A importância dos canais Cabeqs

Há pouco mais de cinco anos, o mercado de TV independente no Brasil era ainda uma projeção quase irreal, dado que no país este mercado era quase inexistente. Mas de nada valeria tantos recursos se não fossem os canais qualificados, como CineBrasilTV, Curta!, Canal Brasil e os canais do grupo Box Brazil, que absorveram esse novo mercado, tornando-se responsáveis pelo surgimento de muitas produtoras, inclusive fora do eixo Rio/SP.

Quando o Box Brazil, que tem quatro canais – Prime Box Brazil, Fashion TV, Music Box Brazil e o Travel Box Brazil –, nasceu, em 2010, foi pensado em decorrência da Lei 12.485, sancionada durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, em 2011, mas que já tramitava no Congresso há quatro anos. “O Canal nasceu já considerando o debate em torno do que viria a ser a Lei 12.485. Sete anos após a promulgação da lei, é notável que de fato passou a existir um mercado de TV paga brasileiro”, fala Ramiro Azevedo, diretor do Prime Box Brazil e do Fashion TV.

“Natureza Morta”, de Flávio Frederico, é a primeira série de ficção do canal CineBrasilTV, que estreia neste mês

Mas, se por um lado, a lei foi essencial para que começasse a existir um mercado para a produção de conteúdo nacional nas TVs pagas, por outro, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), que regula e fiscaliza o cumprimento da Lei 12.485, segundo Maria Rita Nepomucemo, curadora de conteúdos do CineBrasilTV, esteja novamente dando lugar a uma política exclusivamente de fomento. “Há muito o que se regular, seja na competitividade dos produtos em diferentes janelas, seja nos contratos das operadoras com os produtos. A Ancine se ausenta de mediar conflitos do mercado, e na própria circulação desses em outros segmentos, como a TV aberta que permanece sem regulação”, entende Maria Rita.

Expansão do conteúdo nacional e a ascensão das produtoras independentes 

Com a expansão da demanda por conteúdo nacional, a partir de 2012, os canais estrangeiros e os nacionais pagos tiveram que redirecionar sua produção, o que acarretou mudanças drásticas nas suas grades de programação e na necessidade de delegar seu conteúdo para as produtoras independentes. Para Paulo Mendonça, diretor do Canal Brasil, a produção independente brasileira se viu beneficiária de uma demanda responsável por um crescimento nunca antes visto. “Redirecionamos nossos investimentos para coproduções de filmes de ficção e documentais, que têm uma significativa aceitação pelo nosso público”, revela.

Quase toda a produção dos canais pagos ouvidos pela Revista de CINEMA é feita por produtoras independentes. Hoje, no Canal Brasil, apenas o Cinejornal é produzindo internamente, o mesmo se dá na programação do CineBrasilTV, feito na sua totalidade fora do canal. Enquanto que no Box Brazil apenas os seus canais Music Box Brazil e Fashion TV se produz uma parte internamente. O Canal Curta!, por exemplo, ao completar cinco anos no ar em 2017, anunciou que investiu R$ 65 milhões em conteúdos originais independentes.

RAMIRO AZEVEDO: “Sete anos após a promulgação da lei, é notável que de fato passou a existir um mercado de TV paga brasileiro”

Produtoras 

Antes da Lei 12.485, existia por volta de 200 produtoras independentes no Brasil (dados não oficiais) e poucas produziam de forma frequente e em grande quantidade, como era o caso da Modo Operante, criada em 2004, e sediada no Rio de Janeiro. “A Modo Operante foi criada em 2004 e, até 2011, o número de projetos realizados por ano era menor e com muito mais dificuldades de financiamento”, conta a diretora Susanna Lira, uma das sócias da produtora. Segundo ela, a lei permitiu que a produção da sua empresa aumentasse em 70%, em 2012. “Foi uma injeção de ânimo e crescimento para o segmento”, lembra. Atualmente, existem mais de 900 produtoras cadastradas na BRAVI (Brasil Audiovisual Independente), associação que agrega as produtoras independentes de todo o país.

Mônica Monteiro, CEO da produtora Cine Group, lembra que, antes de 2011, os canais estrangeiros que atuavam na América Latina tinham seus escritórios sediados na Argentina. Hoje, têm sedes no Brasil e com executivos brasileiros. “O crescimento da indústria só aconteceu por causa da lei. Nossa empresa já produzia muito para a TV paga brasileira, mas os canais internacionais abriram as portas”, revela Mônica, que têm uma de suas sedes na África do Sul.

