Academia de Cinema consagra “Bacurau” na noite do Prêmio Otelo
Por Maria do Rosário Caetano
A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais, responsável pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, elegeu o pernambucano “Bacurau” como o melhor filme de 2019. Triunfo repetido por seus diretores – Kleber Mendonça e Juliano Dornelles. Além dessas láureas, as duas mais cobiçadas, o filme-sensação da última temporada, recebeu mais quatro troféus Grande Otelo: ator, para Silvero Pereira, o Lunga (ex-aqueo com Fabrício Boliveira, por “Simonal”), roteiro original, montagem e efeitos visuais.
Pernambuco triunfou, ainda, na categoria melhor longa documental com o poderoso “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, de Marcelo Gomes, premiado ainda por sua montagem, assinada por Karen Harley.
Consagradora, também, foi a estreia do discreto Leonardo Domingues na ficção. “Simonal”, sacudida cinebiografia do cantor Wilson Simonal (1938-2000), ganhou o troféu Otelo de melhor filme de diretor estreante. E mais: viu seu protagonista, Fabrício Boliveira, eleito melhor ator, sua trilha sonora (assinada por Wilson Simoninha e Max Castro, filhos-músicos do biografado) e melhor som reconhecidos.
“Simonal”, vale registrar, perdeu um dos prêmios que mais merecia: o de melhor fotografia. Quem andou pelo circuito de festivais brasileiros viu o auê provocado por dois planos-sequência engendrados pelo craque Pablo Baião, a ponto de constituir-se em deliciosa sensação da temporada. Registre-se, porém e espantosamente, que o fotógrafo nem foi nominado pela Academia.
Um dos grandes favoritos da noite, “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, recebeu cinco prêmios (um a menos que “Bacurau”), mas só um (fotografia, para a francesa Hélène Louvart) entre os mais cobiçados. Começou bem a noite com o prêmio de melhor atriz coadjuvante para Fernanda Montenegro e prosseguiu com melhor roteiro adaptado (do romance “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha), direção de arte e figurino. Mas foi perdendo força à medida que a premiação virtual prosseguia.
A Noite dos Otelos teve bela e, felizmente, compacta edição na telinha da TV Cultura, já que a pandemia do Covid 19 obrigou a realização de festa não-presencial. A Academia e a eficiente equipe da emissora paulistana conseguiram dar dinamismo à entrega de 32 (sim, 32!, transformados em 33, já que a categoria melhor ator foi dividida entre Silvero Pereira e Fabrício Boliveira). E como o milagre da síntese se fez possível?
Simples: ao invés de subirem três ou quatro técnicos de som ao palco (algo impossível numa festa virtual) e todos agradecerem aos parentes, houve enxutíssimas falas pré-gravadas dos laureados. Como a Academia garantiu que o resultado era “totalmente desconhecido” e que “os técnicos da empresa PwC estavam nos bastidores, com os envelopes”, montou-se curioso artifício. O laureado “fingia” estar agradecendo apenas por ter sido indicado. Alguns seguiram a regra-disfarce. Outros, muitos, não o fizeram. Agradeceram, sim!, pelo prêmio conquistado.
No primeiro discurso da noite, Jorge Peregrino, presidente da Academia, lembrou que a arte, audiovisual em especial, revelou-se produto de primeiríssima necessidade durante esses duros sete meses de quarentena. “Já pensaram” – ponderou – “se tivéssemos que passar esse tempo de recolhimento sem filmes e séries para assistirmos?”. E reafirmou “a necessidade de políticas de fomento”, em tempo de imensa incompreensão sobre o papel desempenhado pela indústria do audiovisual.
Em momento revelador, Peregrino agradeceu ao produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, que fizera a ponte entre a Academia e os governos estadual e municipal de São Paulo, para que GP do Cinema Brasileiro continuasse distribuindo os Troféus Grande Otelo. Dezessete edições haviam sido realizadas em território fluminense (Rio ou Petrópolis), mas a crise financeira no estado ameaçava a festa. A décima-oitava edição estava ameaçada. A mudança de cidade fez com que a festa acontecesse ano passado no Theatro Municipal paulistano. E esse ano, pela primeira vez, na telinha de uma emissora aberta (a TV Cultura), que desbancou o Canal Brasil (vitrine privilegiada até o ano passado). O acordo da Academia com São Paulo era de dois anos. Será renovado?
A citação do nome de Rodrigo Teixeira serviu como índice de que “A Vida Invisível”, produção de sua prolífica e vitoriosa série de adaptações literárias, poderia ser o grande vencedor da noite. Apesar de laureado em cinco categorias, não foi. A noite seria de “Bacurau”.
