“Como nossos Pais”, de Laís Bodanzky, é o grande vencedor da noite dos troféus Kikito
Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado
“Como nossos Pais”, o quarto longa ficcional de Laís Bodanzky, foi o grande vencedor do 45º Festival de Cinema de Gramado, encerrado na madrugada deste domingo, depois de festa muito longa, iniciada com 65 minutos de atraso. Além de ter sido eleito, “por unanimidade do júri”, o melhor filme da competição, “Como nosso Pais” – estreia desta quinta-feira, 31, em todo o país – conquistou os prêmios de melhor atriz e melhor ator (Maria Ribeiro e Paulo Vilhena), atriz coadjuvante (Clarice Abujamra) e melhor montagem (Rodrigo Menecucci).
A crítica e o júri popular, porém, divergiram do júri oficial. “As Duas Irenes”, de Fábio Meira, produção goiano-paulista, foi o escolhido dos críticos, enquanto o juri popular preferiu o intrigante (e falso) documentário “Bio”, do gaúcho Carlos Gerbase.
A Argentina colocou dois longas no topo dos melhores da competição latina. O drama, com segunda parte lacrimosa e banhada em excessos musicais, “Sinfonia para Ana”, de Virna Molina e Ernesto Ardito, foi escolhido como o melhor filme. Mas, soube-se depois, com os jurados bem divididos, já que o favorito parecia ser o peruano “La Última Tarde”, de Joel Calero (ao qual restaram os Kikitos de melhor roteiro, do próprio diretor, e melhor atriz, para a brilhante Katerina D’ Onofrio).
O outro argentino bastante festejado foi “Pinamar”, de Federico Godfrid, crônica juvenil que viu seus protagonistas (Juan Grandinetti e Agustín Pardella) escolhidos como os melhores, assim como seu diretor. E ainda levou o Prêmio da Crítica.
No terreno do curta-metragem, as novas sexualidades e temas ligados à exclusão social e racial foram os mais premiados. O curta vencedor (pelo júri oficial e pelo público) foi “A Gis”, sobre transexual brasileira (Gisberta Salce) assassinada com requintes de crueldade em Portugal.
A animação documental “Tailor”, do jovem diretor transexual Cáli dos Anjos, ganhou o Kikito de melhor direção e o Prêmio Canadá 150 Anos para Jovens Realizadores. O cineasta, que comandou coletivo de profissionais transexuais, terá custeada, na íntegra, viagem e estudos em escolas de Toronto e Vancouver.
Os afro-brasileiros ganharam destaque por dois filmes: “Cabelo Bom”, de Swahili Vidal , fez jus a Prêmio Especial do Júri, e “Telentrega”, do gaúcho Roberto Burd, rendeu o prêmio de melhor ator a Nando Cunha. O intérprete black, conhecido por programas televisivos de humor, chorou convulsivamente ao receber o prêmio. Entre soluços, agradeceu ao diretor que lhe permitira “atuar em outro registro, o dramático” e conclamou cineasta e produtores presentes a escalá-lo “não como ator negro, mas como um ator comum, igual aos outros, capaz de interpretar os mais diversos papéis, de Romeu a Julieta. Como fizeram Oscarito e Grande Otelo na chanchada “Carnaval no Fogo”, em antológica cena do balcão shakespeariano.
Estrela da noite
A festa de premiação de Gramado sofreu imenso atraso por causa de ajustes na transmissão efetuada por três emissoras (Canal Brasil, de alcance nacional, e as gaúchas TV Educativa e TV Assembleia). Como Gramado quis rever “a história de seus 45 anos de resistência cinematográfica”, produziu uma série de cinco documentários, que deveriam enriquecer a festa do Kikitos e as transmissões das TVs. O desajuste técnico, porém, provocou atraso jamais visto na noite dos Kikitos. Além do mais, alguns premiados se alongaram em discursos óbvios e repetitivos.
Só uma estrela brilhou em sua plenitude na noite de premiação: a cantriz argentina Soledad Villamil. Ela apresentou, com acompanhamento ao vivo, alegria e frescor, algumas das muitas canções de seu repertório. Até ensinou ao público o estribilho da divertida “Santa Rita”: “Santa Rita, Santa Rita, lo que se dá, no se quita”. Tudo indica que Soledad desempenhará, junto com a uruguaia Verónica Perrota,papel de estrela feminina da festa gaúcha, seguindo as pegadas dos festejados varões Jean-Pierre Noher e Cesar Troncoso.
Protestos contidos
Ao contrário da noite de prêmios do Gauchão (Mostra Assembleia Legislativa do RS), que ocorrera seis dias antes e fôra politizada ao extremo, a noite dos Kikitos brasileiros e latinos foi marcada por críticas mais amenas e contidas. Houve quem clamasse “Fora Temer e Viva a Amazônia”. Outros cobraram a renovação da Lei do Audiovisual, que está para vencer e sob risco de solução de continuidade. Houve ainda quem clamasse por políticas de inclusão social, em especial para minorias.
