As perspectivas do cinema para 2017 e um balanço de 2016
Ao que tudo indica, 2016 será um dos melhores anos do cinema brasileiro em termos de ocupação de mercado desde a Retomada, em 1995, com aproximados 15% de market share. Claro, isso não significa que a produção nacional esteja necessariamente mais competitiva. Dos 25 milhões de ingressos para filmes brasileiros vendidos até o fechamento desta matéria, 11,3 milhões foram para “Os Dez Mandamentos – O Filme”, de Alexandre Avancini, fenômeno midiático um tanto controverso. Com tal público, a versão da novela, com 2 horas de duração, se sagrou o filme brasileiro mais visto desde que os dados passaram a ser computados, em 1970. O sucesso de bilheteria, porém, está bastante atrelado às missivas das igrejas evangélicas, que custearam e promoveram a exibição do longa, em sessões reportadas com salas vazias ainda que esgotados os ingressos, e parecem não fomentar o público para o cinema brasileiro.
Em contrapartida, outros poucos filmes conseguiram ultrapassar a marca de 1 milhão de espectadores e muitas promessas fracassaram. Não fosse “Os Dez Mandamentos”, 2016 possivelmente teria sido um dos piores anos para o cinema nacional. O distribuidor Bruno Wainer, da Downtown Filmes, credita isso à crise que o país atravessa. “O público do cinema nacional é majoritariamente das classes B e C, as mais atingidas pela crise. A performance abaixo da expectativa de alguns filmes deveu-se à crise do país e a uma entressafra. Como são poucos os filmes realmente competitivos, não há reposição e aí a indústria sofre”, comenta Wainer, responsável por oito das dez maiores bilheterias brasileiras do ano, em parceria com a Paris Filmes.
Comédias perdem espaço
As comédias dominaram as bilheterias nos últimos anos. O sucesso promoveu franquias e instigou diretores e produtores de olho no mercado a apostarem no gênero. A cada ano, mais comédias com pretensão de grande público aportaram nas salas de cinema. Se em 2015 já se denotava um leve desgaste no potencial do modelo, 2016 confirma a fragilidade de seguir o mesmo caminho. Desde 2010, outro gênero que não a comédia não liderava o ranking. Em 2016, não apenas “Os Dez Mandamentos”, como também o infantil “Carrossel 2 – O Sumiço de Maria Joaquina”, de Maurício Eça, com 2,5 milhões de espectadores, ficou à frente das comédias. A mais bem sucedida foi “É Fada!”, de Cris D’Amato, com 1,7 milhão. Dentro do gênero, ainda “Tô Ryca!”, de Pedro Antônio, com 1,1 milhão, e “Um Suburbano Sortudo”, de Roberto Santucci, com 1 milhão, ultrapassaram a marca – sem contar “Até que a Sorte no Separe 3”, de Santucci, lançado no final de 2015, que registrou 1,6 milhão de espectadores, dos 3,3 milhões totais, em 2016.
Entre as promessas que não vingaram, “Vai que Dá Certo 2”, de Maurício Farias, com 923 mil espectadores (o primeiro fez 2,8 milhões), “Um Namorado para minha Mulher”, de Júlia Rezende, com 665 mil, “Porta dos Fundos – Contrato Vitalício”, de Ian SBF, com 455 mil, “Desculpe o Transtorno”, de Tomas Portella, com 153 mil, “Entre Idas e Vindas”, de José Eduardo Belmonte, com 110 mil, “Uma Loucura de Mulher”, de Marcus Ligocki Jr., com 103 mil, “O Último Virgem”, de Rilson Baco e Felipe Bretas, com 64 mil, e “O Roubo da Taça”, de Caito Ortiz, com 30 mil – todos lançados com, ao menos, 190 cópias e chegando às 500, como “Porta dos Fundos”.
