O roteirista no set de filmagem
Uma das grandes críticas feitas aos roteiros nacionais é a de que os filmes e séries nacionais são baseadas em longos e explicativos diálogos. A crítica tem certo fundamento, mas uma parte dessa “culpa” se deve ao modelo padrão de produção nacional.
Em “Mad Men”, na quarta temporada, uma cena simbólica (foto): Peggy Olson entra rapidamente em sua sala, sobe na escrivaninha e espia Don Drapper pelo vidro acima das divisórias. Uma cena que, além do seu significado, mostra como a linguagem da série é baseada também em pequenos atos. O universo foi ricamente construído para que cenários, objetos, referências sejam parte essencial da série.
Cenas como a citada de “Mad Men” só seriam possíveis nas produções nacionais se o roteirista pudesse fazer parte da etapa de produção e acompanhar as visitas técnicas com o diretor, pensando em adaptar cenas do roteiro para as locações.
Enquanto que nos EUA os roteiristas acompanham a produção, conhecendo cenários, objetos, aqui, o modelo de produção é diferente. O roteirista faz parte apenas do desenvolvimento e, às vezes, na pré, quando é necessário reescrever ou cortar cenas. E quando acompanha o SET de filmagem é apenas como visita, sem qualquer função.
Recentemente, tivemos uma ótima experiência durante a filmagem do longa “Magal e os Formigas”. O produtor Roberto d’Ávila foi muito perceptivo e concordou com a presença do roteirista no SET de filmagem. Como diretor (Newton), e também tendo escrito o roteiro junto com o Takeda, senti que seria importante ter um roteirista durante a filmagem e assim trabalhamos em parceria no SET. Enquanto estava ali para dirigir, o roteirista prestava atenção em diversos detalhes que foram essenciais para o resultado final.
O diretor, durante as gravações, tem que estar atento a mil detalhes; entre uma cena e outra, cabe a ele orientar os atores, decidir enquadramento, entre muitas outras coisas. O roteirista, entre as cenas, faz um papel de “continuista” de dramaturgia, briefando sobre a função dramática da próxima cena a ser gravada, em que ponto da trama os personagens estão e também atentar a pequenos detalhes como: tom da cena, planos de detalhes, interação com cenário, objeto.
No “Magal e os Formigas”, trabalhamos em diversos momentos com comédia física e esse tipo de humor só foi possível graças a esse modo de trabalho. Um exemplo que podemos citar foram as cenas na oficina, um dos cenários lúdicos e chave do filme; na escrita do roteiro, sem conhecer as locações, criamos ações genéricas de motivação e de coreografia.
Na filmagem, percebi que o espaço estava subaproveitado e, depois da primeira diária na locação, tivemos uma longa reunião (diretor e roteirista) pensando e criando esquetes cômicos que pudessem utilizar o espaço e funcionar como gag, além de, é claro, conseguir encaixar no plano de filmagem sem atrasar o cronograma. O resultado foi muito satisfatório e funcionou dentro do filme. Podemos afirmar que esse é um exemplo de como as cenas com longos diálogos explicativos podem ser transformadas nesse modelo de produção.
Claro que há riscos, tem a questão orçamentária, afinidade entre diretor e roteirista, existe aqueles que não querem acompanhar o processo, e também psicóticos que estão preocupados com a mudança de uma vírgula de seu texto e sua presença no SET pode ser uma bomba relógio. É por isso que deve haver uma hierarquia, o roteirista deve estar a serviço do diretor e nunca como um comando artístico que pode se sobrepor a qualquer um dentro do SET.
Concluindo, esse é um modelo de produção que, dependendo do filme, vale arriscar ter um roteirista no SET para ter um ganho de qualidade artística no resultado final.
Por Newton Cannito e Marcos Takeda, roteiristas