Filme poético e temas históricos dominam Festival de Brasília

O 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que acontece de 17 a 24 de setembro, o mais antigo do país, conseguiu uma boa seleção de filmes inéditos e volta a ser exibido no habitat natural, o Cine Brasília, obra de Oscar Niemeyer, que passou por ampla reforma e está ligado à própria história do festival. Nos sete dias de evento, serão exibidos seis longas ficcionais, seis documentários e 18 curtas (seis animações, seis ficções e seis documentários). Há produções oriundas de quatro das cinco regiões brasileiras (só o norte ficou sem vaga). Brasília, centro geopolítico do país, sempre fez questão de servir de vitrine aos muitos Brasis na seleção dos filmes.

Se, em Gramado, centros de produção fortes como Rio e Pernambuco estão ausentes da competição de curtas, em Brasília, tal circunstância não se repete. Em Brasília, o Rio comparece com cinco títulos e Pernambuco, com dois. Minas Gerais teve três curtas selecionados. Brasília e Paraná, dois cada. De Goiás, Rio Grande do Sul e São Paulo foram selecionados três títulos (um concorrente para cada). O filme de abertura foi o documentário “Revelando Sebastião Salgado”, de Betse de Paula, e na noite de encerramento o comando do festival promete síntese. Em anos recentes, o excesso de troféus “Candango” (que distribuirá R$ 700 mil em prêmios) havia transformado a solenidade demorada e monótona.

De filmes de ação a propostas poéticas

São Paulo e Rio participam com dois longas de ficção, cada um. A produção paulista se faz representar por “Riocorrente”, primeiro longa ficcional de Paulo Sacramento, diretor do impactante “O Prisioneiro da Grade de Ferro” e montador dos mais requisitados, e por “Avanti Popolo”, do uruguaio-israelense-brasileiro Michael Wahrmann, um filme aplaudido em festivais internacionais em função de sua linguagem extremamente poética. Estes filmes trazem em suas fichas técnicas duas figuras que deixaram muitas saudades: Aloysio Raulino, que morreu em abril último, fotografou “Riocorrente”, e Carlão Reichenbach, que partiu em junho de 2012, um dos principais “atores” de “Avanti Popolo”, interpretando um pai que perdeu o filho na época do regime militar.

O festival será palco do primeiro filme de ficção de Paula Gaitán, “Exilados do Vulcão”, conhecida por belos documentários e atuação como videomaker. O filme relata o percurso de uma mulher pelos rastros de um homem que ela conheceu no passado. No elenco estão Simone Spoladore, Clara Choveaux e Vincenzo Amato. Gaitán foi companheira de Glauber Rocha, é mãe de dois cineastas, Ava e Eryk Rocha. Ava, que é também cantora, está no elenco do filme.

Substituindo o filme selecionado anteriormente, “A Estrada”, de Vicente Ferraz, a programação incluiu o filme de estreia em longa da diretora Renata Pinheiro, de Pernambuco, “Amor, Plástico e Barulho”, que conta a história de uma jovem dançarina que sonha se tornar cantora e de uma experiente cantora que já emplacou alguns sucessos mas que amarga o declínio da sua carreira.

A cinematografia do nordeste está presente ainda com dois filmes, o baiano “Depois da Chuva”, a estreia no longa-metragem de Marília Hughes e Cláudio Marques, que acumulam muitos prêmios como curta-metragistas. O filme se passa na Bahia, em 1984, portanto, no alvorecer da Nova República. Os jovens Sophia Corral e Pedro Maia encabeçam o elenco. A fotografia é de Ivo Lopes Araújo, do Coletivo Alumbramento.

O outro é um filme cearense, “Os Pobres Diabos”, de Rosemberg Cariry, uma fábula nordestina baseada nos textos de cordel, e interpretada por uma trupe de circo que perambula por pequenas vilas sertanejas, até chegar à cidade de Aracati, onde montará narrativa teatral sobre a chegada do bandido “Lamparina” ao inferno. À frente do elenco, Sílvia Buarque, Chico Diaz, Gero Camilo e Everaldo Pontes. E fotografia do cineasta Petrus Cariry.

