Festival de Vitória homenageia Vera Fischer e promove filmes que apostam na diversidade
Por Maria do Rosário Caetano
O Festival de Cinema de Vitória realiza sua vigésima-sexta edição em setembro (de 24 a 29), com homenagem à atriz Vera Fischer e doze mostras competitivas e informativas, compostas só com filmes brasileiros. Serão exibidos, na capital do Espírito Santo, 105 produções, sendo seis em sua principal competição, a de longas-metragens.
Os selecionados representam seis Estados da Federação. O Nordeste comparece com o paraibano “O seu Amor de Volta”, inventivo documentário de Bertrand Lira, e o Ceará por “Pacarrete”, de Allan Deberton, com Marcélia Cartaxo como protagonista absoluta, e a Bahia, com “Casa”, de Letícia Simões. O Sul marca presença com o gaúcho “Mirante”, de Rodrigo John, e o paranaense “Alice Júnior”, de Gil Baroni. O Sudeste apresenta o paulista “Selvagem”, de Diego da Costa.
Três destes filmes já passaram por festivais nacionais ou internacionais. É o caso de “O seu Amor de Volta” (Mesmo que Ele Não Queira), exibido em caráter hors concours no Festival Aruanda, dentro de mostra-vitrine da efervescente produção do estado nordestino. A Paraíba, famosa por seus curtas-metragens (desde “Aruanda”, de Linduarte Noronha, 1960), tem 15 longas prontos ou em finalização. Embora não concorresse a nenhum prêmio, o filme de Bertrand Lira, professor da Universidade Federal da Paraíba e integrante do clã Lira (formado com Soia, Buda, Nanego, entre outros atores revelados pelos grupos Terra e Piolim), saiu do festival como “o melhor filme paraibano” segundo o julgamento da Crítica. A ideia de premiá-lo nasceu de Jean-Claude Bernardet, professor da USP e crítico de cinema, entusiasmado com a vitalidade da produção local.
“Pacarrete” representou o Brasil no Festival de Xangai, na China. E “Casa” foi exibido no Olhar de Cinema, em Curitiba.
Ano passado, o festival capixaba premiou “Pastor Cláudio”, impressionante documentário de Beth Formaggini sobre integrante da máquina repressiva do governo militar (1964-1984), que participou de sessões de tortura, ocultamento ou queima (em forno de canavial fluminense) de corpos de presos políticos. Por trágica coincidência, Cláudio Guerra, hoje transformado em pastor evangélico, nasceu no Espírito Santo (ele vive na capital do Estado, depois de atuar no eixo Rio-São Paulo).
O 26º Festival de Cinema de Vitória não esconde sua defesa da regionalização (ou descentralização da produção audiovisual) e seu olhar atento às minorias. Lúcia Caus, diretora-geral do evento, diz com clareza que “a seleção dos filmes é feita sempre com olhar apurado para a representatividade”. Isto porque “nossa curadoria se mantém atenta aos diversos gêneros da produção cinematográfica brasileira”.
Basta ver o recorte curatorial das dez mostras que complementam as competições de longas-metragens e de curtas, para constatarmos o quão atento o festival vitoriano está aos direitos e à representação das minorias (em termos de poder, não em termos quantitativos). Três delas, em especial, chamam atenção: Mostra Cinema e Negritude, Mostra Mulheres no Cinema e “Outros Olhares” (esta, atenta aos Afetos LGBTQI+).
Para defender a produção regional, duas mostras foram organizadas: Foco Capixaba (com a produção do Estado) e a novíssima Mostra Do Outro Lado – Cinema Fantástico e de Horror. Nunca é demais lembrar que há, no Espírito Santo, foco explícito na produção de filmes de terror.
A ecologia é outra preocupação do festival, que realiza a Mostra Nacional de Cinema Ambiental. Completam a programação (que dá grande ênfase ao curta-metragem) as mostras “Corsária”, “Quatro Estações”, “Videoclipes” e o Festivalzinho de Cinema – Sessão Arcelor Mittal. Desde sua criação, 26 anos atrás, que o festival se preocupa com programação destinada aos públicos infanto-juvenis. Por isto, o Festivalzinho chega, este ano, à sua vigésima edição. E o Estado orgulha-se de manter núcleo de cinema de animação voltado para estudantes de cursos básicos da Rede de Ensino.
Os organizadores do evento capixaba esperam mobilizar público de 30 mil pessoas ao longo de seis dias, tendo o o Centro Cultural Sesc Glória, como palco principal (mostras e homenagens), o Cineclube Metrópolis (com o Festivalzinho) e o Hotel Senac Ilha do Boi (com debates entre pesquisadores de cinema, realizadores e público).
Vera Fischer será homenageada no palco do Sesc Glória. O Festival de Vitória já festejou, entre outras e outros, Zezé Motta, Dercy Gonçalves, Eva Wilma, Marília Pera, Marieta Severo, Betty Faria, Patrícia Pilar e Dira Paes.