Bruno Wainer refuta o desgaste. “Não vejo nenhum desgaste do gênero, muito pelo contrário. A verdade é que o único comediante consagrado que lançou uma comédia verdadeiramente popular foi o Leandro Hassum, com ‘Até que a Sorte nos Separe 3’. Dois novos comediantes, Samantha Schmütz (‘Tô Ryca!’) e Rodrigo Sant’Anna (‘Um Suburbano Sortudo’), lançaram filmes que venderam mais de 1 milhão de ingressos e ainda darão muita alegria nas bilheterias. ‘Vai que Dá Certo’ não engatou e o filme do ‘Porta dos Fundos’ foi a grande decepção do ano”, aponta.
No final de 2016, “Minha Mãe É uma Peça 2”, de César Rodrigues, reverteu essa situação, fazendo, até o fechamento desta matéria, quase 3 milhões de espectadores (atualmente, já contabiliza mais de 7 milhões). Mesmo que os filmes não tenham repercutido como esperado, várias comédias estão programadas para 2017 com grandes expectativas de bom público: “Eu Fico Loko”, de Bruno Garotti, “Os Penetras 2”, de Andrucha Waddington, “TOC – Transtornada, Obsessiva, Compulsiva”, de Teo Poppovic e Paulinho Caruso, “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, de Fabricio Bittar, “Internet – O Filme”, de Filippo Capuzzi, “A Festa da Firma”, de André Pellenz, “Um Tio Quase Perfeito”, de Pedro Antônio, “Gostosas, Lindas e Sexies”, de Ernani Nunes, “Divórcio 190”, de Pedro Amorim, “Ninguém Entra Ninguém Sai”, de Hsu Chien, “Duas de Mim”, de Cininha de Paula, “Chocante”, de Johnny Araújo, “Malasartes e o Duelo com a Morte”, de Paulo Morelli, “Bamo nessa”, de Paulo Fontenelle, e “Dois + Dois”, de Roberto Santucci.
Vale ressaltar que, mesmo com o fracasso de “Porta dos Fundos”, fenômenos cômicos da internet tem ditado apostas no cinema. O êxito de “É Fada!” deve-se à sua protagonista, a youtuber Kéfera. Para 2017, espera-se bons resultados de “Eu Fico Loko”, cinebiografia do youtuber Christian Figueiredo, e de “Internet – O Filme”, que traz diversos youtubers que, juntos, somam 45 milhões de seguidores.
Comédias de maior apelo regional, em contrapartida, apontam para uma possível saída. O cearense “O Shaolin do Sertão”, de Halder Gomes, fez 612 mil espectadores, com 29 cópias, e o maranhense “Muleque Tá Doido 2: a Lenda de Dom Sebastião” fez 55 mil, com 16 cópias.
O retorno do cinema infanto-juvenil
Em outros tempos, filmes com Xuxa e Renato Aragão atraíam muitos espectadores. Os Trapalhões, até hoje, mantêm recordes de bilheteria. Porém, nos últimos anos, filmes brasileiros de apelo infanto-juvenil não têm tido muita sorte nas bilheterias. O sucesso das adaptações cinematográficas da novela infantil “Carrossel” parece ter reavivado o interesse na produção. “O gênero infanto-juvenil tem grande potencial, mas vai ser preciso muito trabalho. Desde entregar filmes que este público quer ver até o trabalho de promoção”, aventa Wainer – talvez por isso “O Escaravelho do Diabo”, de Carlo Milani, com 83 mil espectadores, e “Galinha Pintadinha Mini na Telona”, de Marcos Luporini, com 12 mil, tenham ido tão mal.
Para 2017, estão programados “Gaby Estrella”, de Claudio Bockel, e “Detetives do Prédio Azul”, de André Pellenz, ambos baseados em séries de sucesso do canal Gloob; o retorno dos Trapalhões, com a refilmagem “Os Saltimbancos Trapalhões”, de João Daniel Tikhomiroff, além das animações “BugiGangue no Espaço”, de Ale McHaddo, “Lino”, de Rafael Ribas, e “Peixonauta”, de Kiko Mistrorigo e Célia Catunda. A starlet adolescente Larissa Manoela (de “Carrossel”) protagoniza dois filmes, “Fala Sério, Mãe!”, de Pedro Vasconcelos, e “Meus 15 Anos”, de Maurício Eça.
