Cruzando as fronteiras do financiamento criativo
Implementar uma iniciativa requer investimento. De recursos humanos e financeiros. Com o avanço constante da tecnologia e estreitamento crescente entre as distâncias geográficas e culturais, o processo internacional de troca destes recursos tem se tornado cada vez mais presente na dinâmica da economia criativa atual. Surge então um novo modelo de produção, notadamente cooperativo, desde a concepção até a execução de uma iniciativa cultural, passando pelo próprio procedimento de captação de recursos.
Dentro deste contexto, encontramos hoje no mercado cultural a disponibilização de uma série de ferramentas e mecanismos de financiamento transnacionais para iniciativas criativas. Longe de elencar num único artigo este vasto leque de possibilidades, busco aqui, em breves linhas e a título elucidativo, tratar de alguns destes importantes mecanismos.
O primeiro e mais “viralizado” de todos são as plataformas de financiamento coletivo ou “crowdfunding” como são conhecidas. Conceitualmente, trata-se do processo de captação de recursos para viabilização de determinada iniciativa através da agregação de múltiplas fontes de financiamento.
Pode assumir o formato de RETRIBUIÇÃO/DOAÇÃO, com ou sem recebimento de recompensa respectivamente, ou PARTICIPAÇÃO/EQUITY, através do qual o solicitante cede uma parte dos seus negócios aos colaboradores. A campanha pode ser “FLEXÍVEL”, que é quando o solicitante fica com o recurso arrecadado mesmo não atingindo a meta, ou “TUDO OU NADA” (mais utilizada), que prevê a devolução das quantias doadas aos colaboradores caso a meta não seja atendida.
No Brasil, há diversas plataformas em funcionamento. Algumas mais gerais e outras mais específicas para determinados tipos de demandas, como iniciativas de cunho social e de ajuda a animais, por exemplo. Dentro do escopo de financiamento de iniciativas variadas, podemos citar com destaque as plataformas Kikante (http://www.kickante.com.br), Catarse (https://www.catarse.me) e Benfeitoria (https://www.benfeitoria.com), cada uma com suas especificidades, vantagens e desvantagens a depender da ação que se pretende financiar.
No plano transnacional, destaca-se a plataforma Kickstarter (https://www.kickstarter.com), uma das, senão a maior, plataforma de financiamento coletivo transnacional. Para participar é necessário ser residente nos Estados Unidos (comprovação através da apresentação de conta bancária, endereço fixo, carteira de motorista e demais registros em solo americano) e ter uma conta no Amazon Payments. Destaque também para a plataforma Idea.me (http://www.idea.me), direcionada em especial para os seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, EUA e Uruguai.
Na esfera internacional, merece menção a atuação da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, responsável pelo desenvolvimento de projetos de cooperação técnica em parceria com o governo – União, Estados e municípios –, a sociedade civil e a iniciativa privada e auxílio na formulação de políticas públicas que estejam em sintonia com as metas acordadas entre os Estados Membros da Organização. Na área da Cultura, a UNESCO elabora e promove a aplicação de instrumentos normativos no âmbito cultural, além de desenvolver atividades para a salvaguarda do patrimônio cultural, a proteção e o estímulo à diversidade cultural, bem como o fomento ao pluralismo e ao diálogo entre as culturas e civilizações.
Dentro do escopo de desenvolver e fomentar atividades culturais são divulgados esporadicamente Editais para participação em Programas e Fundos destinados às mais variadas iniciativas culturais. Em março do corrente ano, por exemplo, foi aberta chamada para financiamento da produção de obras artísticas e culturais e organização de eventos culturais e artísticos de nível nacional, regional e/ou internacional, que contribuam para o fortalecimento da cultura e da criação artística, a partir da utilização de recursos do Fundo Internacional para a Promoção da Cultura (IFPC)1.
Ainda dentro do financiamento direto internacional, cabe tecer algumas considerações sobre o programa “EUROPA CRIATIVA”, que constitui o principal programa de financiamento da Comissão Europeia de apoio a projetos culturais e criativos na Europa, que congrega os anteriores programas MEDIA, MEDIA Mundus e CULTURA. O programa terá uma duração de 7 anos (2014 – 2020) e um orçamento de aproximadamente 1,4 bilhão de euros. Com o aumento crescente das coproduções internacionais e possibilidade de estabelecimento de criadores brasileiros em outros países, a participação em programas desta natureza tem se tornado uma realidade cada vez mais próxima.
O Programa engloba basicamente 3 grandes linhas de atuação, a saber: (i) Subprograma MEDIA, dirigido exclusivamente ao setor cinematográfico e audiovisual; (ii) Subprograma CULTURA, que engloba as restantes expressões culturais e artísticas; e (iii) uma Vertente Intersectorial, que se traduzirá num Fundo de Garantia no valor de €121 milhões, que facilitará o acesso das pequenas e médias empresas dos setores cultural e criativo ao financiamento bancário. Os editais são abertos esporadicamente e divulgados pelos respectivos órgãos e agências responsáveis2.
Sem exaurir o ainda inexplorado campo do financiamento transnacional, é fundamental que o empreendedor criativo brasileiro adquira a percepção de que, no contexto atual, o campo de financiamento e atuação tornou-se único, sem qualquer tradicional divisão geográfica. Buscar em cada caso concreto as parcerias e as ferramentas certas para viabilizar sua iniciativa já é parte do instigante desafio para empreender. As oportunidades encontram-se na rede e o olhar visionário saberá encontrá-las.
1 Maiores informações em https://nacoesunidas.org/unesco-abre-chamada-para-financiamento-de-projetos-culturais-ate-315/?platform=hootsuite
2 Para constante acompanhamento da abertura destes Editais sugere-se consulta regular ao link: https://eacea.ec.europa.eu/creative-europe/funding_en
Por Carolina Bassin, advogada do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados | www.cqs.adv.com.br
Oportuna matéria, Carolina.
Hoje não aparece quem não quer. E a captação de recursos não se limita a poucos.