Paul Vecchiali recebe o Prêmio Leon Cakoff da Mostra SP

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta francês Paul Vecchiali, nascido na Córsega, há 87 anos, está em São Paulo para apresentar parte de seus quase 50 filmes na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Quem o viu no CineSesc, na noite da última segunda-feira, 23 de outubro, espantou-se com seu entusiamo e vitalidade.

O realizador corso fez questão de apresentar seu filme mais cultuado – “Mulheres, Mulheres”, de 1974 – e convidar a todos para que permanecessem no cinema, depois da exibição de mais dois de seus longas-metragens – “O Estrangulador”, com Jacques Perrin, de 1970, e o novíssimo “Os Sete Desertores” — pois regressaria para debater sua obra com todos os interessados.

Dito e feito. No final da noite, lá estava Vecchiali, disposto a debater enquanto houvesse perguntas. Depois de receber o Prêmio Leon Cakoff, por seus serviços prestados ao cinema, das mãos de Renata Almeida, diretora da Mostra, o cineasta sentou-se para assistir a “Os Sete Desertores”. Avisou que seria a première mundial do filme, que fizera “em apenas cinco dias, ao mesmo tempo em que realiza outro longa-metragem, ainda em fase de finalização, ‘Train de Vies’”.

Antes da sessão vespertina de “Mulheres, Mulheres”, Vecchiali contou que idealizara o filme para duas estrelas francesas: Dannielle Darrieux (1917-2017) e Simone Signoret (1921-1985). Mas que as substituíra por duas atrizes menos conhecidas e que estão em muitos de seus filmes (ambas já falecidas): sua irmã Sonia Saviange e Heléne Surgère.

E por que tomara tal decisão? Ele explicou: “porque soubera que Marcelo Mastroianni recebera um milhão e meio de francos (ou liras) para interpretar ator canastrão em um filme”. Por que, então, pagar atrizes de primeira linha, caso de Darrieux e Signoret, para interpretar duas canastronas? Preferiu ficar com suas atrizes e parceiras de muitas jornadas. Não que elas fossem más atrizes. Mas sim pelo fato de não serem famosas como as duas estrelas francesas. A identificação do público com elas, concluíra, seria mais intensa.

“Mulheres, Mulheres” une duas frustradas atrizes de cinema, que dividem um apartamento e se embebedam. Bebem enquanto sonham e cultivam fascínio doentio por estrelas do celulóide da era de ouro de Hollywood, os anos 1930. Elas têm algo de Norma Desmond e até das protagonistas de “O que Terá Acontecido a Baby Jane?”. Mas Vecchiali não trilha os caminhos trágicos de “Crepúsculo dos Deuses”, nem do thriller psicológico de Robert Aldrich. Faz seu mergulho no enclausuramento de suas esquecidas atrizes pelo caminho do humor e momentos de inesperada invenção (vide a cena da cura do soluço de um vizinho).

Danielle Darieux, que faleceu meses atrás, já centenária, é uma referência para Vecchiali. Ele atribui a ela muito de sua paixão pelo cinema. “Eu era um menino de seis ou sete anos quando a vi em ‘Mayerling’, de Anatole Litvak. Nunca mais me esqueci dela”. Em 1983, o corso a dirigiu em “No Alto das Escadas”, filme que narra a história de Francoise Canavaggia, viúva de um apoiador do governo entreguista de Vichy, que retorna à cidade de Toulon, 20 anos depois do fim da Segunda Guerra. Seu objetivo é vingar-se dos que denunciaram seu marido.

No debate na Mostra SP, que entrou pela madrugada de terça-feira, 24, Paul Vecchiali demonstrou seu fôlego para longas discussões. Ele contou que, no início dos anos 1970, a atriz italiana Laura Betti, grande amiga de Pasolini, sugerira ao Festival de Veneza que selecionasse “Mulheres, Mulheres” para suas mostras oficiais. O curador da época preferiu promover mostra de vários filmes do realizador. O que foi feito.

“Os críticos italianos” – contou – “que haviam detestado meus filmes anteriores, em especial ‘As Astúcias do Diabo’ e ‘O Estrangulador’, este protagonizado e coproduzido por Jacques Perrin, foram convocados por Pasolini para debater ‘Mulheres, Mulheres’. O debate começou depois da sessão, num final de noite e prosseguiu até sete da manhã seguinte. Com Pasolini apaixonado por meu filme, dizendo que era um dos melhores do mundo”.

A trajetória do cineasta prosseguiu pelos anos 1970, com muitas realizações. Mas na década de 80, sua produtora, a Diagonale, faliu. Ele viveu então uma espécie de ostracismo.

Nos anos 2000, com sua nova produtora, a Dialectik, foi redescoberto e passou a produzir muito. Em 2006, a Cinemateca Francesa dedicou a ele uma grande retrospectiva. Daí em diante, mostras de sua obra e homenagens não pararam mais de acontecer. “Meses atrás”, contou, “minha obra foi tema de retrospectiva e muitos debate no Indie Liboa, tenho viajado muito, pois o interesse por meus filmes vem se multiplicando”.

No Brasil, a descoberta de Vecchiali é recente. Nos últimos anos, alguns de seus filmes chegaram a nosso circuito de arte. Caso de “Noites Brancas no Pier” (2014), baseado em Dostoievski (que já fascinara Visconti e Bresson), “É o Amor” (2015) e “O Ignorante” (2016).

A Mostra paulistana programou 13 filmes de Vecchiali e um sobre ele (“Revistando Lamartine”, média-metragem de Pascal Catheland). Um dos mais comentados é “Uma Vez Mais”, de 1988, que tem a Aids como tema. O realizador não gosta que definam alguns de seus personagens como “homossexuais”. Meu personagens – prefere – “são seres humanos; a homossexualidade, para mim, não existe, há atos homossexuais”. E, convicto, afirma: “estas designações são perigosas, pois desencadeiam sectarismos. Não gosto de rótulos do tipo velho, gay, negro, judeu. A vida acontece entre homens e mulheres, havendo entre eles muitas outras possibilidades amorosas”.

Vecchiali gosta muito de “Mulheres, Mulheres”, seu longa mais cultuado. Mas define “É o Amor” como seu melhor filme. E justifica sua preferência:

– Com este filme, fui mais longe. Me utilizei do espetáculo cinematográfico com meios que outros não utilizaram. Nele vemos um casal, marido e mulher, num pequeno apartamento. O marido trabalha como um louco, voltando para casa tarde da noite. A esposa pensa que ele mente e a trai. Filmo esta cena duas vezes: uma com o foco no homem e a outra, na mulher. O mesmo diálogo é dito pelos dois, mas a interpretação das cenas é totalmente diversa. Quando o foco está sobre o homem, o tom é “méchante”. Quando o foco está sobre ela, temos uma compreensão calorosa, terna. Então, dou ao espectador a possibilidade de fazer destas duas leituras a sua própria montagem.

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