Documentários

Maria Augusta Ramos, cineasta brasiliense, radicada na Holanda, chega ao festival com seu quinto longa-metragem, “Morro dos Prazeres”. O filme registra crônica documental do dia a dia de uma comunidade carioca, um ano depois da instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora, e forma, com “Justiça” (2004) e “Juízo” (2007), o que a autora define como “trilogia em torno dos sentidos de lei para cidadãos e sujeitos encarregados de fazê-la valer”. Já “Plano B”, do brasiliense Getsemane Silva, tem como tema um dos mais importantes diretores cinemanovistas, Joaquim Pedro de Andrade. Em 1967, Joaquim Pedro revelou os redutos pobres de Brasília, mas as imagens captadas terminaram por desagradar aos patrocinadores. Passados 45 anos, outra equipe de cinema procura as pistas da produção, vasculha os porões da censura e o desaparecimento do filme. Tudo para entender , diz Getsemane, por que “a vanguarda modernista não chegou às periferias urbanas.”

Noilton Nunes estreia na competição do festival candango com o documentário “A Arte do Renascimento – Uma Cinebiografia de Silvio Tendler”. Ao longo de 72 minutos, Noilton registra o grave mal que acometeu Silvio Tendler, diretor de “Jango” e “Utopia e Barbárie”, deixando-o tetraplégico. Após delicada operação na medula, Silvio vem recuperando suas forças, sua vontade viver e de criar. Já “O Mestre e o Divino”, do pernambucano Tiago Campos, mostra dois cineastas ocupados em retratar a vida na aldeia e missão de Sangradouro, em Mato Grosso. Um é Adalbert Heide, missionário alemão, que em 1957 começa a filmar com sua câmera Super-8, e Divino Tserewahu, jovem cineasta Xavante, que produz filmes para a televisão e festivais de cinema. Vicent Carelli, criador do projeto Vídeo nas Aldeias, comanda a produção.

“Outro Sertão”, das capixabas Adriana Jacobsen e Soraia Vilela, investiga a passagem de João Guimarães Rosa, o autor de “Grande Sertão: Veredas”, pela Alemanha nazista. Ele o fez na condição de vice-cônsul do Brasil, em Hamburgo, entre 1938 e 1942. Com imagens de arquivo da época, documentos, testemunhos de pessoas que o conheceram e uma entrevista inédita com o próprio escritor, o filme revela novos aspectos da biografia do criador de Riobaldo e Diadorin. O documentário “Hereros Angola”, do baiano Sérgio Guerra, centra seu foco em grupo étnico das terras do sudoeste de Angola, provenientes dos povos Banto, e donos de tradição ancestral que é passada oralmente de pais para filhos. O brasileiro Sérgio Guerra, presidente da M’Link de Angola, tornou-se o único fotógrafo estrangeiro a registrar todas as províncias angolanas ainda em tempos de Guerra Civil.

Este ano, os eventos paralelos do festival terão muito debate, incluindo a “Nova Comédia Brasileira”, que vive dias de bonança com o grande público. Na mesa de debates, o professor da USP, Elias Thomé Saliba, autor de “Raízes do Riso: a Representação Humorística na História Brasileira”. Um pensador que conhece bem o prazer de uma boa gargalhada e os mistérios de um riso irônico.

Na contramão

A seleção de filmes do Festival de Brasília deste ano ao invés de apostar em filmes independente do gênero, tornou-se uma soma de feudos: o da ficção, o do documentário e o da animação. Enquanto isto, os grandes festivais planetários apostam em “filmes-filmes”, simplesmente, pois são cada vez mais tênues as fronteiras que separam os gêneros. Brasília assume-se, pois e teimosamente, como um festival de fronteiras cinematográficas. Tudo para agradar aos que defendem o documentário como uma “categoria pura” ou são cruzados em defesa da animação.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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