O cineasta Carlos Gerbase preferiu, ao invés de dizer “para fora”, clamar pelo “para dentro”. Ou seja, “tô dentro por mais democracia, pelo respeito à Amazônia, pelo fomento às Artes e ao Cinema”. Sua postura foi endossada por Cacá Diegues, presidente “de honra” do júri brasileiro. O diretor de “ Xica da Silva” não votou nos longas nacionais que fariam jus aos troféus Kikito, no que fez muito bem. Afinal, ele integra o núcleo gestor da Globo Filmes. Como o grande vencedor (“Como nossos Pais”) tem a empresa como parceira (assim como “A Fera na Selva”, de Betti, Giardini e Escorel) a participação de Diegues poderia ferir sensibilidades.
Em coletiva de balanço da 45ª edição do Festival de Gramado, um dos curadores, Rubens Ewald Filho, deixou claro que a posição de “presidente de honra” seguiu (e continuará seguindo) o modelo de Cannes. Será “honorária, simbólica”.
A noite dos Kikitos causou espanto em dois quesitos. Ninguém entendeu o desprezo do júri pelo sensível, sensorial e instigante “Pela Janela”, estreia de Caroline Leone no longa-metragem. Com significativa carreira em festivais internacionais, o belo filme tinha (tem) qualidades de sobra para ser lembrado em várias categorias (inclusive uma excelente protagonista, a atriz Magali Biff). Só ele e “Vergel”, da realizadora argentina Kris Niklison, protagonizado pela brasileira Camila Morgado, foram ignorados.
A outra derrapada se deu na Mostra Latina. Dois bons filmes – o peruano “La Última Tarde”, e o argentino “Pinamar” – perderam para o bem-intencionado, mas excessivamente melodramático, “ Sinfonia para Ana”.
Nas conversas que se multiplicaram noite a dentro, depois da demorada maratona dos Kikitos, ninguém questionava o triunfo do vigoroso filme de Laís Bodanzky. Poucos longas brasileiros, de pegada feminina, chegaram a resultado tão estimulante. “Como nossos Pais” parte de um ótimo roteiro (escrito pela cineasta, em parceria com o ex-marido, Luiz Bolognesi), conta com elenco de ponta, montagem rigorosa (nunca perde o ritmo) e estabelece fina sintonia com a luta das mulheres contemporâneas. E mais: consegue, o que não é muito comum em nossos filmes de maior empenho artístico, dialogar com o público.
Confira a lista dos premiados:
LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
. “Como nossos Pais”, de Laís Bodanzky (SP) – melhor filme, direção, atriz (Maria Ribeiro), ator (Paulo Vilhena), atriz coadjuvante (Clarice Abujamra), montagem (Rodrigo Menecucci)
. “As Duas Irenes”, de Fábio Meira (GO-SP) – melhor roteiro (Fábio Meira), ator coadjuvante (Marco Ricca), direção de arte (Fernanda Carlucci) e Prêmio da Crítica
. “Bio”, de Carlos Gerbase (RS) – Prêmio Especial do Júri, melhor filme pelo Júri Popular, melhor som (Augusto Sterner e Fernando Efron)
. Os Matadores, de Marcelo Galvão (SP) – melhor fotografia (Fabrício Tadeu), trilha sonora (Ed Côrtes)
. A Fera na Selva, de Betti, Giardini & Escorel (RJ-SP) – Prêmio Especial do Júri para os atores Eliane Giardini e Paulo Betti
LONGA-METRAGEM LATINO
. “Sinfonia para Ana”, de Virna Molina e Ernesto Ardito (Argentina) – melhor filme, fotografia (Fernando Molina)
. “Pinamar”, de Federico Godfrid (Argentina) – melhor direção, melhor ator (Juan Grandinetti e Agustín Pardella), Prêmio da Crítica
. “La Última Tarde”, de Joel Calero (Peru) – melhor atriz (Katerina D´Onofrio), roteiro (Joel Calero)
. “Los Niños”, de Maite Alberdi (Chile) – Prêmio Especial do Júri
. “Mirando al Cielo”, de Guzmán García (Uruguai) – Prêmio do Júri Popular
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
. “A Gis”, de Thiago Carvalhaes (SP) – melhor filme, montagem (Beatriz Pomar), Prêmio do Juri Popular
. “Tailor”, de Cáli dos Anjos (RJ) – melhor direção, Prêmio Canadá 150 Anos para Jovem Cineasta
. “Telentrega”, de Roberto Burd (RS) – melhor ator (Nando Cunha), fotografia (Pedro Rocha)
. “ Postergados”, de Carolina Markowiscz (SP) – melhor roteiro (Carolina Markowiscz)
. “Cabelo Bom”, de Swahili Vidal (RJ) – Prêmio Especial do Júri
. “O Espírito do Bosque”, de Carla Saavedra (SP) – melhor atriz (Sofia Brandão)
. “O Quebra-Cabeça de Sara”, de Allan Ribeiro (RJ) – Prêmio da Crítica, Prêmio Canal Brasil
. “O Violeiro Fantasma”, de Wesley Rodrigues (GO) – melhor direção de arte (Wesley Rodrigues), melhor trilha sonora (Dênio de Paula)
. “Caminho dos Gigantes”, de Alois de Léo (SP) – melhor som (Fernando Hena)
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