Mostras de cinema se reinventam em tempo de pandemia
Por Maria do Rosário Caetano
Os festivais de cinema estão se reinventando em tempos de pandemia. Os mais importantes terão, esse ano, edições on-line. Caso de Gramado, do Cine Ceará e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Alguns projetam edições híbridas (presenciais e virtuais). Outros acreditam que, por acontecerem no final do ano ou em espaços ao ar livre, poderão contar com a calorosa presença de seus tradicionais espectadores.
O Festival de Gramado e o Cine Ceará são os que mais avançaram na busca virtual do público. Ambos firmaram acordo com o Canal Brasil, vitrine de suas mostras competitivas, para espalhar seu público por todas as regiões brasileiras. Um espectador da Amazônia poderá acompanhar os filmes da festa cinematográfica gaúcha, um sulista poderá ver a competição cearense.
O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo do país, se acontecer esse ano, terá edição híbrida – on-line e presencial. Neste caso, com sessões no Cine Drive-in Autódromo, o mais antigo (em funcionamento) do país. A data prevista é o mês de novembro. Mas a Secretaria de Cultura do DF, que organiza o evento, ainda não abriu inscrições para longas e curtas-metragens brasileiros e candangos.
A charmosa Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, não enfrenta o problema de confinamento. Ou seja, não encerra seu público em salas de cinema, sem janelas e com ar condicionado. Como, desde sua criação, há oito anos, a mostra potiguar acontece ao ar livre, na Praia do Maceió, sob a luz do luar e o frescor da brisa atlântica, a pandemia só exigirá máscaras, cadeiras (ou cangas na areia) afastadas e produtos para higienização das mãos.
Alguns festivais ainda acreditam em edições presenciais (caso do Festival Aruanda do Audiovisual, que acontece em dezembro, em João Pessoa, na Paraíba). Mas são poucos, já que 2020 parece um ano perdido. Festivais dependem de transporte aéreo em pleno funcionamento, rede hoteleira idem e de potenciais espectadores dispostos a viajar. Ou seja, a deixar a segurança do lar para empreender deslocamento (de avião ou automóvel).
Frente a este quadro, resta indagar: como estão sendo estruturadas essas primeiras edições de festivais on-line ou híbridos do país?
A Revista de CINEMA conversou com a equipe do Canal Brasil, parceiro de Gramado e do Cine Ceará, e com alguns organizadores de festivais. Abaixo, um resumo dos que adiantaram suas respostas. E uma tabela com os festivais mais resistentes, todos concentrados em calendário apertado, nos próximos cinco meses.
O Canal Brasil esclarece que “não haverá cobrança de ingresso para sessões do Festival de Gramado. Todos os filmes das mostras competitivas serão exibidos pela emissora e poderão ser assistidos por toda a nossa base de assinantes”. Portanto, “não será um festival on-line, em moldes conhecidos, já que os filmes das mostras competitivas serão exibidos no linear e os filmes da Mostra Gaúcha de Curtas-Metragens ficarão disponíveis no Canal Brasil Play”.
Já para o Cine Ceará, “os filmes da mostra competitiva ibero-americana (Espanha, Portugal e América Latina) de longa-metragem e para a mostra brasileira de curtas-metragens ficarão disponíveis, por 24 horas, no Canal Brasil Play, e poderão ser assistidos por toda base de assinantes sem cobrança de ingresso”. Quem, entre os não-assinantes, portanto, quiser acompanhar esses dois festivais, deve providenciar sua assinatura.
Uma questão intriga parte dos potenciais espectadores de edições on-line de festivais: há limite do número de inscritos via plataformas exibidoras? Afinal, os que primeiro se inscrevem, conseguem o credenciamento. Mas outros tentam e não são aceitos. Tudo indica que haja acerto entre o comando dos festivais e os produtores dos filmes em competição para estabelecimento de limites. Caso contrário, o acesso livre poderá, depois, limitar a carreira comercial do filme. Nenhum diretor de festival abordou essa enigmática questão.
Há eventos, como o Festival do Rio e o FAM (Florianópolis Audiovisual MercoSul), que dependem, ainda, de apoio de patrocinadores públicos e privados.
Marilha Naccari, da equipe de diretores do FAM, descreve a situação em que o festival catarinense se encontra: “Seguimos, aqui em Florianópolis, com muito empenho em manter a permanência do FAM – um festival que não é regido por ente governamental, mas realizado por uma associação cultural e adotado por uma família e amigos em seu ideal social, político, cultural e econômico”. Ela destaca constatação de pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas): “apenas 8% do setor de economia criativa manteve seus projetos com as datas já previstas antes da pandemia. Entre esses 8% está o FAM, que permanece com a data de 24 a 30 de setembro, como anunciado ano passado”.