Marina Person e Adriana Couto, a Dri, apresentaram a cerimônia virtual com alegria e desenvoltura, os números musicais constituíram-se em belas e saborosas louvações ao cinema brasileiro e, no finalzinho, Teresa Cristina, a sambista e rainha das “lives”, deu uma brevíssima e saborosa alfinetada no comando federal do país.
No quesito político, porém, a Noite dos Otelos foi morna. Um ou outro laureado defendeu seu ofício ou a combalida Cinemateca Brasileira. Mas, para alegria dos telespectadores, pela primeira vez em 19 anos de história do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, ninguém ouviu aqueles enfadonhos agradecimentos a pais-mães-filhos e enumeração de integrantes da equipe fílmica (ou televisiva). Como tudo tem dois lados, sem o inesperado dos discursos ao vivo, faltaram aquelas falas à la Cláudio Assis, inesperadas, cheias de paixão e fúria. Faltou, inclusive, alguma autoridade que repetisse o vibrante discurso do prefeito Bruno Covas, ano passado (candidato à reeleição, ele não poderia, mesmo, abrir a boca).
E, se um agradecimento merece destaque na edição desse final de semana, ele veio da França. Os maluquetes Mikaël Tanguy e Thierry Delobel, responsáveis pelos efeitos especiais de “Bacurau”, fizeram a lição de casa: falaram em sofrível (e delicioso) português com acento carregado nos ‘erres’. E externaram alegria circense, com muitas caretas. Enfim, bom humor pra dar e vender. Nem pareciam franceses, mas sim, coadjuvantes (ou figurantes) de “Cine Holliúdy”. A alegria é a prova dos nove.
Confira os premiados:
. “Bacurau” (PE) – melhor filme, direção (Kleber Mendonça e Juliano Dornelles), ator (Silvero Pereira, ex-aqueo), roteiro original (Kleber Mendonça e Juliano Dornelles), montagem (Eduardo Serrano), efeitos visuais (Mikaël Tanguy e Thierry Delobel)
. “A Vida Invisível” (RJ-CE) – melhor roteiro adaptado (Murilo Hauser, Karim Aïnouz e Inés Bortagaray), atriz coadjuvante (Fernanda Montenegro), fotografia (Hélène Louvart), direção de arte (Rodrigo Martirena) e figurino (Marina Franco)
. “Simonal” (RJ) – melhor filme de diretor estreante (Leonardo Domingues), ator (Fabrício Oliveira, ex-aqueo), trilha sonora (Wilson Simoninha e Max Castro), som (Marcel Costa, Alessandro Laroca, Eduardo Virmond, Armando Torres Jr e Renan Deodato)
. “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”, de Marcelo Gomes (PE) – melhor longa documental, montagem (Karen Harley)
. “Hebe, Estrela do Brasil” (RJ) – melhor atriz (Andrea Beltrão), maquiagem (Simone Batata)
. “Cine Holliúdy”, de Halder Gomes (SP-CE) – melhor comédia, ator coadjuvante (Chico Diaz)
. “Tito e os Pássaros”, de Gustavo Steinberg, Gabriel Bitar e André Catoto (SP) – melhor longa de animação
. “Turma da Mônica – Laços”, de Daniel Rezende (SP) – melhor filme infanto-juvenil
. “Eu Sou Mais Eu”, de Pedro Amorim (RJ) – melhor filme pelo voto popular
. “Sem Asas”, de Renata Martins (SP) – melhor curta ficcional
. “Ressurreição”, de Otto Guerra (RS) – melhor curta de animação
. “Viva Alfredinho”, de Roberto Berliner (RJ) – melhor curta documental
. “A Odisséia dos Tontos”, de Sebastián Borensztein (Argentina) – melhor filme ibero-americano
. “Parasita” (Coreia do Sul), de Bong Joon-ho – melhor longa internacional
TELEVISÃO
. “Sintonia”, de Felipe Braga (Netflix) – melhor série de ficção para TV fechada
. “Cine Holliúdy, a Série”, de Patrícia Pedrosa – melhor ficção para TV aberta (Rede Globo)
. “Quebrando o Tabu”, de Guilherme Melles e Kátia Lund (GNT) – melhor série documental para TV fechada
. “Turma da Mônica Jovem” (Cartoon Network), de Mauricio de Sousa, Roger Keesse e Marcelo de Moura – melhor série de produtora brasileira independente