Agora chegou a vez da atriz catarinense, que, ao longo de cinco décadas, somou triunfos e momentos de grande perturbação. Vera Fisher, que em novembro fará 68 anos, elegeu-se Miss Brasil em 1969. A bela jovem, nascida em Blumenau, filha de pai alemão, começou sua carreira no cinema como estrela de pornochanchadas. Ou comédias picantes. Em 1972, aos 20 anos, exibiu sua plástica escultural em “Sinal Vermelho, as Fêmeas”, de Fauzi Mansur. No ano seguinte, fez “A Super Fêmea”, de Aníbal Massaíni. Sob a direção de Alfredo Sternheim, ainda em 73, atuou em “O Anjo Loiro”, recriação erótica de “O Anjo Azul”, clássico de Josef von Steinberg, protagonizado por Marlene Dietrich. Seguiram-se títulos guiados pelos mesmos trilhos: “Essa Gostosa Brincadeira a Dois”, “As Delícias da Vida”, “As Mulheres que Fazem Diferente”, “Macho e Fêmea”, “Elza e Helena”, “Entre sem Bater”, “Mustang Cor de Sangue”.
O casamento com o ator Perry Salles e inquietações pessoais levaram a atriz a arriscar-se em projeto “sério”. Ou seja, em um filme que fosse além da exploração de sua beleza e corpo. Perry e Vera tinham feito “Intimidade”, em 1976. Três anos depois, resolveram investir tudo num projeto de “qualité”: a adaptação literária de “Dora Doralina”, romance de Rachel de Queiroz. Vera “enfeiou-se”, escureceu os cabelos, deixou tórridas cenas de sexo de lado. O filme, porém, foi um retumbante fracasso. Ao mesmo tempo, La Fischer iniciava trajetória de sucesso (e confusões) nas novelas da Rede Globo. Tudo começou com “Espelho Mágico”, de Lauro César Muniz (1977). E tornava-se uma das musas (a outra era Lucélia Santos) dos Nelson Rodrigues movies com “Perdoa-me por me Traíres (1980) e “Bonitinha mas Ordinária”.
Vera tornou-se musa, festejada para valer, de Walter Hugo Khouri (1929– 2003). Apaixonado por mulheres bonitas (louras, em especial), Khouri a escalou para “Amor Estranho Amor” (1982, que rendeu a ela um Troféu Candango de melhor atriz), “Amor Voraz” (84) e “Forever” (91). Não contou com ela em “Eros o Deus do Amor” (1981) e “Eu” (1986), porque a agenda profissional e existencial da atriz andava sobrecarregada (por telenovelas de horário nobre, brigas conjugais e consumo de drogas).
Nos anos 1980 e 90, Vera transformou-se na mais cobiçada (e complicada) estrela da poderosa Rede Globo. Seus amores, desamores, excessos (internação em clínicas de reabilitação, inclusive) alimentavam revistas de fofocas e até páginas policiais. Mas seu sucesso e salário eram altíssimos. Seu prestígio era tamanho, que foi escalada para o elenco de produções embrafílmicas, como “Quilombo”, de Cacá Diegues, “Eu te Amo”, de Arnaldo Jabor (Sonia Braga de protagonista e Vera no segundo papel feminino), visto por 4 milhões de brasileiros, e “Doida Demais”, de Sérgio Rezende.
Aí veio o Governo Collor e o cinema brasileiro desabou. A Boca do Lixo paulistana estava, já, entregue ao filme de sexo explícito e a produção de empenho cultural caiu de forma vertiginosa (de 80/90 filmes anuais para 5 ou 6). Vera seguia reinando na TV. Nos terríveis anos 1990, ela atuou em filmes como “Os Cinco Macacos”, produção estrangeira, “Forever”, de Khouri, e “Navalha na Carne”, de Neville D’Almeida. Estes dois últimos, ambos com elenco internacional (Ben Gazzara, no primeiro, e Jorge Perugorría, no segundo) miravam inclusive plateias externas, mas nenhum deles fez sucesso.
Nos anos 2000, Vera fez um filme com Xuxa Meneghell (“Xuxa e os Duendes 2 – No Caminho das Fadas”, 2002), sinal de que não guardou mágoa da colega que interditou o longa-metragem que lhe rendera um Candango no Festival de Brasília.
Esta história deve, sempre, ser relembrada. Não podemos, nem devemos, esquecer episódio que afetou a fruição do filme mais reconhecido (em “Eu te Amo” ela não é a protagonista) da homenageada do Festival de Vitória: “Amor Estranho Amor”.
Este drama erótico-histórico-político (será que WHK aceitaria a junção destes três adjetivos?) foi tirado de circulação pela Justiça, que atendeu a pleito de Xuxa Meneghell. A “rainha do baixinhos”, que começara sua carreira como modelo, atuou no projeto khouriano, na pele da jovem que inicia um adolescente nas práticas do sexo. Arrependida e temendo macular sua carreira de apresentadora infanto-juvenil, Xuxa conseguiu tirar o filme de circulação à custa de imensa indenização paga ao produtor, Aníbal Massaíni (o mesmo de “A Super Fêmea”). O que isto significa tal ato judicial? Que o público não pode assistir – nem na TV, nem nos cinemas, nem no streaming – ao filme que rendeu o principal prêmio (o Troféu Candango) a Vera Fischer.
O tempo, inclemente, passou e, todos sabem, há pouco espaço para mulheres de mais de 50 anos na TV. De estrela-protagonista, Vera Fischer passou a papeis de coadjuvante. Voltou, então, ao teatro, protagonizando espetáculos de “qualité”. Escreveu dois livros de memórias – “Vera, a Pequena Moisi” e “Um Leão Por Dia”. Agora, ajuda o pouco conhecido Daniel Ghivelder (filho da atriz Sônia Clara, a Diadorin de “Grande Sertão: Veredas”, 1964, e do jornalista Zevi Ghivelder) a batalhar recursos para produção de longa-metragem que promete tê-la como protagonista absoluta: o drama “Quase Alguém – Gilda Borba”.
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