“Por conta da pandemia” – esclarece – “tivemos um tempo de redesenho das ações e objetivos específicos da edição do festival deste ano. Mesmo em março, quando lançamos as convocatórias, já esperávamos que as viagens estivessem limitadas na época do evento. Por isso, pensamos em premiação orientada em especial pelo prêmio do júri popular. O conceito do FAM 2020 nasceu híbrido, mas a continuidade da pandemia e a falta de certezas financeiras nos têm mantido no formato unicamente on-line”.
“A indisponibilidade de patrocínios e a morosidade de oito meses para assinatura do contrato do prêmio de arranjos regionais (conquistado para a execução dessa edição) são, ainda, uma questão para a realização do evento”, admite.
Em busca de alternativa de ação, Marilha pondera que a equipe do FAM está, há 20 dias, mobilizada por campanha de financiamento coletivo, “na base do tudo ou nada”, para decidir seu futuro. Os ingressos para todas as atividades poderão ser adquiridos como recompensa para aqueles que se engajarem no financiamento coletivo via benfeitoria.com/famdetodos”.
E como se processará o FAM em sua primeira edição on-line? Marilha explica: “As exibições serão abertas para a toda a América do Sul, porém em plataforma especializada, customizada, com login, todo o sistema de proteção digital e por apenas 24 horas com ‘lugares’ limitados. O sistema é de pré-reserva de ingressos pela contribuição no financiamento coletivo, tornando todos parte da realização do evento. Continuamos com as nossas seis mostras competitivas já em processo de anúncio dos selecionados e mais duas mostras ainda sem convocatória, com números de filmes ainda variável (dependendo do resultado da campanha)”.
André Azenha, diretor e curador do Santos Film Festival, que pretende realizar sua quinta edição em setembro, ainda sonha com edição híbrida (presencial e on-line). “ Não haverá cobrança de ingressos” – avisa – “pois as sessões, que devemos realizar na plataforma Videocamp, preservarão a gratuidade, marca de todas as edições anteriores de nosso festival”. As sessões presenciais, se tudo der certo, acontecerão no mesmo palco das edições já realizadas: a rede Roxy, a mais tradicional de Santos.
A Revista de CINEMA perguntou a Azenha se haverá limite do número de espectadores que acessará a plataforma. Ou se os produtores dos filmes em competição aceitam que sejam disponibilizado sem imposição de limites. Azenha respondeu: “Como as inscrições ocorreram no primeiro semestre e estamos no processo de seleção, vamos conversar com os produtores e realizadores para chegar a bom termo. A princípio, gostaríamos de deixar os filmes disponíveis pelo maior tempo possível, para que mais pessoas possam assisti-los, visando sempre a democratização desse acesso”. Outra opção – acrescenta – “será fazer duas sessões, uma num dia, e outra no dia seguinte à primeira exibição, lembrando que temos o voto popular do público como base de nossas premiações”.
O homenageado da edição desse ano é o ator, diretor e produtor Paulo Betti, que receberá o troféu Luciano Quirino. A mostra competitiva contará com dez longas e dez curtas em sessões casadas (curta+longa). E também mostras paralelas. Azenha lamenta “não poder realizar todas as mostras paralelas desejadas e planejadas”, devido aos percalços trazidos pela pandemia. Mas garante que “será mantida a Mostra Humanidades, com filmes de temáticas sociais, sobre cidadania e inclusão”.
“A estrutura do festival está bem adiantada”, diz o diretor do Santos Film Festival. “Dependíamos de um OK da Prefeitura Municipal para liberação do apoio, que já está garantido”. Primeiro, “fez-se necessário aguardar parecer do departamento jurídico do município, que analisou todos os eventos que pretendem se realizar on-line, nesse ano excepcional de 2020”.
“Sessões presenciais” – arremata Azenha – “estão nos nossos planos”. Mas, “dependerão da redução da curva de contaminação. Se ela diminuir o bastante e a população estiver respeitando as normas da saúde, teremos um festival híbrido. Caso contrário, será totalmente on-line mesmo. A parte formativa se dará em transmissões de ‘lives’ em nossas redes sociais (palestras, debates e workshops)”.
O Festival de Cinema de Gramado estreia nova curadoria, esse ano, com sua primeira edição virtual. A atriz argentina Soledad Villamil, do oscarizado “O Segredo dos seus Olhos”, soma-se ao apresentador e cineasta bissexto Pedro Bial e ao crítico Marcos Santuário (integrante do trio formado com os falecidos Rubens Ewald Filho e Eva Pivowarki).
