A lógica das formigas
Faz alguns anos que o roteirista e diretor Newton Cannito tem lutado e buscado um audiovisual de cunho popular. Para ele, porém, isso não significa que o produto deva ser rasteiro e simplesmente entregar o que se espera que o público goste. Fazer um filme acessível e, ainda assim, preservando as particularidades de seu criador foi inclusive um dos motes de sua rápida gestão como Secretário do Audiovisual, em 2010. “Engraçado pensar que os autores analisados pela [revista francesa] ‘Cahiers du Cinéma’ eram autores dentro da indústria: [Howard] Hawks, [Alfred] Hitchcock e outros. Por que os autores agora estão tão longe da indústria? Sempre me pergunto isso”, afirma. Em sua estreia na direção de um longa-metragem de ficção, com “Magal e os Formigas”, Cannito busca reverter isso.
O filme é uma transposição e reinterpretação da fábula “A Cigarra e a Formiga” – no verão, enquanto a cigarra canta, a formiga acumula provisões; no inverno, desamparada, a cigarra tem de pedir ajuda à formiga. É uma fábula sobre a necessidade do trabalho, colocando-o acima do lazer e prazer. No longa, João (Norival Rizzo) é viciado em trabalho e está constantemente preocupado com o futuro dos filhos. Cansado de tanto lutar, passa a ter alucinações com o cantor Sidney Magal, que mostra um outro lado da vida, mais divertido. “Os formigas são os operários de São Bernardo do Campo, cidade onde cresci. É a ética fabril dos anos 70 em contraponto com a ética do curtir a vida da era das economias criativas. O filme mostra como a cigarra também trabalha e como é possível conciliar”, explica Cannito.
O longa surgiu durante a terapia, tentando melhorar sua relação com o pai e aceitá-lo pela sua lógica de formiga – ele foi a inspiração para João. “Ele sempre foi um grande cara, mas mesmo assim queria transformar alguns aspectos dele que ainda tinha em mim. Comecei a desenvolver um método terapêutico que se chama ‘Fabular a Vida’, em que pegamos histórias de vida e percebemos o que tem de comédia e fábula nelas. Então, identifiquei o que me incomodava no meu pai e vi que era o excesso de racionalismo e o pouco espaço para o prazer de viver. Pensei: ele é uma formiga. E aí pensei: quem pode ser a cigarra? Ninguém melhor que o Sidney Magal”, conta. No filme, Magal, de quem o cineasta é fã, faz uma espécie de Grilo Falante.
Estratégias do popular
Antes de apostar na comédia com “Magal e os Formigas”, Newton Cannito escreveu policiais, como a série “9mm: São Paulo” (2008), do qual é criador, e o filme “Bróder!” (2010), de Jeferson De, além de ter dirigido o documentário sobre três ex-policiais “Jesus no Mundo Maravilha” (2007), entre outros. Os filmes todos tinham uma temática pesada, de cunho social. E acabaram tendo circuito limitado. Com “Magal”, Cannito muda radicalmente de seu lugar de conforto. “É um filme para toda a família. Minha maior inspiração é a dramaturgia popular de esquerda, Vianinha, Dias Gomes. Eles conseguiram fazer comédias populares sobre a vida do cidadão comum. É o que busco. É um filme sobre o subúrbio, a classe C, a Grande São Paulo. Fizemos muitos filmes sobre a periferia e poucos sobre o subúrbio, onde nasci e fui criado”, comenta. “Também tem uma temática de terceira idade. A terceira idade é o mercado que mais cresce no mundo, muito mais do que o público jovem, e tem poucos filmes que dialogam com ela”, complementa Cannito, hoje roteirista contratado da Rede Globo.
Outra influência é o cineasta Billy Wilder, em quem se espelhou para moldar a forma de “Magal e os Formigas”. “Fiz uma decupagem super clássica, marcada, e uma história cheia de reviravoltas e acontecimentos. Também tento trabalhar com vários tipos de humor. Tem um humor mais melancólico e tem o burlesco explícito. O filme começa mais triste e vai, aos poucos, se tornando um festival de alegria”, conta.
Para o cineasta, um dos problemas das comédias brasileiras atuais é que operam no mesmo estilo e usam os mesmos atores. Além de Sidney Magal, o elenco inclui Norival Rizzo, Zécarlos Machado, Nicolas Trevijano, Mel Lisboa, Imara Reis, Márcio Américo, entre outros, nomes não tão badalados nas novelas. Cannito conta que, mesmo com a Globo Filmes como parceira, não houve qualquer interferência. “O público adora comédia, mas temos que lembrar que há vários tipos de comédia”, pontua. “É muito difícil uma comédia funcionar. Quem tem conseguido isso geralmente são os cariocas e, às vezes, algum paulista. Por que temos poucas comédias fora do eixo Rio-São Paulo? Por que o cinema regional é sempre de autor? Por que o cinema de autor geralmente não é comédia? Qual a relação entre ser autor e não ser comédia? Qual o tipo de comédia que apenas um goiano pode fazer? Gostaria de ver comédias regionais”, divaga.
Comédia e fantasia
Em “Magal e os Formigas”, o cineasta também aposta no lúdico. “Todo mundo fala que o cinema brasileiro só tem comédia. Também. Mas, para mim, a principal questão é que somos viciados em realismo. As comédias e os dramas são muito realistas. Pensamos que a fantasia é muito cara, coisa de americano. Não é verdade. É possível inserir fantasia em filmes de baixo orçamento. Com pequenos truques de decupagem e pequenos detalhes de visão de mundo, Woody Allen faz isso em alguns filmes. Outra referência que usei foi o Edgar Wright, um diretor que, através de pequenos truques de decupagem, quebra o espaço-tempo e insere um tempo mais mágico, adequado à fábula”, afirma.
Com produção de Roberto d’Ávila e de sua Moonshot Pictures – a mesma responsável por “9mm” –, “Magal e os Formigas” foi rodado em rápidos 17 dias, entre 7 e 27 de março deste ano, em três locações principais, além de externas no centro de São Paulo e no parque Estoril, em São Bernardo do Campo. Sem distribuidora e sem previsão de estreia, Cannito tem tentado alguns festivais. “Tendo a achar que será difícil. A maioria dos festivais são muito para filmes autorais, né?”, provoca.
Além de “Magal”, Cannito lança a série “Unidade Básica”, do qual é criador e roteirista, em setembro, no canal Universal. A série acompanha dois médicos numa unidade básica de saúde na periferia. Também escreve uma série de comédia burlesca, com humoristas como Tom Cavalcante, Danilo Gentili, Whindersson Nunes e Tirulipa, tomando como base as comédias dos Irmãos Marx. Para cinema e como diretor, seu próximo projeto é uma comédia histórica inspirada em “O Incrível Exército de Brancaleone” (1966), de Mario Monicelli.
Por Gabriel Carneiro
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