foi criada para servir de vitrine a novos realizadores, a filmes incomuns e de baixo custo. Hoje já não se usa tanto a sigla B.O. (Baixo Orçamento), mas ela já foi moeda corrente no evento.

Além das sessões presenciais, a serem fruídas pelos moradores de Tiradentes e cidades vizinhas, parte da programação será disponibilizada online, e com acesso gratuito, para todo o país.

A noite de abertura (e homenagens) exibirá “Quando Aqui”, média-metragem de André Novais Oliveira. O realizador de Contagem acabou de filmar e finalizar este novo trabalho especialmente para a 27ª Mostra de Tiradentes.

O protagonista do filme é o pai do cineasta, que vive o personagem Norberto, de 72 anos. Ele traz memórias vividas em sua casa e revive lembranças não muito distantes. De forma que o que se verá “são cenas e situações que vão revelando o passado, presente e futuro daquele lugar. Lembranças situadas no tempo e no espaço”.

A história de “Quando Aqui” foi registrada em Contagem, cidade-sede da produtora Filmes de Plástico, da qual Novais é um dos fundadores. Complementa a noite, o curta, também inédito, “Roubar um Plano”, que André Novais realizou em parceria com o paulistano, do Capão Redondo, Lincoln Péricles, o LKT.

André Novais Oliveira, cineasta homenageado da mostra © Leo Lara/Universo Produção

Além de debates sobre os trabalhos de Bárbara Colen, de 37 anos, e André Novais, de 40 – a dupla receberá presencialmente os troféus Barroco  –, suas trajetórias serão revistas em mostra de quase 20 filmes, de longa, média e curta-metragem. Entre os títulos selecionados destacam-se os curtas “Fantasmas”, de Novais, e “Contagem”, de Maurílio Martins e Gabriel Martins. Este, de 2010, chamou atenção para as potencialidades da jovem atriz Bárbara Colen, que depois brilharia em “Breve Miragem do Sol”, de Eryk Rocha, “No Coração do Mundo”, dos “irmãos” Martins, “Bacurau”, de Kleber Mendonça, e “Fogaréu”, de Flávia Neves.

Na noite de encerramento e entrega dos troféus Barroco aos vencedores, Tiradentes assistirá a um filme muito especial – “A Transformação de Canuto”, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho. Trata-se de obra incontornável, laureada com dois prêmios no IDFA, o poderoso Festival Internacional de Documentários de Amsterdã.

Por trás desse filme estão dois nomes muito caros aos festivais organizados pela irmãs Hallak e sua produtora, a Universo. Primeiro, elas reconheceram o trabalho seminal de Vincent Carelli e seu coletivo Vídeo nas Aldeias. O diretor de “Corumbiara”, “ Martírio” e “Adeus, Capitão” ganhou um Troféu Vila Rica e rica fortuna crítica reunida em catálogo histórico.

Depois foi a vez de se prestar tributo a Ariel Ortega e Patrícia Ferreira. Os dois gaúchos da nação Guarani (e artífices do Coletivo Mbyá-Guarani) também fizeram por merecer um troféu Vila Rica e mostra retrospectiva na CineOP (Mostra de Cinema de Ouro Preto). Este foi o primeiro reconhecimento público ao casal de cineastas Guarani. A região do ouro de Minas Gerais antecipou-se ao Rio Grande do Sul onde vivem e trabalham Ariel e Patrícia.

“A Transformação de Canuto”, que estreou no Festival de Brasília, no qual ganhou menos prêmios que merecia, é apresentado como um docficção (ou híbrido) pernambucano. Na verdade, trata-se de  um filme que soma o estado nordestino, base do Vídeo nas Aldeias, ao sul brasileiro (região dos Sete Povos das Missões) e à Argentina (Colectivo Arapyaú). A cineasta Lucrécia “La Ciénaga” Martel até deu sugestão muito bem recebida pelos realizadores – que não separassem a ficção (cenas recriadas) do material documental. Que se embaralhasse tudo na montagem. O que foi feito.

A “trama” se desenvolve em pequena comunidade indígena (a Mbyá-Guarani), situada nas confluências de Brasil e Argentina, e onde nasceu a lenda de Canuto, homem que teria se transformado em onça e tido morte trágica.

Desejoso de recriar esta história ouvida na infância, Ariel somou forças com Ernesto Carvalho (Vídeo nas Aldeias) e, durante anos, amadureceram  a construção de narrativa que registrasse a complexa intenção de recriar a “história” de Canuto. A elaboração de várias versões do roteiro acabaram por introduzir densa camada metalinguística no longo filme (de mais de duas horas). Ou seja, registra-se o labor de equipe que usa os meios audiovisuais para erguer um filme original, singular e instigante.

Os paraibanos, quando querem pedir um favor banhado em muito bom humor, apelam; “Pelas caridades, não faça isso (ou aquilo)”. Aqui se pede aos espectadores da noite de encerramento da Mostra de Tiradentes, que “Pelas Caridades, prestem atenção no pequeno Álvaro Benitez!”. Ele interpreta o Canuto infante. O menino é dono de olhos profundos e arredios, magro e ágil, um azougue na montagem de armadilhas de caça. Emociona tanto quanto os infantes de “Bicicletas de Nhanderú”, o mais fascinante dos curtas de Ariel Kuaray Ortega.

“A Transformação de Canuto”, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho

No domingo, 21 de janeiro, a Mostra de Tiradentes promoverá o lançamento de seis livros. Todos contarão com a presença de seus autores (ou organizadores) para sessão de autógrafos.