Do religioso ao policial, outros gêneros buscam se consolidar
Se, há alguns anos, o filão religioso estava nas mãos dos filmes espíritas, o sucesso de “Os Dez Mandamentos – O Filme” mostra o potencial dos longas evangélicos. A Record estuda lançar uma versão da novela “Os Dez Mandamentos 2”, por exemplo. Walter Avancini prepara também a cinebiografia do bispo Edir Macedo, intitulada “Nada a Perder”. Outro filme potencial é “A Palavra”, de Guilherme de Almeida Prado. Já terminado, aguarda liberação da produtora para lançamento. De cunho espírita, “Deixe-me Viver”, de Clóvis Vieira, fez apenas 46 mil pagantes em 2016. “Filmes de temática religiosa com valor de produção dão sempre bom retorno. E, nisso, as igrejas de cada religião são fundamentais para a mobilização do público”, afirma Wainer.
As cinebiografias também continuam rendendo interesse de público e dos produtores, ainda que em menor escala. Filmes como “Mais Forte que o Mundo – A História de José Aldo”, de Afonso Poyart, sobre o lutador José Aldo, com 566 mil espectadores, “Elis”, de Hugo Prata, sobre a cantora Elis Regina, com 332 mil, e o escolhido para representar o Brasil no Oscar, “Pequeno Segredo”, de David Schurmann, sobre sua irmã Kat, com 189 mil, ficaram abaixo do esperado. A surpresa foi “Nise – O Coração da Loucura”, de Roberto Berliner, que fez 154 mil, com 61 cópias. Para 2017, estão previstos “Bingo – O Rei das Manhãs”, de Daniel Rezende, inspirado na vida de Arlindo Barreto, o primeiro palhaço Bozo, “João”, de Mauro Lima, sobre o maestro João Carlos Martins, “Minha Fama de Mau”, retorno de Lui Farias, sobre o cantor Erasmo Carlos, e “Marighella”, de Wagner Moura.
Outro gênero que tem tentado se firmar em frequência é o policial, representado em 2016 por “Em Nome da Lei”, de Sérgio Rezende (227 mil espectadores). Em 2017, a grande aposta é “Polícia Federal – A Lei é para Todos”, de Marcelo Antunez, sobre as investigações da Lava Jato. Também com pretensões de público, o drama “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Pedro Vasconcelos, baseado em Jorge Amado, e no encalço do sucesso cinematográfico de 1975.
O espaço para os independentes
Mais de 120 longas brasileiros já foram lançados comercialmente em 2016, um aumento de mais de 20% em relação a 2015. Mais filmes, porém, não representam mais espaço. Talvez seja necessário criar novos lugares capazes de receber tais produções. Lançados com poucas cópias, muitas vezes em horários únicos em uma cidade, os filmes independentes – o grosso desses mais de 120 filmes – continuam penando para ultrapassar os 30 mil espectadores. Nisso, parece central o papel que a repercussão internacional de um filme tem, assim como os esforços da crítica. Os longas independentes com melhores bilheterias geralmente fizeram carreira de sucesso em festivais estrangeiros e foram bem acolhidos pela imprensa nacional – como “Boi Neon”, de Gabriel Mascaro, com 35 mil espectadores, e “Mãe Só Há Uma”, de Anna Muylaert, com 33 mil. O mercado, ainda que em crescimento, parece não dar conta da demanda do cinema nacional, cada vez com mais produções.
