Drive-in abre espaço para filmes brasileiros inéditos
Por Maria do Rosário Caetano
Dois filmes brasileiros inéditos chegam, nessa semana, ao circuito de cinemas Drive-ins: “Macabro”, de Marcos Prado, drama criminal temperado com doses de terror, e “Meu Nome é Bagdá”, de Caru Alves de Souza, drama social juvenil premiado na mostra Generation, no Festival de Berlim. O primeiro inspira-se em caso real dos “Irmãos Necrófilos” que, nos anos 1990, abalaram a região de Nova Friburgo, no estado do Rio. O segundo centra-se no cotidiano da skatista Bagdá, adolescente que vive na periferia de São Paulo e integra grupo de mulheres nada convencionais.
“Macabro”, premiado no Brooklin Film Festival e no Festival de Austin, no Texas, será apresentado, a partir dessa terça-feira, 28 de agosto, no Cine Belas Artes Drive-in, no Memorial da América Latina, e no Lovecine Drive-in, no Rio de Janeiro. Depois, percorrerá drive-ins espalhados por todo país.
“Meu Nome é Bagdá” terá sua primeira sessão pública (em caráter de pré-estreia) no Brasil, depois da festejada passagem pela mostra Generation 14plus germânica e por festivais na Espanha, Coréia do Sul e Bulgária. O segundo longa de Caru, diretora do sensível “De Menor”, é o convidado da sessão inaugural (sábado, primeiro de agosto, às 20h) do Drive-in Paradiso, projeto que uniu o Instituto Olga Rabinovich à Spcine, com apoio da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Cem automóveis por sessão (estão programadas três, aos sábados e domingos) poderão estacionar-se no amplo pátio do prédio que abriga o Parlamento paulista, nas cercanias do Parque do Ibirapuera. Como a sessão de “Bagdá” será gratuita, há que se fazer reserva pela plataforma Sympla.
A programação do Drive-in Paradiso, que tem curadoria da cineasta, atriz e apresentadora Marina Person, é dedicado em 100% à exibição de produções brasileiras. Além de “Meu Nome é Bagdá”, a diretora de “Person” e “Califórnia” escolheu os filmes “Bacurau”, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, “Elis”, de Hugo Prata, “Café com Canela”, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, “As Aventuras do Balão Vermelho”, de Frederico Pinto e José Maia, “Central do Brasil”, de Walter Salles, entre outros.
“Bagdá” chega para tocar corações femininos (e masculinos sensíveis). A garota de 17 anos e nome andrógino está descobrindo a vida. Ela anda de skate com um grupo de meninos e passa boa parte do tempo com sua família e as amigas de sua mãe. Ao enturmar-se com um grupo de garotas skatistas, sua vida mudará. Ela terá o prazer da busca pelo empoderamento feminino, embora, em seu cotidiano, também vá enfrentar assédio sexual, machismo e deparar-se com o preconceito que cerca os amigos homoafetivos.
Caru Alves de Souza, que escreveu o roteiro em parceria com Josefina Trotta (livremente inspiradas no livro “Bagdá, o Skatista”, de Toni Brandão), conta que o filme nasceu do “desejo de abordar situações cotidianas vividas por personagens oriundas de bairro de classe média baixa da periferia de São Paulo, a Freguesia do Ó, tentando encontrar a poesia existente nas situações mais prosaicas”.
Militante do cinema no feminino (como sua mãe, Tata Amaral, que acaba de dirigir série sobre a produção das mulheres no audiovisual brasileiro), Caru buscou “personagens femininas fortes e distantes dos estereótipos, que se fortalecem ao estreitar laços de companheirismo entre elas”. Assim agindo, “criam ilhas de amor e afeto, num mundo frequentemente hostil a elas”.
Para interpretar a protagonista Bagdá, Caru convocou a skatista Grace Orsato, que faz sua estreia no cinema. Com ela, no filme, estão a atriz Gilda Nomacce, a cantriz Karina Buhr e a drag queen Paulette Pink. Além dos principais papeis, muitas das posições artísticas e técnicas de “Meu Nome é Bagdá” são ocupadas por profissionais femininas (direção, roteiro, produção, fotografia e direção de arte).
Se a sororidade dá o tom em “Bagdá”, no filme de Marcos Prado verifica-se o oposto. “Macabro”, um drama criminal que nos arremessa num mundo de horrores, tem o feminicídio no centro da narrativa. E vem temperado com temas gravíssimos como o racismo, a discriminação a praticantes de cultos afro-brasileiros, insinuações de pedofilia e necrofilia. O que “Bagdá” promete em leveza fraterna, “Macabro” promete em tensão, violência e sofrimento.
