Prime Box Brazil estreia a série “Retratos do Cárcere”
Entre 2007 e 2019, a população carcerária brasileira saltou de 422,4 mil para 773,1 mil presos, tornando-se a terceira maior do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos (2,1 milhão) e da China (1,6 milhão). O encarceramento em massa e suas consequências são o ponto de partida do seriado Retratos do Cárcere, produzido pela Panda Filmes e coproduzido pela Falange Produções. Com exibição a partir de 6 de agosto, sempre às quintas-feiras, às 20h30, no canal Prime Box Brazil, a série foi contemplada no edital do Fundo Setorial do Audiovisual – Prodav 1, promovido pela ANCINE e financiado pelo BRDE.
Foram quatro anos de produção, mais de 500 de horas de gravação em vinte prisões visitadas em quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Todo esse universo, diretamente atrelado ao avanço do crime organizado no país, será apresentado em treze episódios de 26 minutos, cada um com um tema relacionado ao aprisionamento. Na tela, o público poderá conhecer os detalhes e o dia-a-dia das galerias divididas por facções, orientação sexual ou crimes cometidos pelos detentos, além do cotidiano de quem não foi condenado mas cumpre uma espécie de pena, como mães, filhos de presos e religiosos que frequentam o sistema.
Às imagens captadas pela equipe (incluindo uma rebelião ocorrida em uma penitenciária), somam-se outras, igualmente inéditas, obtidas no interior de celas e galerias, a partir de câmeras deixadas com os presos. Com direção de Tatiana Sager e codireção e roteiro de Renato Dornelles, esse recurso já foi utilizado com sucesso em outra produção da dupla – o longa-metragem Central – O poder das Facções no Maior Presídio do Brasil, vencedor como melhor documentário de língua portuguesa do FESTin (2016), em Portugal, e melhor cineasta mulher no Barcelona Planet Film Festival (2017).
Para contextualizar todos esses temas, também foram ouvidos alguns dos principais especialistas e pesquisadores de segurança pública e crime organizado do país e diretores de prisões e guardas penitenciários. Nessa lista, estão os sociólogos Bruno Paes Manso, Camila Nunes Dias, Celso Rodrigues, Julita Lemgruber, Michel Misse e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, o delegado Orlando Zaccone, os juízes de direito Luís Carlos Valois e Sidinei Brzuska, o defensor público Patrick Cacicedo, o promotor de justiça Lincoln Gakiya, o procurador de justiça Gilmar Bortolotto e os antropólogos Robson Rodrigues e Alba Zaluar, que morreu vítima de câncer no ano passado.
Presídios, penitenciárias, carceragens de delegacias e celas de quartéis abrigam no Brasil mais de 773 mil presos provisórios ou condenados, em espaços que, em condições normais, comportariam pouco mais da metade desse contingente – há um déficit de 303 mil vagas nas unidades prisionais do país. Os dados são de junho 2019, a última atualização do INFOPEN (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias). Esse superencarceramento é o tema do episódio de estreia da série.
Prisões precárias, lotadas e fragilizadas têm sido combustível para o fracasso do sistema prisional e cenário ideal para a criação e o fortalecimento do crime organizado, tema do segundo e do terceiro episódios. Por um viés histórico e social, a série aborda o surgimento e a expansão das principais e maiores facções criminosas do país, desde a Falange Vermelha (atualmente, Comando Vermelho) ao Primeiro Comando da Capital (PCC), além de grupos regionais, todos responsáveis por uma expressiva parcela dos crimes cometidos no Brasil e em países vizinhos.
Os mesmos grupos criminosos, além de controlarem a maioria das prisões do país, instalaram bases em regiões periféricas das maiores cidades, onde dominam as atividades ilícitas, principalmente o tráfico de drogas. Nesses mesmos locais, arregimentam a mão de obra necessária para a prática dos crimes, preferencialmente entre adolescentes em situação de vulnerabilidade, tema do quarto capítulo.
Do quinto ao sétimo episódios, é tratado o drama de quem, mesmo sem ter cometido crime, sofre consequências e, indiretamente, acaba também pagando uma pena. São mães, irmãs, esposas, companheiras, namoradas e filhos de apenados, que enfrentam uma dura rotina de duas vezes por semana ou, ao menos, uma vez por mês, aguardar em longas filas e submeter-se a revistas constrangedoras para ingressar nas prisões em dias de visitas. Já os filhos crescem enfrentando o drama do distanciamento dos pais. E todos sofrem com o estigma e com os rótulos impostos pela sociedade aos familiares de presos.
Grupos discriminados pela maior parte da massa carcerária e, por isso, segregados duplamente, uma vez que, além do aprisionamento, vivem em locais chamados de “seguros” dentro das prisões, são os temas do oitavo, nono e décimo episódios. Gays, travestis e transexuais sofrem no presídio uma homofobia potencialmente bem mais perversa do que a existente fora dos muros e grades. Não raras vezes, são vítimas de agressões e abusos. Religiosos são considerados traidores por optarem pelo caminho proposto por praticantes de cultos, em detrimento às facções. Da mesma forma, são vistos os presos trabalhadores que, por desempenharem funções auxiliares na manutenção das prisões, são considerados aliados da guarda e, por conseguinte, inconfiáveis pela massa carcerária.
Em meio a tantos problemas do sistema, surgem iniciativas que podem ser consideradas como uma luz no fim do túnel. Uma delas é o método Apac ( ). Criado em 1972 pelo advogado e jornalista Mario Ottoboni para evangelizar e dar apoio moral aos presos, a experiência, que tem como objetivo a humanização do cárcere, já é aplicada em mais de 100 prisões do Brasil e do Exterior, com altos índices de ressocialização e baixos custos. Este é o tema do 11° episódio.
No penúltimo capítulo, é abordado o polêmico regime semiaberto que, de acordo com a lei, deveria servir de transição entre o fechado e a volta do apenado às ruas. A falta de estrutura e o descontrole, no entanto, fazem do regime uma ameaça a apenados, que sofrem com pressões, extorsões e tortura de parte de facções (quando não são mortos), e à sociedade, devido à facilidade com que presos saem dos estabelecimentos, cometem crimes do lado de fora e retornam sem serem notados.
Por fim, no 13° episódio, é tratado o difícil recomeço para aqueles que cumpriram penas: das dificuldades surgidas a partir da falta de meios para os egressos retornarem às suas cidades no momento em que deixam a prisão às mínimas chances de obter um emprego ou de aceitação pela sociedade. Em meio a isso, surgem as ofertas para a retomada da carreira criminosa.