O melhor exemplo, nesse sentido, é “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho. Lançado no Festival de Cannes, durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o filme ganhou as páginas internacionais pela repercussão do protesto da equipe no tapete vermelho e entrou no debate político brasileiro, gerando polêmicas muito bem utilizadas pela equipe de marketing do longa. Com isso e com o apoio da Globo Filmes, “Aquarius” fez 358 mil espectadores e conseguiu ocupar o espaço do filme médio, tão ausente no cinema brasileiro – em geral, a faixa dos 300 a 700 mil espectadores, que é dos filmes médios, é ocupada pelos blockbusters malsucedidos. A bilheteria do longa ajudou a distribuidora Vitrine Filmes, especializada em cinema brasileiro independente, a aumentar a renda em 800% em relação a 2015, fechando em terceiro lugar entre as companhias que lançam títulos nacionais. Para 2017, uma das promessas da Vitrine é retomar o projeto da Sessão Vitrine, que por um tempo fez lançamentos especiais de filmes pequenos que dificilmente conseguem chegar ao circuito comercial.
Entre os filmes com boas passagens por festivais e que devem aportar no circuito comercial em 2017, estão “Um Filme de Cinema”, de Walter Carvalho, “Clarisse ou Alguma Coisa sobre Nós Dois”, de Petrus Cariry, “Aspirantes”, de Ives Rosenfeld, “Futuro Junho”, de Maria Augusta Ramos, “Xale”, de Douglas Soares, “Deserto”, de Guilherme Weber, “Guerra do Paraguay”, de Luiz Rosemberg Filho, “A Cidade Onde Envelheço”, de Marília Rocha, “Elon Rabin Não Acredita na Morte”, de Ricardo Alves Jr., “Animal Político”, de Tião, “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, “Vermelho Russo”, de Charly Braun, “Redemoinho”, de José Luiz Villamarim, “La Vingança”, de Fernando Fraiha, “Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos”, de Sérgio Oliveira, “Fala Comigo”, de Felipe Sholl, “Rifle”, de Davi Pretto, “Mulher do Pai”, de Cristiane Oliveira, “Martírio”, de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, e “Pitanga”, de Beto Brant e Camila Pitanga.
Outros filmes, se não estrearem, devem ao menos começar a fazer o circuito de festivais, como “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, “Taís & Taiane”, de Augusto Sevá, “Açúcar”, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, “Cartografia do Prazer”, de Eduardo Kishimoto, “O Filme da Minha Vida”, de Selton Mello, “Vazante”, de Daniela Thomas, “Severina”, de Felipe Hirsch, “A Cidade dos Piratas”, de Otto Guerra, “O que Eu Poderia Ser se Eu Fosse”, de Bruno Jorge, “Um Certo Joaquim”, de Marcelo Gomes, “Como nossos Pais”, de Laís Bodanzky, “Eu te Levo”, de Marcelo Müller, “Abaixo à Gravidade!”, de Edgard Navarro, “Pela Janela”, de Caroline Leone, “Histórias que nosso Cinema (Não) Contava”, de Fernanda Pessoa, “Meu Corpo É Político”, de Alice Riff, “Arábia”, de Affonso Uchôa e João Dumans, “Corpo Elétrico”, de Marcelo Caetano, “Música para Quando as Luzes se Apagam”, de Ismael Caneppele, “Hotel Mundial”, de Jarleo Barbosa, “Mormaço”, de Marina Meliande, “Não Devore o meu Coração!”, de Felipe Bragança, “O Animal Cordial”, de Gabriela Amaral Almeida, “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, “Aos Olhos de Ernesto”, de Anna Luiza Azevedo, “No Coração do Mundo”, de Gabriel Martins e Maurílio Martins, “Pendular”, de Júlia Murat, e “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra.
Por Gabriel Carneiro
Caro Gabriel, belo resumo, porém há uma confusão quando você diz “O mercado, ainda que em crescimento, parece não dar conta da demanda do cinema nacional, cada vez com mais produções.”
Na verdade o que há é uma falta total de demanda do público, o que cresce é a produção e o que não dá conta é a oferta de filmes mediante nosso parque exibidor. Outra coisa é que ‘o mercado’ no Brasil se tornou o mercado da produção, uma vez que os filmes são concebidos de maneira já paga (com dinheiro público) e não tem nenhuma responsabilidade em relação ao próprio fracasso.