Quem vai me surpreender?
Quando veremos produzido no Brasil um filme com uma trama intrigante? Um filme ou seriado capaz de prender o público com uma história instigante? Pois esse foi o título de uma crítica recente na Folha de São Paulo: “Filme argentino ‘Tese sobre um Homicídio’ envolve com trama intrigante “. Há um desejo em cada roteirista e autor, e dos cineastas que roteirizam seus filmes, de estar realmente sendo instigante. Então, por que nossos filmes são, em sua grande maioria, medianos? Por que deveria ser tão dolorida a autocrítica dos nosso autores?
Deveríamos dilacerar a nossa própria carne, recusar ser mediano, deixando de antecipar um resultado positivo do que ainda não somos, achando que os filmes serão sucessos somente pela ideia criativa que se teve para fazer o roteiro, independente do resultado. Não percebemos o outro olhar, que não basta ser somente cineasta ou roteirista para transformar uma boa ideia em uma boa obra. É preciso mais que talento. O bom artista deveria ser como Paul Cézanne, que sempre duvidou que uma obra sua estivesse realmente pronta, porque não aceitava ser mediano, não queria sua obra vista apenas no plano da expressão, e se se esforçasse muito conseguiria se aprofundar mais no seu projeto de pintar o impintável, e assim surpreenderia o espectador que iria admirá-la. Um filme, ou qualquer obra de arte, só é bom quando surpreende. A surpresa conquista espectadores simples e exigentes, e é tão importante que a frase marcante dita pelo Papa Francisco em visita ao Brasil foi que “as pessoas se deixem surpreender por Deus”. Qual filme bom não foi surpreendente?
Autenticidade é o que pede o personagem Anton Ego, do filme “Ratatouille”, um crítico gastronômico de extrema exigência, quando lhe é oferecido um prato novo em um restaurante para ser avaliado, ao dizer ao jovem aprendiz Alfredo Linguini: “Surpreenda-me”. Para ser surpreendente precisa ser autêntico. E a autenticidade é o grande novelo criativo de nossos roteiristas, escritores e cineastas, que esbarram em uma cultura de não saber olhar para nós mesmos. Se não fossem os artistas holandeses e franceses (Frans Post e Debret) reproduzindo a nossa realidade no passado, não teríamos os índios e negros na pintura brasileira. Nem mesmo a tela “A Negra”, de Tarsila do Amaral, que foi pintada na França quando o movimento negro vindo da África ganhava força na Europa. O crítico de arte Jorge Coli chegou a estas conclusões analisando as pinturas representativas sobre o Brasil, de que o brasileiro não sabe olhar para si mesmo, e, portanto, tem dificuldade de expressar com autenticidade seu próprio projeto narrativo. Isso também se reflete em outras artes, e impregnou nossa gênese e matriz da criação narrativa. Daí a importância que nossos autores dão para a improvisação, para o simbólico no lugar do real, e o imaginário no lugar do saber.
Vemos a cultura da não-narrativa e da simbologia metafórica de várias formas, na opção pela poesia ao invés da prosa, como a literatura popular do Brasil, que prefere as frases de efeito dos poetas à narrativa enigmática dos prosadores. Temos uma influência muito forte de narrar complicado, uma tendência que herdamos dos portugueses e da cultura ibérica, e que dominou a narrativa nos anos 60, especialmente, na Argentina. Movimento que se dissipou faz muitos anos, mas permaneceu na cabeça dos criadores brasileiros, em que tudo para ser bom e inteligente precisa ser complicado e difícil. Se ninguém entender, melhor. Assim, o artista seria mais valorizado. Porque o valor para ele é também simbólico, e não real. E o espectador parece não levar em conta isso.
Basta ver nossa prosa no cinema, TV e literatura: uma narrativa apenas de discurso, como se a fala fosse a parte mais forte de uma história, como foi nos tempos da radionovela. Nos roteiros e nos filmes, as histórias perdem densidade, porque existe uma grande dificuldade de nossos autores em deixar claro a profundidade de um personagem e de uma história. Recusando-se realmente ser conquistado pela exposição de sua inteligência. Parece que nossos autores preferem deixar para o espectador um enigma insolúvel ao invés de uma intriga que possa gerar uma expectativa de surpresas. Assim, nossos best-sellers são os livros jornalísticos e biográficos, e nossos campeões de bilheterias são comédias com roteiros copiados dos folhetins telenovelescos. Essa falta de noção não ocorre porque nossos autores não se atrevem a agradar o público com uma boa prosa, mas porque eles acham que já estão fazendo isso.
Assim, o olhar do realizador continua para fora, para a superfície. E a questão continua. É o jeito do brasileiro acertar as coisas; falhando.