Hermes Leal, criador e editor da Revista de CINEMA, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), vai autografar “O Sentido das Paixões – Teoria Semiótica da Narrativa e da Ficção” (Editora Zagodoni), no qual estuda filmes como “Roma”, de Alfonso Cuáron, “Parasita”, de Bong Joon-ho, “Ataques dos Cães”, de Jane Campion, “A Doce Vida”, de Federico Fellini, e o brasileiro “Bacurau”, além de importantes séries norte-americanas.

Raquel Hallak d’Angelo e Fernanda Hallak autografarão duas importantes publicações da Mostra Tiradentes: o catálogo especial da vigésima-sétima edição e o livro “Fórum de Tiradentes – Encontros pelo Audiovisual Brasileiro” (este contou, também, com o crédito de Mário Borgneth e Alfredo Manevy). Lançamentos da Universo Produções.

Paulo Henrique Silva e Gabriel Carneiro, organizadores do livro “Cinema Fantástico Brasileiro – 100 Filmes Essenciais” (Editora Letramento), Guilherme Fiúza Zenha e Júlia Nogueira (“Guia de Elaboração de Projetos – Leis de Incentivo e Fundos de Financiamento – Editora Fogueira), e Victor Graize, autor de “Vir de Tão Longe” (Borda Editorial) estarão no final da manhã dominical autografando suas publicações.

O festival de Tiradentes promove duas mostras competitivas: a Aurora e a Olhos Livres (ambas para longas-metragens). Os selecionados da primeira competição serão avaliados por Júri Oficial e concorrem ao Troféu Barroco e a prêmios de parceiros da Mostra.

Os títulos selecionados para a mostra Olhos Livres serão avaliados pelo Júri Jovem, que atribuirá ao melhor filme, o Troféu Carlos Reichenbach, em homenagem ao cineasta paulista, nascido no Rio Grande do Sul, criador de obra prolífica, na qual se destacam “Lilian M”, “Extremos do Prazer”, “Filme Demência”, “Anjos do Arrabalde”, “Alma Corsária” e “Garotas do ABC”.

Confira a programação:

Mostra Aurora

. “Eu Também não Gozei”, de Ana Carolina Marinho (SP)
. “Maçãs no Escuro”, de Tiago A. Neves (SP)
. “Sofia Foi”, de Pedro Geraldo (SP)
. “O Tubérculo”, de Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thome Zetune (SP)
. “EROS”, de Rachel Daisy Ellis (PE)
. “Not Dead”, de Isaac Donato (BA)
. “Lista de Desejos para Superagüi”, de Pedro Giongo (PR)

Mostra Olhos Livres

. “Terror Mandelão”, de Felipe Larozza e GG Albuquerque (SP)
. “A Câmara”, de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão (DF)
. “Foram os Sussurros que me Mataram”, de Arhur Tuoto (PR)
. “SOAP”, de Tamar Guimarães (RJ-SP)
. “Aquele que Viu o Abismo” (SP), de Gregorio Gananian e Negro Léo (SP)
. “Seu Cavalcanti”, de Leonardo Lacca (SP)

Mostra “Autorias”

. “Estranho Caminho”, de Guto Parente (CE)
. “Tudo o que Você Podia Ser”, de Ricardo Alves Jr (MG)
. “Yvy Pyte – Coração da Terra”, de Alberto Alvares e José Cury
. “O Diabo na Rua no meio do Redemunho”, de Bia Lessa (RJ)

Mostra Foco (Curtas-Metragens)

. “O Materialismo Histórico da Flecha Contra o Relógio”, de Carlos Adriano (SP)
. “Eu Fui Assistente de Eduardo Coutinho”, de Allan Ribeiro
. “Eu Não Nasci Para Isso”, de Erik Ely (GO)
. “O Cavalo de Pedra”, de Daniel Nolasco (RJ-GO)
. “Garimpando Garimpeiros”, de Tomás Tancredi (RR)
. “Aguyjeve Avatx’i”, de Kerexu Martim (SP)
. “O Canto”, Izabella Vitório e Isadora Magalhães (AL)
. “Onde Está Mymye Mastroigna”, de biaritzzz (PE/CE)
. “Moventes”, de Jeferson Cabral (RN)
. “Cassino”, de Gianluca Cozza (RS)
. “Onde Judas Roubou as Botas”, do Coletivo Pisquinhos (MG)

Mostra Praça (filmes ao ar livre)

. “A Festa de Leo”, de Luciana Bezerra e Gustavo Melo
. “As Primeiras”, de Adriana Yañez
. “Mais um Dia Zona Norte”, de Allan Ribeiro
. “Saideira”, de Júlio Taubkin e Pedro Arantes
. “Mussum – O Filmis”, de Silvio Guindane

Mostra “Deslumbramento”

. “Bizarros Peixes das Fossas Abissais”, animação dirigida por Marão
. “Leme do Destino”, de Julio Bressane

Mostrinha Tiradentes

. “Teca e Tuti: Uma Noite na Biblioteca”, animação de Eduardo Perdido, Tiago MAL e Diego M. Doimo
. “Placa Mãe”, de Igor Bastos (primeira animação de longa duração realizada no interior de MG)

Mostra Clássicos de Tiradentes

. Novidade deste ano, o programa composto com um curta (“Meu Amigo Mineiro”/2013), de Gabriel Martins e Victor Furtado) e um longa (“Estrada para Ythaca”/2010, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti ) pretende “revelar universo de filmes que atentam contra duas noções vulgares e mais convencionais sobre a ideia ‘clássico’: a de filmes amplamente conhecidos e que fazem parte de memória em comum do público e a que parasita a ideia de obras de arte que primam pelo equilíbrio e por uma forma de expressão ideal”. Os selecionados, e assim acontecerá em edições futuras, “construíram lastro que entende a independência como aliada da imaginação e da surpresa”.

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