Maria Rita Nepomucemo: “Há muito o que se regular, seja na competitividade dos produtos em diferentes janelas, seja nos contratos das operadoras com os produtos”

Intercâmbio e um “olhar internacional” 

A obrigatoriedade de conteúdo nacional em parte da grade de programação dos canais estrangeiros, a partir de 2011, beneficiou, segundo as fontes ouvidas, a troca de experiências e tecnologias entre os canais internacionais, nacionais e as produtoras independentes. “A expertise de profissionais de canais internacionais com certeza contribuiu para uma formação de projetos e conteúdos mais adequados ao mercado de TVs pagas”, entende Ramiro Azevedo. Mas Mônica Monteiro, mesmo concordando que houve um ganho de expertise dos profissionais brasileiros, acha que ainda temos muito que aprender com o mercado internacional. “O intercâmbio está ajudando a treinar esse olhar internacional para criarmos produções com potencial para mercados estrangeiros”. E, parte dessa dificuldade, segundo Mônica, vem do baixo investimento brasileiro comparado com o mercado internacional. “São poucas as séries produzidas no Brasil em que o valor se aproxime de US$ 500 mil a US$ 1 milhão por episódio, como é no mercado internacional. Como podemos competir? Aí, nós temos que ser muito criativos”. E completa: “O MinC e a Ancine têm feito um esforço grande para aumentar os recursos e transformar a nossa indústria mais forte e competitiva”.

“Com o produto estrangeiro, o produtor entende que a linguagem da TV pode ser autoral e comunicar ao mesmo tempo, o que as séries documentais internacionais já fazem há bastante tempo”, explica Maria Rita, do CineBrasiLTV. Para ela, o mercado está acordando, retomando uma pauta de conciliar o diálogo com o público amplo, diferente do autor, e o acesso às questões refinadas do drama e da realidade brasileira. Mas ela acha que as TVs independentes são fundamentais para, não somente a formação desse público, mas principalmente para que seu olhar seja mais exigente e crítico em relação ao que se produz nas TVs abertas e nos próprios canais estrangeiros.

Paulo Mendonça: “‘Toda Forma de Amor’, de Bruno Barreto, e ‘A Lama dos Dias’, de Hilton Lacerda, são a virtude de trazer o olhar cinematográfico para o universo das séries televisivas”

Maior parte da produção recente se mostra a partir deste ano

Este ano, será de grandes lançamentos e produções em andamento. É o que revela os canais pagos e as produtoras independentes. O Canal Brasil foi o único a revelar o valor do investimento para este ano, R$ 37 milhões em produções, coproduções e licenciamentos. E seu diretor, Paulo Mendonça, acredita que esta tendência de crescimento de novos conteúdos produzidos pelos canais pagos é o testemunho de que o Brasil está se consolidando como o país do audiovisual, seja o feito para televisão e/ou para o cinema. “’Toda Forma de Amor’, de Bruno Barreto, e ‘A Lama dos Dias’, de Hilton Lacerda, são a virtude de trazer o olhar cinematográfico para o universo das séries televisivas”.

O CineBrasilTV vai estrear, em abril, sua primeira série ficcional, “Natureza Morta”, e tem, no Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), 144 produções em andamento, sendo que 66 delas já tiveram financiamento aprovado. Dessas 144 produções, 28 são séries ficcionais. “Temos a meta de conquistar o público cativo de boa dramaturgia brasileira. Entre os destaques das nossas produções, posso citar: ‘Histórias da Alimentação no Brasil’, baseado na obra de Câmara Cascudo, e ‘O Ambientalista’, que investiga crimes ambientais no Brasil”, revela Maria Rita, que também tem planejado uma animação, “Drama Universitário”, série em pré-produção, e interesse em telefilmes ficcionais.

A produtora Modo Operante está finalizando o longa “Mussum, um Filme do Cacildis”, coproduzido pela Globo Filmes e Globo News, e lançou recentemente a primeira temporada da série de investigação policial “Rotas do Ódio”, no canal Universal Channel, que já produziu a segunda temporada da série, orçada em R$ 6 milhões. As duas temporadas têm cinco capítulos cada uma. “Lançamos, recentemente, no Canal Curta!, o filme ‘Clara Estrela’, documentário que fiz com Rodrigo Alzuguir, sobre a cantora Clara Nunes, que ainda pode chegar nos cinemas, depois de passar por festivais e estrear em fevereiro no Curta!”, conta Susanna Lira, que está produzindo uma microssérie para o SBT, e realizou conteúdo para o Canal Futura e o Fashion TV.

Susanna Lira: “A Modo Operante foi criada em 2004 e, até 2011, o número de projetos realizados por ano era menor e com muito mais dificuldades de financiamentos”

A produtora Cine Group está produzindo para vários canais ao mesmo tempo, e agora, em abril, vai estrear a série “Mil Dias”, que produziu para o History Channel. “É uma superprodução sobre a construção de Brasília. É um docudrama de quatro episódios, em que contamos a história da capital federal do ponto de vista de quem trabalhou nas obras. Recriamos a construção em computação gráfica”, explica Mônica Monteiro, que produziu também a série “Teatro no Ato”, para o Canal Arte 1, com direção e roteiro de João Falcão, sobre a montagem de uma peça desde a leitura do texto pelos atores até os ensaios e a montagem. Além do documentário “Karingana – Licença para Contar”, que fala sobre a língua portuguesa nas ex-colônias de Portugal, com Maria Bethânia e os escritores Mia Couto e José Eduardo Agualusa.

 

Por Amilton Pinheiro

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