“O Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)” estreia no streaming e no Canal Brasil
Por Maria do Rosário Caetano
“O Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)”, segundo longa-metragem de Bertrand Lira, será lançado no streaming (plataformas Net Claro, Vivo e Oi) a partir deste primeiro de janeiro. Depois, em março, o documentário de características híbridas entrará na grade linear do Canal Brasil.
Quem assistir ao filme, merecedor do Prêmio do Júri Popular no Festival Internacional de Cinema de João Pessoa e Prêmio da Crítica (atribuído por júri presidido por Jean-Claude Bernardet), no Festival Aruanda, ficará em dúvida se está diante de uma ficção ou de um documentário. Os mais plugados em conceitos contemporâneos, o tomarão como um “híbrido”. Mas seu diretor, Bertrand Lira, professor aposentado da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), define seu filme como um legítimo documentário.
Apesar de contar em seu elenco com duas atrizes profissionais e muito premiadas – Zezita Mattos e Marcélia Cartaxo –, o cineasta paraibano, nascido em Cajazeiras e integrante de família de artistas (os atores Soia, Nanego e Buda Lira), garante que as duas dão testemunhos reais ao filme, contam histórias pessoais, expõem fragmentos de suas próprias vivências.
“O Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)” registra o universo afetivo-existencial do professor de arte e maquiador William Muniz, da professora trans Danny Barbosa (que depois se tornaria atriz, de “Bacurau”, “Calunga Maior”, entre outros) e das conhecidas e festejadas Zezita Matos e Marcélia Cartaxo. Os quatro terão seus destinos entrecortados por consultas a cartomantes e pais de santo, que irão prever seus futuros, aconselhá-los no que diz respeito às suas vidas afetivas. Entre os praticantes de cultos afro-brasileiros, destacam-se Pai Júlio, Mãe Severina, Pai Nelito e Afrovalter.
Como força de amálgama, o filme soma busca amorosa, afetos perdidos e a crença no poder da magia, das cartas, dos búzios, das oferendas e banhos de ervas, recursos metafísicos utilizados por todos que querem trazer de volta o ser amado. Os “personagens” relatam suas desventuras amorosas e são colocados diante do imponderável. Querem, necessitam, saídas para suas angústias existenciais.
O impressionante depoimento confessional de Zezita Matos, de 80 anos, é arrebatador, comovente, impressionante. A atriz de teatro, de longas-metragens (como “Pacarrete” e “Bia”) e telenovelas (“Velho Chico”) garantiu à Revista de CINEMA que tudo que disse à equipe do filme é verdadeiro. Ela narra dolorosa separação de seu companheiro de uma vida (quase) inteira, com quem manteve significativa militância política (no Partidão, o velho PCB) e construiu sólida vida conjugal. Até que veio a separação e ela embarcou em viagem que parecia não ter volta. Sofreu muito, viu sua respeitada carreira de atriz correr risco, pois não conseguia se concentrar, decorar textos. A dor era profunda, dilacerante. Chegou a pensar que abandonaria ofício tão amado e por décadas razão de ser de sua vida.
Jean-Claude Bernardet, professor da USP, ensaísta e um dos críticos mais respeitados do país, ponderou ao ver o filme: “’O Seu Amor de Volta’ cutuca os nossos demônios íntimos com afeto, mas sem jamais perder a ironia”.
Vladimir Carvalho, cineasta paraibano-brasiliense, refletiu sobre o longa-metragem e concluiu tratar-se de “um documento antropológico com visão dramático-poética da dilacerante solidão humana”. Companheiro de militância política da amiga e conterrânea Zezita Matos (inclusive nas lides do Partidão), o diretor de “O Engenho de Zé Lins” sabia que ela não estava inventando histórias de perda amorosa para a câmara de Bertrand Lira. Por isso, registrou sua emoção ao falar de “Seu Amor de Volta”: “dói na alma ver essas criaturas palmilhando os insondáveis abismos de sua condição, sujeitas a restrições e preconceitos.”
Bertrand Lira, que mostra imenso afeto por suas “personagens”, lembra que o tema de seu segundo longa documental – a decepção amorosa e a busca de algum conforto espiritual — surgiu como “necessidade” que o atraía profundamente.
Ele se colocou, ao conceber o filme, questões instigantes: “por que essa nossa obsessão em amar e ser amado por uma pessoa que ainda nem conhecemos na sua plenitude? Seria esse desejo fruto de um condicionamento social? Uma necessidade natural já impressa no nosso DNA? Por que dependemos tanto de outra pessoa para a nossa própria realização afetivo-emocional?”
O filme não se propõe a dar respostas a essas angústias metafísicas. Mas espera que as histórias de perdas e frustrações de suas “personagens” sirvam para colocar tais questões, pelo menos durante enxutos 80 minutos, na pele e sensibilidade do espectador.
“O Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira”) ganha visibilidade, a partir de março, no Canal Brasil, graças à “rodada de negócios” ocorrida durante o Festincinejp (Festival Internacional de João Pessoa). O evento reuniu representantes de players como Globo Filmes, Canal Brasil, Walt Disney, Conspiração, Vitrine, O2 Play, DocSP e Paramount.
“Essa iniciativa organizada pela Funjope (Fundação Cultural de João Pessoa) – testemunha Bertrand Lira — “nos proporcionou, além de exibição no Canal Brasil, contato com a Globo Filmes para realização de parceria em projetos futuros”. E arremata: “a prefeitura da capital paraibana deu importante passo no fomento ao nosso cinema, criando a Film Commission local e a Agência Municipal de Cinema”. Novos tempos se anunciam para o longa-metragem paraibano, estado que fez história nos anos 1960 com “Aruanda” e “Cajueiro Nordestino”, ambos de Linduarte Noronha, e com os primeiros curtas de Vladimir Carvalho, Rucker Vieira e João Ramiro Melo. Sessenta anos depois, o estado luta para consolidar-se em proporções e peso similares aos de Pernambuco, Bahia e Ceará.
O Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)
Brasil, 2019, 81 minutos
Direção: Bertrand Lira
Elenco: Zezita Mattos, Marcélia Cartaxo, Danny Barbosa, William Muniz, Afrovalter, Pai Júlio, Mãe Severina e Pai Nelito
Fotografia: Luís Barbosa
Montagem: Diego Benevides e Bertrand Lira
Trilha sonora: Gabriel Araújo
Produção: Diego Benevides e Pablo Maia
Filmografia
Bertrand Lira (Cajazeiras-PB)
Mestre e doutor em Sociologia e Cinema, com formação prática no Ateliê de Realizacão Cinematográfica de Paris (Instituto VARAM), professor aposentado da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), roteirista e diretor.
Longas-metragens:
2019 – “O Seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)”
2009 – “O Rebeliado”
Curtas e médias-metragens:
2022 – “Brasil, Cuba” (doc, 12min)
2012 – “A Poeira dos Pequenos Segredos” (ficção, 12 min.)
2011 – “O Diário de Márcia” (doc, 20 min.)
2008 – “Crias do Piolim” (doc., 53 min.)
2008 – “Homens”, co-direção de Lúcia Caus (doc, 20 min.)
2004 – “O Senhor do Engenho” (doc, 16 min.)
2003 – “Bom Dia, Maria Nazaré” (doc., 20 min.)