“Dor e Glória”, de Almodóvar, e animação sobre Buñuel triunfam nos Prêmios Goya
Por Maria do Rosário Caetano
A Academia de Cinema da Espanha fez a coisa certa em sua concorrida cerimônia de entrega dos Prêmios Goya, realizada no sábado, 25, em Málaga: consagrou “Dor e Glória”, o mais confessional dos filmes de Pedro Almodóvar, e o longa de animação “Buñuel no Labirinto das Tartarugas”, de Salvador Simó. Se Carlos Saura estivesse na competição, a noite seria dedicada a festejar os três maiores nomes da história do cinema espanhol.
Almodóvar venceu nas principais categorias (filme, direção, roteiro original) e viu seu protagonista, Antônio Banderas ganhar seu primeiro “cabeçudo” (apelido popular do troféu, volumoso busto do pintor Francisco Goya). Antes, o ator malaguenho havia recebido um Goya de Honor (por sua trajetória). Agora, teve sua dilacerada e comovente interpretação de um cineasta de quase 70 anos, com dores físicas e emocionais, reconhecida e aplaudida de pé. Por este mesmo papel, Banderas ganhou a Palma de Ouro, em Cannes, e concorre ao Oscar.
“Dor e Glória” triunfou em sete categorias. Rendeu o décimo-primeiro Goya ao compositor Alberto Iglesias (trilha sonora), o prêmio de coadjuvante à veterana Julieta Serrano, e montagem a Teresa Font Guiteras.
O principal concorrente de Almodóvar, o chileno-espanhol Alejandro Amenábar, viu seu drama histórico “Mientras Dure la Guerra” (sobre o apoio – seguido de tardio arrependimento – que o filósofo, poeta e reitor da Universidade de Salamanca, Miguel de Unamuno, deu ao golpe do General Francisco Franco) conquistar cinco Goya, a maioria técnicos (direção de arte, cabelos e maquiagem, figurino). Um dos atores de seu eficiente elenco, Eduard Fernández, recebeu o “cabeçudo” de melhor coadjuvante. Coube a ele realizar impressionante composição do general franquista Millán Astray, um cultor da violência e da guerra, que se orgulhava das sequelas e cicatrizes bélicas impressas em seu corpo.
“Mientras Dure la Guerra” ganhou, ainda, o Goya de melhor direção de produção (para Carla Pérez de Albéniz). O filme tem imensos valores como drama histórico e seu protagonista (o basco Karra Elejalde, na pele de um Unamuno atormentado) poderia ter ganho o Goya se não contasse com Antonio Banderas, em estado de iluminação, em seu caminho.
O mais famosos dos malaguenhos, claro, é o pintor Pablo Picasso. Mas Banderas, que o interpretou em série de TV, também desfruta de imensa popularidade na Espanha e no mundo. Este ano, a Academia resolveu entregar o Goya de Honor a outra estrela nascida em Málaga: Pepa Flores.
Quem foi criança nos anos 1960, a conheceu como Marisol, atriz e cantora mirim, protagonista de uma dezenas de filmes de imenso sucesso, entre eles “Raio de Luz”, “Tómbola”, “Ha Llegado un Ángel”, “A Nova Cinderela”, “Marisol Rumbo al Río” e “Las 4 Bodas de Marisol”. A atriz e cantora, que fará 72 anos em breve (4 de fevereiro), não pôde comparecer à cerimônia dos Goya, mas fez-se representar por suas três filhas com o bailarino Antonio Gades (1936-2004) – Célia, María Esteve e Tamara Gades Flores.
Embora, no Brasil, Pepa Flores seja lembrada apenas como atriz-e-cantora-mirim, há que se registrar que ela seguiu carreira e trabalhou com grandes nomes do cinema espanhol. Juan Antonio Bardem a dirigiu em “La Corrupción de Chris Miller” e “El Poder del Deseo”. Com Mario Camus, fez “Los Dias del Pasado” e colaborou com Carlos Saura em “Bodas de Sangue” e “Carmen” (nos quais o marido Gades foi peça-chave).
