Festival Aruanda – “Clara Estrela” recebe aplausos calorosos do público

Por Maria do Rosário Caetano, de João Pessoa (PB)

O público da noite inaugural da 12ª edição do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro aplaudiu, em projeção aberta, dois momentos do documentário “Clara Estrela”, de Susanna Lira e Rodrigo Alzuguir, convidado da noite que contou com homenagens ao ator paraibano Servílio Holanda, ao exibidor Paulo Pereira, da Rede Cinépolis, e tributo ao cineasta búlgaro, paraibano adotivo, Ivan Lhebarov (1947- 2017).

O primeiro momento de aplauso ao filme se deu durante sequência em que o sanfoneiro Sivuca, paraibano de Itabaiana, acompanha Clara Nunes no forró “Feira de Mangaio”. A plateia cantou junto, bateu palmas ritmadas e aplaudiu, ao final. Depois, num segundo momento, a razão foi política. Um entrevistador pediu à cantora que citasse as três coisas que mais odiava. Ela respondeu (no começo dos anos 1980) de forma sintética: “os dezoito anos de ditadura militar”. O entrevistador insistiu: mas “eu pedi três coisas”. Ela retrucou de pronto: “os seis primeiros anos da ditadura, os seis anos do meio e os seis últimos”. O público gargalhou, eufórico, e alguns espectadores ensaiaram um “Fora Temer”.

O projeto de “Clara Estrela” nasceu em 1998, quando o jovem Rodrigo Alzuguir resolveu pesquisar a história da cantora Clara Nunes (1942-1983), nascida em família muito pobre, em Paraopeba (MG), e que tornara-se uma das maiores vendedoras de disco do país, na década de 1970. Orgulhosa de suas raízes mineiras e sem esconder sua origem humilde (trabalhara desde os 14 anos como operária tecelã e, ao tentar a vida de cantora no Rio, dividira quarto com mais duas moças, uma delas, prostituta) Clara começaria cantando boleros, conheceria a fama como sambista (numa era em que Beth Carvalho e Alcione também brilharam), mas morreria aos 40 anos, vítima de choque anafilático, durante cirurgia para extrair varizes.

Rodrigo Alzuguir, engenheiro de formação, biógrafo de Wilson Batista e, agora, de Heitor Villas-Lobos (este livro chegará ao público dentro de dois anos), resolveu, em 2004, procurar a cineasta Susanna Lira para tirar o sonho da cinebiografia de Clara Nunes do papel e transformá-la em filme. Levou para as primeiras conversas dezenas de entrevistas de pessoas que conviveram com a cantora, em especial os ex-maridos (o radialista Adelzon Alves e o compositor Paulo César Pinheiro), familiares (como a irmã Dindinha), mais Chico Buarque, João Nogueira, Nana Caymmi, Bibi Ferreira (que a dirigiu no espetáculo “Brasileiro Profissão Esperança”, protagonizado por ela e Paulo Gracindo), Nana Caymmi e integrantes da Velha Guarda da Portela.

Até o filme levantar parcerias, fundamentais como a do Canal Curta, e recursos financeiros, foram necessários mais longos doze anos. O filme só ficou pronto em setembro deste ano, quando teve seu lançamento no Festival do Rio. Já percorreu vários festivais e a dupla negocia, agora, com distribuidores para realizar seu lançamento nos cinemas, em 2018. Antes, no período pré-carnavalesco, o filme terá sessão especial na quadra do Portela.

“Para nós”, diz Susanna Lira, “é fundamental, neste momento em que as religiões de matriz africana são perseguidas no Rio e em outras partes do Brasil, mostrar um filme dedicado por inteiro a uma intérprete que cantava pontos de umbanda e cultivava divindades do candomblé (era filha do Ogum e Iansã)”. A cineasta lembrou que cresceu no seio de família evangélica e que a mãe impedia, dentro de casa, a veiculação de músicas de Clara Nunes via rádio ou vitrola. Mesmo assim — confessou — “aprendi a dançar na casa de uma amiga e entre as músicas que nos embalavam estavam ‘Canto de Areia’, ‘O Mar Serenou’ e, principalmente, ‘Morena de Angola'”.

O documentário “Clara Estrela” custou R$600 mil. Os diretores contaram que “R$350 mil foram consumidos na compra de imagens de arquivo de redes de TV brasileiras e de produtoras lusitano-africanas”. E que “R$200 mil foram gastos na compra de direitos autorais das muitas composições musicais que embalam o filme”.

Susanna revelou que trabalhar em dupla com Rodrigo Alzuguir foi “difícil, mas prazeroso”. Afinal, ele vinha da pesquisa e sonhava com uma cinebiografia construída com depoimentos. Mas, com o passar dos anos, aceitou, convicta e tranquilamente, o formato adotado: narrar a trajetória da intérprete mineira de forma mais sensorial, que biográfico-temporal.

As entrevistas de Clara Nunes dadas a revistas, emissoras de rádio e TV (em especial, à jornalista Marília Gabriela, na Rede Globo) serviram de fio condutor da narrativa. Quando tinham o rádio e a TV como fontes, comprava-se o material de arquivo. Quando as declarações-confissões estavam impressas em papel, ganhavam expressão na voz da atriz Dira Paes.

Não há, no filme, nenhuma autoridade acadêmica ou pesquisador musical discorrendo ou pontificando sobre a carreira de Clara Estrela. Só Vinícius de Moraes, com quem a cantora fez bem-sucedida temporada no show “Poeta, Moça e Violão” (o violão de Toquinho) fala sobre os dons da jovem cantora. Mas não é um depoimento externo. E, sim, um testemunho sobre uma companheira de palco.

No debate no Festival Aruanda, um fã de Clara Nunes, Dido Borges, nascido na pequena São Vicente dos Ferros, em Pernambuco (“terra da forrozeira Marinês”), e vestido com camiseta estampada por imenso rosto de Clara, deu emocionado depoimento aos autores do filme e ao público:

— “Nasci numa família muito pobre. Na nossa cidade, só havia quatro aparelhos de TV. Assistíamos às novelas na casa de uma vizinha, de segunda a sábado. Minha mãe dizia que, por educação, devíamos dar um descanso e não incomodar a vizinha aos domingos. Eu tinha oito anos quando Clara Nunes estourou nas paradas de sucesso e aparecia muito no Fantástico. Então, eu ficava do lado de fora, na janela, para ver os videoclipes dominicais dela na TV. Mais tarde, minha família conseguiu comprar uma radiola e três elepês: um da Clara Nunes, claro, outro do Martinho da Vila (“Canta, Canta Minha Gente”) e o do disco de estreia dos Secos e Molhados.”

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