O mais badalado festival do país, por causa da pandemia, não receberá turistas de todo o Rio Grande do Sul e do restante do país. Mas não sofrerá solução de continuidade. Graças à parceria com o Canal Brasil, estão asseguradas as competições Latino-Americana, Brasileira, o Gaúchão (filmes produzidos no Rio Grande do Sul e premiados pela Assembleia Legislativa do Estado) e mostras competitivas de curta-metragem.
O comando do festival gaúcho conta que realizará sua quadragésima-oitava edição “com equipe reduzida e patrocinadores afastados, momentaneamente”. Mas, mesmo assim, fará o evento “com o compromisso de inovar e evoluir”. E na torcida para que a festa não perca seu glamour.
“Graças à parceria com o Canal Brasil (e Canal Brasil Play)” – diz o comando do Festival de Gramado –, “contaremos com ampla cobertura e divulgação de nossos filmes e com a tradicional festa de entrega dos troféus Kikito, na noite de encerramento (26 de setembro)”. Com transmissão, ao vivo, pela emissora parceira.
A equipe de Wolney Oliveira, diretor do Cine Ceará, anuncia o novo formato (on-line, em parceria com o Canal Brasil), mas torce pela realização presencial de parte da programação. Afinal, a data do evento, realizado historicamente entre junho e agosto, foi adiada para final de novembro, começo de dezembro. “Não podemos interromper nosso festival justo no ano em que ele comemora 30 anos”, diz o cineasta cearense, diretor de “Os Últimos Cangaceiros” e “Soldados da Borracha”.
Wolney, que formou-se na Escola Internacional de Cinema de Cuba, convoca a todos os produtores e realizadores ibero-americanos, que tenham filmes de curta e longa duração (preferencialmente inéditos), a inscreverem-se até o dia 8 de setembro. E lembra que cineastas, no feminino, terão – como no ano passado – 30% das vagas garantidas em todas as mostras do Cine Ceará. Tanto no curta, quanto no longa-metragem. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas no website www.cineceara.com.
CALENDÁRIO DOS FESTIVAIS:
. Mostra Ecofalante de Cinema – Edição número 9, on-line e gratuito. De 12 a 20 de agosto. 98 filmes de temática socioambiental, distribuídos em onze sessões diárias e gratuitas.
. Curta Kinoforum (Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo). Edição número 31. On-line, gratuito. De 20 a 30 de agosto.
. CineOP (Mostra de Cinema de Ouro Preto). On-line, gratuita. Edição de número 15. Dedicada à preservação audiovisual, memória, história e educação. De 3 a 7 de setembro.
. FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul, Santa Catarina). Edição número 24. Projeto dependendo de patrocínio. Data: de 24 a 30 de setembro.
. É Tudo Verdade (Festival Internacional de Documentários de São Paulo). A edição número 25 está prevista para o período de 24 de setembro a 4 de outubro (no Rio e em São Paulo).
. Santos Film Festival. Edição número 5. Projeto de edição híbrida (presencial, em Santos, na Baixada Santista, e on-line). Em setembro.
. Festival de Cinema Brasileiro de Vitória. Edição de número 27. Projeto de realizar edição híbrida (presencial, na capital do Espírito Santo, e on-line). Data: setembro ou outubro
. Festival de Cinema Latino e Brasileiro de Gramado. Edição número 48): de 18 a 26 de setembro. On-line, em parceria com o Canal Brasil.
. CineBH (Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte). Edição número 14, on-line. De 24 a 29 de setembro.
. Olhar de Cinema (Festival Internacional de Cinema de Curitiba). Edição número 9, on-line. De 7 a 14 de de outubro.
. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Edição número 53. Projeto de edição híbrida (presencial, tendo como palco o mais antigo Drive-in em funcionamento no país, e on-line). Data prevista: novembro.
. Cine Ceará (Festival de Cinema Ibero-Americano). Edição número 30. Projeto de edição híbrida (presencial, em Fortaleza, e on-line no Canal Brasil). De 28 de novembro a 4 de dezembro.
. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Edição de número 44. On-line. Data: de 21 a 31 de outubro.
. Mostra de Cinema Soviético e Russo em São Paulo. Projeto de edição presencial. Promoção do CPC-UMES. Em novembro.
. Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso. Edição número 7. Projeto de edição presencial, em cinema ao ar livre, na Praia do Maceió, no balneário potiguar. Gratuito.
. Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro. Edição número 15. Projeto de edição presencial em João Pessoa, na Paraíba. De 3 a 9 de dezembro.
. Festival do Rio. Edição número 21, dependendo de patrocínio. Prevista para dezembro.