O quarto longa-metragem (o segundo de ficção) do diretor Marcos Prado (parceiro do produtor José Padilha nos dois “Tropa de Elite”) recria uma trágica história real (assassinatos em série na Serra dos Órgãos, no estado do Rio), somando a ela ingredientes ficcionais. Quem não se lembra de policial do Bope que, numa favela do Rio de Janeiro, em 2010, matou morador de favela que portava uma furadeira? Segundo o militar, ele se “confundira”. Ao invés de uma furadeira, enxergou uma arma.
Ao reconstruir a trajetória criminal dos irmãos Ibrahim e Henrique de Oliveira, conhecidos como os “Irmãos Necrófilos”, Prado e seus roteiristas (Lucas Paraízo e Rita Gloria Curvo) resolveram fazer de um oficial do Bope (um sargento interpretado por Renato Góes), o investigador que tentará desvendar o mistério que cerca a série de assassinatos. As mortes, principalmente de mulheres, vinham deixando a população de Nova Friburgo exasperada e revoltada.
A narrativa se passa integralmente nos anos 1990, quando Ibrahim e Henrique, dois jovens negros, foram acusados de matar (e violentar sexualmente) várias mulheres. O fictício Sargento Teo, aquele que matou o “favelado da furadeira”, é – no filme – oriundo da região conflagrada pelos crimes. Como está com a ficha suja, seus superiores o incumbem de resolver o caso. Assim agindo, limpará a própria barra e atenderá aos anseios do governador, obcecado em dar satisfação à imprensa e à população fluminense.
Com um parceiro afro-brasileiro, o sargento vai mergulhar nas vidas e paisagens de sua Nova Friburgo natal (fotografadas com esmero por Serra Azul, o mesmo de “O Juízo”, de Andrucha Waddington). E focar na família de um praticante de cultos afro-brasileiros (Flávio Bauraqui), pai dos dois suspeitos. Ao analisar minuciosamente a vida de Ibrahim e Henrique, o sargento deduzirá que um deles pode ser inocente. O filme é para quem tem nervos de aço.
Macabro
Brasil, 102 minutos, 2020
Direção: Marcos Prado
Elenco: Renato Góes, Amanda Grimaldi, Guilherme Ferraz, Diego Francisco, Eduardo Tomaz, Juliana Schalch, Flávio Bauraqui, Paulo Reis, João Pydd, Claudia Assunção, Osvaldo Mil, Thelmo Fernandes e Laila Garin
Roteiro: Lucas Paraizo e Rita Gloria Curvo
Fotografia: Serra Azul
Produção: Zazen, com Querosene, Globo Filmes e Fox
Distribuição: Pandora Filmes
No Cine Drive-in Belas Artes e no Lovecine Drive-in, no Rio, a partir dessa terça-feira, 28 de julho. Depois o filme fará carreira em outros drive-ins espalhados pelo país.
Meu Nome é Bagdá
Brasil, 2020
Direção: Caru Alves de Souza
Elenco: Grace Orsato (Bagdá), Karina Buhr (Micheline), Marie Maymone (Joseane), Helena Luz (Bia), Gilda Nomacce (Gladys), William Costa (Deco), Paulette Pink (Gilda), Emílio Serrano (Emílio), João Paulo Bienemann (Clever), Nick Batista (Vanessa)
Exibição especial sábado, primeiro de agosto, às 20h, no Estacionamento da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – Alesp (Av. Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera) – 16 anos. Acesso gratuito (reserva de ingressos pelo Sympla a partir do dia 27 de julho).
FILMOGRAFIA
Caru Alves de Souza
(São Paulo, 1979)
2006 – “Alô?” (curta-metragem)
2007 – “Antônia, o Making of”
2008 – “Mascarianas” (série para TV)
2010 – “Vestígios” (doc para TV)
2011 – “Assunto de Família” (curta)
2013 – “De Menor” (longa)
2020 – “Meu Nome é Bagdá”
Marcos Prado
(Rio de Janeiro, 1961)
Como diretor
2004 – “Estamira” (doc)
2012 – “Paraísos Artificiais” (ficção)
2016 – “Curumim, o Homem que Queria Voar” (doc)
2020 – “Macabro” (ficção)
Como produtor (sócio de José Padilha, na Zazen, desde 1997)
1999 – “Os Carvoeiros”, de Nigel Noble
2002 – “Ônibus 174”, de José Padilha
2007 – “Tropa de Elite”, de José Padilha
2010 – “Tropa de Elite 2”, de José Padilha