Vale registrar, ainda, aspecto curioso na vida civil da platinada Marisol: seu casamento com um dos maiores bailarinos do flamenco, o inigualável Antonio Gades, simpatizante assumido do comunismo, aconteceu em 1982, em Cuba, e teve Fidel Castro e a bailarina Alícia Alonso como padrinhos.
A trigésima-quarta cerimônia dos Goya reconheceu, com dois prêmios (para cada um), os outros três concorrentes a melhor filme espanhol: o belíssimo “Lo que Arde”, de Olivier Laxe, conquistou o “cabeçudo”de melhor fotografia para Mauro Arce (merecidíssimo) e atriz revelação, para a octogenária Benedicta Sánchez, que neste filme, apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, interpreta uma mulher do campo, mãe de um presidiário acusado por atos piromaníacos.
“La Trinchera Infinita”, de Aitor Arregi, Jon Garaño e José Maria Goenaga, também viu sua atriz protagonista, Belén Cuesta, laureada, e seu som reconhecido.
“Intempérie”, de Benito Zambrano, vencedor do Cine Ceará com o tocante “Solas”, foi laureado com o Goya de melhor roteiro adaptado (de Zambrano, Pablo e Daniel Remón) e com a melhor canção (Javier Ruibal).
O prêmio de melhor animação ao longa “Buñuel no Labirinto das Tartarugas”, que Salvador Simó criou a partir de graphic novel de mesmo nome, é mais que merecido. O filme, exibido no Anima Mundi Brasil, é um inventivo híbrido de animação e documentário, uma espécie de making of póstumo das filmagens de “Las Hurdes”, um dos poucos documentários assinados por Luis Buñuel (1900-1983), já que a ficção tornar-se-ia a razão de sua trajetória fílmica, desenvolvida no México, Espanha e França.
No terreno do filme estrangeiro, o Goya laureou o poderoso e huguiano longa francês “Os Miseráveis”, como melhor filme europeu, e “A Odisseia dos Tontos”, do argentino Sebastián Borenstein, como melhor filme ibero-americano. Os castelhanos não resistem a um “Darín movie”. Tanto que o ator tem dupla cidadania (argentina e espanhola).
Confira os vencedores:
.“Dor e Glória”: melhor filme, diretor (Pedro Almodóvar), ator (Antonio Banderas), roteiro original (Almodóvar), atriz coadjuvante (Julieta Serrano), trilha sonora (Alberto Iglesias), montagem (Teresa Fon Guiteras)
. “Buñuel no Labirinto das Tartarugas”, de Salvador Simó: melhor filme de animação
. “Ara Maliakin, Una Vida Entre las Cuerdas”, de Nata Moreno: melhor documentário
. “Os Miseráveis”, de Ladj Ly (França): melhor filme europeu
. “A Odisseia dos Tontos”, de Sebastián Borenstein (Argentina): melhor filme ibero-americano
. “A Filha do Ladrão”: melhor filme de diretor estreante (Belén Funes)
. Goya de Honor: para Pepa Flores (Marisol)
. “Mientras Dure la Guerra”, de Alejandro Amenábar: melhor direção de produção (Carla Pérez de Albéniz), ator coadjuvante (Eduard Fernández), direção de arte (Juan Pedro Gaspar), figurino (Sonia Grande), cabelos e maquiagem (Ana e Belén López)
. “La Trinchera Infinita”, de Arregi, Garaño e Goenaga: melhor atriz (Belén Cuesta), som (Royo-Villanova, Alazne, Xanti)
. “Lo que Arde”, de Olivier Laxe: melhor fotografia (Mauro Harce), atriz revelação (Benedicta Sánchez)
. “Intempérie”, de Benito Zambrano: melhor roteiro adaptado (Zambrano, Pablo e Daniel Remón), canção (Javier Ruibal)
. “Quien a Hierro Mata”: Enrique Auquer (ator revelação)
.“El Huyo”: melhores efeitos especiais (Mario Compoy e Iñaki Madariaga)
“Madrid 2120”, de Paco Sáez e J.P. Quirós: melhor curta de animação
. “Suco de Melancia”, de Irene Moray e Mirian Porté: melhor curta de ficção
. “Nuestra Vida como Niños Refugiados na Europa”, de Silvia Venegas: melhor curta documental